A Comissão Parlamentar de Inquérito da Previdência Social ouviria nesta segunda-feira (26), entre outros, o diretor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Claudio Dutra Crespo, acerca da metodologia utilizada nos estudos realizados pelo órgão para embasar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 287/2016).
De acordo com propagandas veiculadas pelo governo federal em defesa da reforma do sistema, a Previdência Social é deficitária em 140 bilhões de reais. Além disso, o governo argumenta que a Previdência não é sustentável a longo prazo, entre outros fatores, pela projeção etária dos brasileiros nas próximas décadas.
Segundo a propaganda governamental, o número de aposentados cresce muito mais rapidamente do que o número de contribuintes. Assim, caso não ocorram mudanças, “o sistema vai quebrar”, diz trecho de propaganda.
“É uma pena ele [Claudio] não ter comparecido. Todos sabem que a projeção etária usada pelo governo é falsa. Ela não condiz com a verdade. Os dados foram usados para forçar uma situação de déficit da Previdência. Há muita incoerência que precisamos desmistificar”, disse o relator da CPI, senador Hélio José (PMDB-DF).
O conjunto de dados que chegam ao colegiado, segundo o presidente da CPI, senador Paulo Paim (PT-RS), mostram que o Brasil tem trabalhado por 94 anos “no escuro” com relação ao sistema previdenciário, sem nenhum tipo de planejamento de longo prazo e sem segurança, com o único objetivo de garantir o pagamento dos benefícios ano após ano.
“Ao analisar de forma detalhada as leis orçamentárias dos últimos anos, verifica-se que uma nova metodologia foi aplicada a cada ano no cálculo atuarial dos regimes de Previdência. Não seria possível obter uma metodologia padronizada para se realizar as projeções dos regimes existentes no País? Ao não promover uma metodologia padronizada ou, no mínimo, harmonizada, não se sabe ao certo a saúde do paciente. Na Previdência, cabem ilações e teses de todos os lados, pois nada fica claro, nada é transparente”, destaca o senador.
Para o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Carlos Renato Lisboa Frances, o pressuposto básico para o governo apresentar uma reforma dessa natureza com a certeza das projeções futuras, é condição necessária e obrigatória que exista um sistema atuarial consistente, preciso e exaustivamente testado pelo governo em todas as suas instâncias e que consiga de maneira irrefutável apresentar essas certezas à sociedade.
“Não há disponível à sociedade nenhum manual de referência, instrução normativa ou outro documento que apresente e detalhe o modelo atuarial a partir do qual o governo elabora suas convicções e projeta suas inferências do tempo futuro. Como vamos confiar numa previsão feita visando a situação da Previdência em 2060? ”, questiona.
Solon Venâncio de Carvalho, professor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirmou que o atual projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2018 em análise no Congresso Nacional contém uma série de erros de cálculos matemáticos.
“Não entrarei em detalhes, mas um técnico atuário percebe essas falhas. E mesmo assim isso deve se tornar lei. Não sei como são os tramites no Congresso. Mas como cidadão isso me preocupa. Dizer que o déficit da Previdência vai ser o equivalente a 11,1% do PIB em 2060? Não posso dizer que está errado. Mas com o que estudei, posso afirmar que a probabilidade desse cálculo estar certo é muito próximo de zero. Como alguém pode prever com certeza de três dígitos o que vai acontecer em 2060? Não dá”, afirmou.
O senador José Pimentel (PT-CE), ex-ministro da Previdência sugeriu ao colegiado, como medida imediata, a procura pelo presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e do relator da LDO, deputado Marcos Pestana (PSDB-MG), para que, em conjunto com a CPI, sejam refeitos os cálculos do anexo das metas para o ano de 2018, já que foram apontados erros nas projeções, equações e modelos de dados utilizados pelo governo.
Além disso, com os dados disponíveis até o presente momento para subsidiar o debate sobre a reforma previdenciária, Solon Venâncio de Carvalho afirmou inexistir a forma que o governo utilizou para calcular receitas, despesas e déficits com o funcionamento da Previdência dentro de um cenário após aprovação da PEC 287. “Estatisticamente falando, faz-se uma análise do histórico para tentar prever o futuro. Se mudam as regras, não existe histórico. São precisos procedimentos matemáticos para fazer essa estimativa. Sem os microdados chegamos à conclusão de que alguns cálculos são praticamente impossíveis com os dados existentes”, ressaltou.
Dados retidos
O representante do Inpe também criticou o fato de a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DataPrev) não permitir o acesso aos microdados que teriam dado sustentação aos estudos governamentais que subsidiaram a proposta de reforma.
“Se são dados que envolvem a elaboração de uma lei que vai valer para todos, não vejo o motivo de eles não serem públicos. Como eu, cidadão, não posso refazer as contas e saber se eles [governo] não tem razão”, criticou.