Os juristas pediram aos senadores que o texto do novo Código Florestal (PLC 30/2011) apresente amarras legislativas que garantam a “unidade nacional”. Em audiência pública conjunta das comissões de Agricultura (CMA), Ciência e Tecnologia (CCT), Constituição e Justiça (CCJ) e Meio Ambiente (CMA) na manhã desta terça-feira (13/09), os especialistas em direito destacaram que o impacto de uma norma, após aprovada, é competência do Congresso Nacional e que por essa razão os parlamentares não devem deixar para o Executivo ou Judiciário a função de legislar.
As competências que a União, estados e o Distrito Federal têm sobre a matéria foi um dos pontos que se sobressaiu na discussão que reuniu Herman Benjamin, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa e do Supremo Tribunal Federal (STF); Mário José Gisi, subprocurador-geral da República; Paulo Affonso Leme Machado, advogado e doutor em Direito Ambiental; e Cristina Godoy de Araujo Freitas, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
O senador Jorge Viana (PT-AC) observou que a dificuldade em encontrar uma solução para o problema está arraigada em uma característica do País: a extensão continental. “O nosso cuidado no Brasil é um pouco diferenciado porque nós temos o privilegio de viver em um País tropical, continental, cheio de possibilidade”, afirmou. Viana sinalizou que existem equívocos que precisam ser superados na formulação das próprias leis. Ele argumentou, por exemplo, que os legisladores municipais não consultam o Código nem para criar instrumentos legais de ocupação do solo.
Citando o artigo 24 da Constituição Federal, o professor Paulo Affonso explicou que a competência para legislar sobre florestas é concorrente do Estado e entes federativos, cabendo a União estabelecer normas gerais. “As normas gerais são aquelas que normalmente abrangem todo o território nacional, mas podem abranger um ecossistema ou um bioma. O estabelecimento das normas gerais deve visar, entre outros fins, um mínimo de uniformidade legal para o País. Assim evita-se o conflito constante das normas estaduais. […] A competência suplementar dos estados visa fazer cumprir as normas gerais, com seu aperfeiçoamento”, elucidou o acadêmico.
O ex-ministro Nelson Jobim reiterou as colocações do professor Paulo Affonso e afirmou que “o conceito de normas gerais não é abstrato […] e que estas regras não podem induzir a concorrências predatórias entre os estados”. Segundo Jobim, os estados possam usar de uma brecha no texto do Código para que eles legislem de forma mais ou menos restritiva para atrair mais agricultores, no que poderia ser chamada de uma “guerra fiscal”.
A promotora Cristina Godoy advertiu que a Constituição garante a população brasileira o “direito fundamental de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado” e que um retrocesso nesse sentido é proibido em cláusula pétrea.
Anistia
Outro ponto muito criticado pelos juristas foi a possibilidade de anistiar agricultores que desmataram ilegalmente. O subprocurador Mário José Gisi destacou que esse perdão vai na contramão de vários acordos internacionais assumidos pelo Brasil, como o Pacto de São José da Costa Rita, em que o Brasil assumiu o compromisso de melhoria da qualidade ambiental. E mais do que os compromissos internacionais, de acordo com Gisi, a anistia fere o princípio da moralidade. “Aquele que cumpriu a lei vai se sentir trouxa. A palavra é exatamente essa”, afirmou após mencionar que o País dispõe de 61 milhões de hectares de terras degradadas que poderiam ser recuperadas para a produção.
O subprocurador ainda destacou que o conceito de área rural consolidada (termo definido pelo texto do Código aprovado na Câmara dos Deputados como porções de terra de uso antrópico) é uma “afronta a sociedade”. Para ele, não há justificativa para a criação desse dispositivo e que se fosse para admiti-lo, a data de referência deveria ser a Lei 7.803/1989, segundo Gisi, última legislação ambiental que altera os parâmetros de Áreas de Proteção Permanente (APPs, reservas de proteção da vegetação nativa, destinada a resguardar os recursos naturais).
O ministro Herman Benjamin ponderou que até o momento não viu ninguém defendendo o desmatamento e no que se refere ao termo anistia é importante haver critérios e até estudar punições para que este assunto não volte a tramitar no Congresso dentro 10 ou 20 anos. Benjamin sugeriu que o debate seria simplificado se houvesse acordo em princípios básicos, como, por exemplo, a noção de que o PLC 30 não é um mecanismo para ampliar o desmatamento de florestas e a diferenciação entre pequeno e grande produtor.
Outras mudanças na legislação foram propostas. O professor Paulo Affonso chegou a apresentar sete alterações ao projeto. Uma delas inclusive dá nova redação para uma alteração sugerida pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC), no relatório apresentado na CCJ, ao parágrafo 1º do artigo 33. O acadêmico pede que a Constituição seja colocada como texto base para reger as competências da União, Estados e Distrito Federal na implantação de programas de regularização ambiental.
Votação na CCJ
O relatório de Luiz Henrique começa a ser discutido na próxima quarta-feira (13/09) na CCJ. Mas o texto já tem gerado algumas insatisfações. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), por exemplo, sinalizou durante a audiência que a proposta continua regulamentando retrocessos.
“Infelizmente senador Luiz Henrique, com toda admiração que tenho por Vossa Excelência, devo dizer que esse relatório vai gerar anistia, aumento do desmatamento e concorrência predatória entre os estados”, concluiu.
Catharine Rocha
Veja todas as alterações propostas pelo professor Paulo Affonso Leme Machado
Leia mais
APP urbana é necessária para proteger populações
Produção e meio ambiente não são antagônicos e sim interligados