crime na amazônia

Intimidação a jornalistas marca diligência ao Amazonas

Repórter da Agência Pública teve a tela de seu computador fotografada por militar enquanto cobrava versão de general sobre denúncias feitas por indígenas
Intimidação a jornalistas marca diligência ao Amazonas

Foto: José Medeiros/Agência Pública

Como é típico num episódio como esse, os intimidadores sequer comentaram ou explicaram o porquê de terem invadido a privacidade e fotografado a tela do notebook do jornalista Rubens Valente, da Agência Pública. Um mofado “nada a declarar” foi a resposta dada pelo militar bisbilhoteiro e pelo oficial com quem este havia cochichado pouco antes. A evidente intimidação, clássica do regime militar, ocorreu no final da tarde de quinta-feira (30), durante audiência de senadores e deputados membros de comissões externas das duas Casas. Os parlamentares viajaram ao extremo oeste do Amazonas para acompanhar as investigações sobre o duplo assassinato de Dom e Bruno, ocorrido ali, em Atalaia do Norte (AM), e para averiguar as causas da crescente criminalidade na região, fronteira com a Colômbia e o Peru, que deveria ser guardada exatamente pelas forças armadas contra o avanço do crime organizado.

De acordo com a Agência Pública, a intromissão militar no trabalho jornalístico aconteceu após questionamento ao general Marcius Cardoso Netto sobre denúncias, feitas por indígenas do Vale do Javari, de que a região foi abandonada pelo Estado e virou palco de crimes recorrentes. A pergunta foi feita durante audiência de parlamentares com representantes indígenas, familiares do indigenista Bruno Pereira e autoridades das forças armadas, do Ministério Público Estadual (MPE) e da Defensoria Pública da União (DPU).

Ao perceber que fora fotografado de costas, o repórter Rubens Valente teria questionado o militar, que se esquivou, “não posso dar informação nenhuma”, e saiu da sede da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja). O repórter ainda tentou esclarecer a situação com o tenente-coronel Afonso Gomes de Sousa Filho, do Comando de Fronteira Solimões, superior hierárquico do militar fotógrafo, mas igualmente foi ignorado.

A Univaja emitiu nota de repúdio à intimidação sofrida pelo repórter da Agência Publica. No comunicado, a entidade ressalta que “tem prezado pela participação da imprensa nesse processo. A Univaja manifesta solidariedade ao jornalista que, de alguma maneira, foi invadido na privacidade, no seu trabalho jornalístico, e repudia toda e qualquer forma de intimidação, ou de impedir que se realize o trabalho que é essencial e necessário para informar toda a sociedade”. Já a Agência Pública afirmou ter questionado a assessoria de comunicação do Comando do Exército, em Brasília, sobre o episódio, sem resposta até o momento.

Não foi o único constrangimento. Profissionais do Blog Jambo Verde, que cobriu desde o início o desaparecimento de Dom e Bruno, foram impedidos de trabalhar na audiência. Nailson Carlos Rodrigues Tenazor e Robinson Padilha não puderam sequer registrar imagens do evento, sob a alegação de que não se tratava de evento para imprensa local.

Providências
As reuniões de parlamentares com autoridades e lideranças indígenas se encerram nesta sexta-feira (1°/7), quando a comitiva retorna a Brasília. Mas o relator designado pela Comissão Especial do Senado para essa diligência, Fabiano Contarato (PT-ES), adiantou algumas das providências que deve anotar em seu relatório de viagem. Uma delas é o pedido de imediato afastamento do presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier, medida reclamada por todas as lideranças indígenas ouvidas e que resultou numa moção de demissão entregue aos parlamentares nessa quinta.

“A luta é nossa! Não vamos aceitar servidores da Funai e indígenas ameaçados. É preciso que seja fortalecida a segurança na região do Vale do Javari”, declarou Contarato. O senador também vai cobrar a adoção de medidas para proteger indígenas e servidores da Funai ameaçados em áreas invadidas, o fortalecimento do controle e da repressão a crimes na fronteira, além do aumento do efetivo de servidores da Funai.

Nessa sexta, a agenda inclui audiência com servidores da Funai, autoridades do estado e lideranças indígenas. O foco é verificar o andamento da investigação sobre os mandantes do duplo assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira, ocorrido no dia 5 de junho, quando ambos faziam uma viagem de barco pela região. Bruno, servidor licenciado da Funai, era alvo de ameaças de madeireiros e de pescadores ilegais, que, suspeita-se, são utilizados na lavagem de dinheiro do narcotráfico internacional.

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