Atingida por socos e chutes, tendo que lutar para evitar o roubo de sua arma de fogo, ela levou uma pancada com barra de ferro que amassou o capacete tático e chegou a ser arremessada do alto da cúpula do Congresso Nacional por bolsonaristas. No chão, foi atacada com pedradas e alvo de um coquetel molotov. A cabo da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Marcela da Silva Morais Pinno descreveu nesta terça-feira (12/9), em depoimento na CPMI do Golpe, o cenário de horror em que se viu mergulhada durante os ataques golpistas de 8 de janeiro.
“Eu saí do curso de formação e já fui agraciada com a oportunidade de estar no Batalhão de Choque. Desde então, tenho, sim, experiência em linhas de choque, em atuações de choque, mas quero deixar claro que, jamais, nesses quatro anos de atuação, estive diante de tamanha agressividade como foi no dia 8 de janeiro”, resumiu a policial.
Marcela Pinno relatou que, em 8 de janeiro, atuou como parte do pelotão de Patrulhamento Tático Móvel (Patamo) Alfa da PMDF, composto por 20 policiais. Seu grupo ficou posicionado na via N1, na Esplanada dos Ministérios e recebeu a orientação de atuar apenas em caso de ruptura dos gradis localizados na Alamedas das Bandeiras, em frente ao Congresso Nacional. Essa primeira linha de ação para conter o avanço dos golpistas era de responsabilidade da tropa normal da PMDF, e falhou.
Por volta das 15h30 daquele dia, cumprindo as ordens do tenente Marcos Teixeira, comandante da tropa, o pelotão seguiu para a cúpula do Congresso Nacional. Nesse momento, os extremistas já tinham rompido as grades de proteção da Avenida das Bandeiras. A partir daí, começaram os enfrentamentos com a tropa da Polícia Militar, e que acabaram atingindo tão duramente a cabo Marcela.
“Nesse momento eles nos atacavam com gradis, com a própria estrutura que é feita para impedir que os manifestantes tenham acesso ao gramado, com estacas de pau, inclusive um coquetel molotov alcançou meu escudo e falhou. Aí eu caio, de três metros de altura, e consigo retornar. No momento em que eu caí, eu retorno pelo gramado mesmo, subindo ali pela lateral. Consigo retornar ali para a linha de choque. Nesse momento, ao atravessar o gradil, foi o momento em que eu fui atacada novamente”, relatou.
“Aí eu estava me defendendo com o meu escudo, e nesse momento eles estavam me arrastando pelo escudo. Eu resolvi soltar, para que eu pudesse me defender melhor. Quando eu soltei o escudo, foi o momento em que eu tomei um chute e fui jogada no chão. No momento em que eu caí no chão, é que eu recebi o golpe com a barra de ferro na cabeça. Quando eu estava no chão, sendo agredida com barra de ferro, com chutes, socos, eles tentavam retirar minha arma. Eles estavam tentando retirar minha arma. Então, com um braço eu fazia a defesa do meu rosto, e com outro braço eu fazia a retenção do meu armamento”, completou a militar.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) classificou os ataques golpistas como uma “ação terrorista” e disse que o relato apresentado pela militar faz “cair por terra” a narrativa bolsonarista de que o governo Lula teria facilitado o acesso de manifestantes aos prédios dos Poderes da República para obter vantagens.
“A senhora é o retrato de que havia uma horda organizada, violenta, treinada para invadir a sede dos três Poderes, custasse o que custasse. E a senhora foi vítima da violência, da agressão. E qualquer um que se colocasse à frente seria atingido de forma violenta, seria agredido como a senhora foi fisicamente. A senhora não morreu porque o capacete a protegeu”, disse o senador.
Manifestação golpista contava com grupos organizados
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, questionou a depoente se, em sua avaliação, os manifestantes demonstravam algum tipo de conhecimento militar nos ataques golpista de 8 de janeiro.
A senadora citou relatório de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), encaminhados à CPMI, em que mensagens alertavam para a convocação de manifestantes com entendimentos militares além de Colecionadores, Atiradores Desportivo e Caçadores (CACs).
O deputado Rogério Correia (PT-MG) também apresentou documento que comprova alerta da Abin ao comando da PMDF, ainda em 5 de janeiro, informando sobre a identificação de convocações nas redes sociais, inclusive, com possibilidade de manifestações violentas. No dia seguinte, outro alerta da Abin informou sobre a presença de CACs na manifestação organizada por bolsonaristas.
Em resposta aos questionamentos, a cabo Marcela Pinno disse não ser possível afirmar que os golpistas utilizaram técnicas militares, mas era “perceptível que eles estavam organizados”.
“Havia em torno de quatro ou cinco manifestantes que estavam à frente da manifestação e possuíam luvas para ter acesso aos nossos materiais. São lançadas granadas, em altas temperaturas, que, se forem pegas em mãos livres, vai ter queimaduras seríssimas. Eles se utilizavam de máscaras, eles se utilizavam de toalhas, de lenços, para cobrir o rosto. Dessa forma, eles estavam organizados, sim”, destacou.
“Provavelmente, no meio desses [golpistas] tinham CACs. Não são senhorinhas que vão lá rezar a Bíblia enroladas em bandeira do Brasil. Os CACs têm treinamento. E veja bem que a Abin já dizia que os CACs já estariam lá. Isso é para que a senhora saiba o risco de fato que vocês correram”, reforçou o deputado Rogério Correia.
Habeas corpus gera revolta entre parlamentares
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques de conceder habeas corpus para a ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) Marília Ferreira Alencar permitindo que não comparecesse ao colegiado gerou revolta entre os parlamentares.
O presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), lamentou a decisão do magistrado e afirmou haver um “desequilíbrio entre os Poderes”, porque a decisão monocrática de um ministro acaba por se sobrepor ao direito de um órgão colegiado do Congresso Nacional e impede o avanço das investigações.
Ele também observou que outros pedidos similares, de não comparecimento a comissões parlamentares de inquérito, nunca tiveram tal desfecho.
“Isso demonstra claramente uma falta de isonomia de direitos praticada pelo STF. Porque como você pode admitir que um mesmo pedido é dado a um e negado a outro deliberadamente. O Supremo deveria ter pelo menos uma posição idêntica, hegemônica, a todos aqueles que solicitarem não vir à CPMI”, criticou o presidente da CPMI.
Na sequência, Arthur Maia anunciou que a Advocacia do Senado iria recorrer da decisão de Nunes Marques.
O depoimento de Marília Ferreira Alencar também estava agendado para hoje (12/9). Ela foi convidada para ocupar o cargo por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do DF, e, posteriormente, exonerada pelo interventor nomeado pelo presidente Lula, Ricardo Capelli. No Ministério da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, ela ocupou a Diretoria de Inteligência da Secretaria de Ações Integradas da pasta coordenada por Torres.
Investigada pela Polícia Federal, Marília Alencar foi responsável pelo relatório que detalhava as cidades onde o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva venceu com maior margem de votos no primeiro turno das eleições presidenciais. O mapeamento teria servido para organizar as blitze da Polícia Rodoviária Federal em cidades do Nordeste no segundo turno, obstruindo estradas e dificultando o acesso dos eleitores às urnas.