A CPI do Futebol realizou a primeira audiência pública nesta terça-feira (18), com a presença dos jornalistas esportivos Jamil Chade, José Cruz e Juca Kfouri. Chade apresentou aos senadores cópias de contratos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que obteve como fruto de seu trabalho como correspondente na Suíça pelo jornal O Estado de S. Paulo. Esses documentos tratam de negociações envolvendo jogos amistosos da seleção brasileira entre os anos de 2006 e 2022 e podem ser investigados pela CPI.
O primeiro contrato apresentado pelo jornalista, assinado em 24 de novembro de 2006, durante a gestão de Ricardo Teixeira, transferiu o direito de organização dos jogos amistosos da seleção brasileira para a International Sports Events (ISE). De acordo com Chade, a ISE é uma subsidiária de um grande conglomerado saudita, o Dallah Albaraka Group (DAG). Nesse contrato, a ISE apresenta um endereço localizado nas Ilhas Cayman, que se trata de uma caixa postal. “Na minha apuração, pude constatar que o endereço não consta com uma estrutura física, escritório e funcionários prestando serviços para a CBF”, relatou.
Ainda segundo Jamil Chade, a ISE subcontratou a empresa Kentaro para tratar da logística dos jogos. Em 2012, segundo ele, a CBF mudou a operadora dos jogos. A ISE continuou a ter os direitos sobre os amistosos, mas a operadora passou a ser uma empresa de Londres, chamada Pitch International. Esse contrato vale até 2022.
O segundo contrato apresentado por Chade também envolve a ISE. Mas, dessa vez, com a participação da Uptrend Development, que tem como proprietário o ex-presidente do Barcelona e ex-representante da Nike no Brasil, Sandro Rosell. De acordo com o documento apresentado, a Uptrend receberia 8,3 milhões de euros da ISE referentes a 24 jogos da seleção. Sem muitos detalhes, Jamil Chade explicou que a empresa de Rosell prestaria serviços na área de marketing e consultoria.
A Uptrend Development possui registro em Nova Jersey, nos Estados Unidos. No entanto, o endereço tem um detalhe que pode ser importante, segundo o jornalista. “Ela não tem uma sede física. Ela se utiliza de um escritório virtual em Nova Jersey. Na minha apuração, o escritório seria apenas uma sala alugada para reuniões”, explicou.
Segundo Chade, em 2013, logo depois de O Estado de S. Paulo publicar matéria sobre o dito contrato, Sandro Rosell deu uma entrevista pré-gravada para uma rádio da Catalunha explicando que o contrato era referente a serviços prestados por ele. “Ele não explicou qual foi o trabalho prestado e o jornalista também não fez essa pergunta”, disse.
Um terceiro documento apresentado aos senadores trata-se de uma minuta de contrato que nunca entrou em vigor. Com a saída de Ricardo Teixeira da CBF, às vésperas da Copa do Mundo de 2014, a Kentaro procurou a CBF e tentou uma renovação de contrato no momento de mudança na presidência da CBF (Teixeira/Marin). A empresa buscou intermediários que pudessem negociar a prorrogação do contrato com a CBF. Como o contrato não se estendeu em 2012 foi escolhida como empresa intermediária a Plausus, com sede em Londres.
Esse contrato dizia que os intermediários entre CBF e Kentaro receberiam, apenas pela celebração do contrato dois milhões de dólares. Além disso, os intermediários receberiam mais um milhão por jogo realizado da seleção. A partir de 2018, a empresa receberia 1,4 milhão de dólares por jogo entre 2018 e 2022.
Entre 2006 e 2012, segundo Chade, a CBF recebia da ISE, 1,1 milhão de dólares de cachê pelos amistosos da seleção.
O último contrato mencionado pelo jornalista e que será encaminhado futuramente para a CPI, firmado em 2011, estabelece os poderes que a ISE tem na seleção brasileira tanto na área comercial, quanto na área esportiva.
“O acordo determina que a seleção brasileira tenha sempre que entrar em campo com o time ‘A’. Alguns diriam que isso é óbvio. Mas não é assim. Se um treinador quiser montar uma seleção visando uma competição para daqui quatro anos, como uma Copa do Mundo, ele não pode. O time ‘A’ tem que ser o de hoje”, disse. “Um dos aspectos desse contrato diz que, caso um jogador seja cortado por questões médicas, outro tem que ser chamado, desde que tenha o mesmo valor de marketing. Fica muito claro que aquilo não é um amistoso para tratar de questões técnicas e, sim, para gerar renda”, emendou.
Estes contratos, assinados com empresas estrangeiras com sedes em paraísos fiscais, motivaram o presidente da CPI, senador Romário (PSB-RJ), a sugerir que todos os contratos da entidade nos últimos dez anos sejam investigados. A ideia foi acatada pelo relator, Romero Jucá (PMDB-RR), e a votação dos requerimentos acontecerá na próxima quinta-feira (20).
Os requerimentos tratarão da quebra de sigilos envolvendo a CBF e poderão detalhar se algum dirigente da entidade pode ter auferido vantagens pessoais durante este período.
Juca Kfouri: “Um dos autoenganos que cometemos é achar que a CBF é uma entidade privada. No máximo, ela é uma entidade privada de caráter misto, pelo interesse público que ela move”CBF e a aversão às mudanças
O jornalista Juca Kfouri disse ser um tanto cético em relação ao resultado que pode ser obtido por esta CPI do Futebol. Ele lembrou que no ano de 2001, naquela CPI da CBF, também no Senado, o então presidente da entidade, Ricardo Teixeira, foi indiciado 13 vezes. “Por meio de chicanas e outras coisas que são comuns na Justiça, ele nem sequer respondeu a ultima convocação do Senado. Foi necessário que a Justiça da Suíça o colocasse em seu devido lugar, assim como colocou José Maria Marin em seu devido lugar. Por isso, sou cético em relação ao que a gente consiga”, disse.
Kfouri ainda relembrou a dificuldade enfrentada pelos parlamentares durante a discussão da MP 671, que se transformou na lei do Profut, propondo a renegociação da dívida dos clubes, com a exigência de contrapartidas governamentais. “Uma das medidas que não vingou dizia que a seleção brasileira era patrimônio do futebol brasileiro. Por incrível que pareça a CBF fez o que pode, por intermédio de seus apoios, para que esse artigo não virasse lei por temer o Ministério Público”, disse ele. “Faz sentido que uma entidade sem fins lucrativos e que representa a seleção brasileira; que usa o hino do País como símbolo; usa as cores da bandeira e quando se fala em olhar com outros olhos para a CBF, ela argumenta ser uma entidade privada e não pode estar sob os olhos do Estado brasileiro?”, questionou. “Um dos autoenganos que cometemos é achar que a CBF é uma entidade privada. No máximo, ela é uma entidade privada de caráter misto, pelo interesse público que ela move”, emendou.
De acordo com o jornalista, uma das dificuldades de se investigar a CBF é a desonestidade intelectual que a caracteriza. “Aí ela diz que estamos tentando fazer uma Futebrás, querendo estatizar o futebol. Quando apenas está se tentando fazer algo óbvio, aquilo que ela é, de fato, patrimônio do povo e não de uns poucos”, disse.
Para Juca, existe um problema estrutural no futebol brasileiro que apenas será resolvido com a ampliação da democracia. “O que são as federações estaduais no País hoje, se não capitanias hereditárias? Se Marco Polo Del Nero cair da presidência da CBF, quem assume é o presidente da Federação de Santa Catarina, Delfim Peixoto, que está há 20 anos lá. A CBF tentou mudar o estatuto para colocar como próximo na linha sucessória Fernando Sarney que dentro do futebol não tem nenhuma contribuição relevante e fora dela não tem uma vida daquelas que você possa se levantar e aplaudir. Ou mexemos na forma de se representar o poder no esporte brasileiro ou vamos continuar assim a vida inteira”, salientou.
O jornalista ainda fez um alerta aos parlamentares sobre as dificuldades existentes para detecção de lavagem de dinheiro na indústria do entretenimento no mundo globalizado. A dificuldade se amplia ainda quando se trata da indústria do esporte. “A razão é a intangibilidade dos valores. Quanto custa o Messi? Quanto vale manter uma Ferrari por temporada? É importante ter isso em mente”, explicou.
Sugestões ao colegiado
O jornalista José Cruz, durante a reunião da CPI, mostrou desânimo com a próxima audiência marcada, quando serão ouvidos os presidentes de federações estaduais. Para o jornalista, eles falarão sobre a organização local do futebol e calendário de competições, e isso, na sua visão, não deve contribuir com o andamento dos trabalhos.
“Os presidentes de federação poderão vir aqui e relatar problemas de suas regiões, mas não trarão contribuição para que se chegue aos bastidores da CBF e se verifique qual a participação efetiva dessa organização e de seus dirigentes nesse escândalo de corrupção internacional da Fifa e na corrupção interna”, disse. “Enquanto nós torcedores nos envolvemos com a emoção do futebol, nos bastidores ocorrem falcatruas”, completou.
A audiência seguinte, mencionada por José Cruz, receberá presidentes de federações estaduais e o relator, Romero Jucá (PMDB-RR), convidou as federações de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Distrito Federal, Amazonas e Acre. Outros representantes de outros estados podem ser convidados.
Andamento dos trabalhos
A sessão da CPI desta terça-feira (18) foi suspensa e será retomada na próxima quinta-feira às 10h para análise de requerimentos.
Rafael Noronha
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