Juristas ouvidos nesta terça-feira (21) pelos membros da CPMI da JBS teceram duras críticas a legislação vigente no Brasil que regulamenta o instituto da delação premiada. Na visão dos especialistas, a lei é generalista e abre uma serie de brechas para que instituições como o Ministério Público Federal possam agir a margem da lei.
“Precisamos urgentemente de uma lei específica só para delação premiada e que unifique os diferentes dispositivos que temos. Temos delação premiada prevista na Lei 12.850, na lei de tóxicos, na [lei] de crimes hediondos, estão todas esparramadas. Temos de ter uma lei específica em que se discipline os limites da delação e se deixe claro o que não se pode fazer no âmbito da delação”, resumiu o professor de Direito da PUC-RS, Aury Celso Lima Lopes Júnior.
Para Aury, a legislação por ser insuficiente acabou abrindo espaço para “excessos nas práticas negociais” que permitiram a abertura de “um espaço impróprio para que o Ministério Público, com a conivência de alguns juízes, se arvorasse como o senhor da negociação”.
“O instituto da delação premiada é muito importante. Mas não podemos pactuar com excessos. Criticar o instituto da delação não é fazer um manifesto a favor da impunidade, mas, sim, de respeito as regras do jogo. Por que o Estado vai negociar com um criminoso confesso? Porque o Estado falhou no seu poder de investigar e apurar crimes. Se o Estado tem provas suficientes, você não senta para negociar com o delinquente. Você pune o criminoso”, destacou.
O professor de Direito da UFSC, Alexandre Morais da Rosa explicou que a ideia da delação premiada surgiu como mecanismo para que haja regulamentação de algum benefício para o indivíduo que colabora numa organização criminosa. Mas, no Brasil, a ausência de transparência nos procedimentos de negociação das delações tem jogado dúvidas sobre os métodos adotados.
“Temos de ter mecanismos para estabelecer: como, quando, onde e de que modo esse sujeito [procurador ou delegado] pode dizer que isso interessa ou aquilo não interessa. Precisamos de transparência, reuniões gravadas, ata e motivos claros do porque se aceita uma temática e não a outra. Sem isso temos um país que não respeita a democracia, o básico. Qualquer um desse país tem o direito de saber porque o Ministério Público quer a informação contra A e não quer contra B. E isso tem que estar no papel”, destacou.
O professor Aury Celso Lima Lopes Júnior ainda defendeu que a delação premiada deva estar sempre vinculada a uma investigação em curso. Para ele, esses parâmetros devem estar descritos no projeto de lei a ser redigido com detalhes do que pode ou não dentro de uma delação premiada para que abusos não continuem a ocorrer.
“Eu não posso ter delações em que o delator chega e precisa contar a vida inteira. Se eu não contar tudo que fiz a vida inteira posso ter a delação rescindida. Não se pode ver o Estado querendo que o cara entregue a vida inteira como se ele tivesse de pagar penitência para ir para o céu numa visão moralizante e assustadora. Isso é violador da democracia. Só posso aceitar delações vinculadas a uma investigação. Se não tenho uma investigação, não posso jogar verde”, criticou.
Forças-Tarefas
O ex-procurador da República, Eugênio Aragão afirmou que o instituto da força-tarefa – equipe integrada por representantes do Ministério Público Federal, Policia Federal e Poder Judiciário – é inconstitucional por juntarem três poderes “extremamente empoderados” atuando de forma conjunta e sem uma cadeia de responsabilidade que coíba abusos.
“Se a polícia se exceder, recorro ao MP ou ao juiz. Se o MP se exceder, recorro ao Judiciário. Se o juiz se exceder, vou para a segunda instancia. Se crio três atores mancomunados numa força-tarefa – juiz, MP e polícia –, quem vai controlar o que? Onde o investigado vai se queixar? Está entregue ao arbítrio porque não tem quem acolha qualquer tipo de reclamação dele. Isso faz com que se frustre o acesso à justiça. Por isso, é inconstitucional. Nesse contexto, delações passam a ser um instrumento político. Extremamente politizado”, afirmou.
Ausências
O deputado Wadih Damous (PT-RJ) – que presidiu a reunião da CPMI – informou que o juiz Sérgio Moro e procurador do MPF Deltan Dallagnol recusaram o convite para participar de audiência na próxima quinta-feira (23) para tratar do mesmo tema.
“Nós apenas oportunizamos democraticamente para que todas as posições acerca do tema pudessem ser trazidas a debate. Mas eles se recusaram. Eles perdem a oportunidade de colocarem seu posicionamento, apesar de terem a grande mídia e outros elementos de comunicação. Eles devem achar (a mídia) mais importante do que a Casa parlamentar. É uma pena. Uma falta de respeito e desapreço ao debate democrático”, criticou.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) também teceu críticas a recusa feita pelos convidados. “Sempre que tive a oportunidade de estar presente com Deltan Dallagnol e Sérgio Moro, eles nunca quiseram debater essa matéria. Eles são muito acostumados a falar sozinhos, sem nenhuma pergunta, nenhum questionamento, entregas de prêmios, palestras pagas. Isso é uma pena”.
De acordo com Damous, a intenção da CPMI é colher elementos para o aperfeiçoamento do processo legislativo no que tange as delações premiadas.
“Sabemos que no Brasil esse instituto tem tomado um curso que pode estar fortalecendo a conformação de um Estado policial, um Estado de exceção. A necessidade de sua regulação se faz premente, urgente e imperativa”, explicou.
A CPMI da JBS, instalada em setembro deste ano, está encarregada de investigar irregularidades envolvendo a empresa JBS em operações realizadas com o BNDES, ocorridas entre os anos de 2007 e 2016.