A Comissão de Meio Ambiente (CMA) debateu, nesta quinta-feira (22), por solicitação do senador Jaques Wagner (PT-BA), o Projeto de Lei Complementar (PLP 71/2019) que propõe a alteração das regras sobre licenciamento ambiental e abre a possibilidade para emissão automática da licença, para realização de obras de infraestrutura após vencidos os prazos de licenciamento sem a emissão da licença ambiental. Assim, a autorização seria concedida sem a análise e aprovação do poder público.
O projeto havia sido rejeitado pela CMA, mas recurso do autor do projeto, senador Márcio Bittar (MDB-AC), levou o projeto para análise em plenário.
Na avaliação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, a inclusão de tal dispositivo na legislação pode estimular a prática de corrupção nos atos ligados ao licenciamento ambiental. Nesse caso específico, segundo ele, seria ainda mais difícil comprovar o ato de corrupção do agente público por ser sido praticado a partir de sua omissão.
“Aquela maçã podre que perde o sono imaginando o seu dilema aceito ou não aceito [ser corrupto], faço ou não faço [a corrupção]. Se fizer, autorizar, [a corrupção] será visível. Se sentar em cima e não fizer nada e receber [pelo ato de corrupção] do mesmo jeito, a licença será expedida por um ato de omissão que equivale a um ato de ação. Minha preocupação é a inserção desse dispositivo numa realidade que conhecemos e, como dizemos, é fato notório no Brasil que, infelizmente, essas maçãs podres também existam em órgãos ambientais”, avaliou.
Para o senador Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, o projeto acaba abrindo a possibilidade para que um chefe de Poder Executivo local não muito preocupado com as questões ambientais utilize da nova possibilidade para fragilizar ainda mais os órgãos de controle ambientais para viabilizar as concessões de licenciamento sem a devida análise dos órgãos competentes.
“Se o texto fosse aprovado significa que um governador cuja consciência ecológica seja zero, um predador, basta a ele drenar o órgão de licenciamento ambiental que todas as licenças seriam aprovadas”, apontou.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) também criticou o projeto e o classificou como “completamente inconcebível”. Para ele, a visão liberal na economia e conservadora nos costumes que tem se espalhado pelo País ameaça, inclusive, dispositivos essenciais como a regulação da exploração do meio ambiente.
“Me parece que voltamos para a Idade Média quando tratamos da questão ambiental. Pessoas estão descobrindo o liberalismo agora, com suas falhas, e tentando impor a visão do ‘permitir tudo’. E essa visão vai impactar nesse tipo de dispositivo até chegar ao ponto de se propor o licenciamento tácito. Isso não existe em lugar nenhum. É completamente inconcebível”, criticou.
A ex-presidenta do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo, criticou aquilo que chamou de “visão míope” de redução da máquina pública em setores essenciais, como os órgãos de controle e fiscalização ligados ao meio ambiente.
“Um empreendimento licenciado pelo Ibama conta com uma equipe de aproximadamente oito ou nove pessoas. Imagine quantos bilhões não estão envolvidos, por exemplo, no licenciamento de uma hidrelétrica. Quanto não vai custar a mais o atraso no licenciamento? Quantos empregos não deixarão de ser gerados se uma licença dessas não sair? [O governo] economiza no salário de cem analistas [ao não realizar concursos públicos] e corre o risco de perder bilhões por mês [pela falta do licenciamento]. É uma visão míope”, disse.
Já o advogado Maurício Guetta enfatizou que o grau de exigência do licenciamento ambiental deve ser proporcional ao grau de impacto da atividade econômica no meio ambiente. Além disso, o advogado pediu seriedade e serenidade nos discursos em torno do meio ambiente, em especial, com a atual situação da Floresta Amazônica.
“Nesse momento em que a Amazônia está em chamas, faço um apelo para que se eleve o patamar dos debates que, infelizmente, estão se reduzindo a meros tuites ideológicos e se retome a serenidade e o equilíbrio das decisões mais importantes desse País. Principalmente quando estamos tratando de um bem tão relevante que é o meio ambiente, direito de todos e dever do Poder Público resguardar”, enfatizou.