Desconhecimento da realidade do sistema previdenciário, falta de debate sobre a gestão do sistema e ausência de discussão sobre mecanismos que coíbam crimes praticados contra o sistema previdenciários foram apontados por magistrados em audiência pública da CPI da Previdência, nesta segunda-feira (5), como possíveis caminhos a serem adotados pelo governo federal antes da tentativa de aprovar sem o devido debate uma reforma (PEC 287/2016) ‘desumana’ que retira direitos adquiridos dos trabalhadores e servidores brasileiros.
“Temos trabalhado intensamente contra essa reforma desumana. Porque essa é uma reforma em que se procura estabelecer uma guerra sistemática entre números desconsiderando que atrás deles existe um povo que sofre demais. O País vive um constante conflito entre aqueles que estão trabalhando e são sistematicamente subtraídos de seus direitos básicos, inclusive o direito a uma aposentadoria digna e que lhe garanta a subsistência. A proposta enviada pelo governo era ruim e o texto apresentado pela Câmara conseguiu a proeza de piorá-lo”, resumiu Jayme Martins de Oliveira Neto, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
A versão do governo para justificar a reforma trabalhista é a existência de um suposto déficit nas contas da Previdência Social, em 2016, na ordem de R$ 151,9 bilhões. Um crescimento de 59,7% em relação a 2015. A despesa com benefícios cresceu 6,6% e fechou o ano em R$ 515,9 bilhões. Já a arrecadação registrou a segunda queda consecutiva ficando em R$ 364 bilhões, representando uma queda de 6,4% comparada a 2015.
Para o representante da AMB, a guerra de números que o governo tem feito para tentar justificar a reforma induz de maneira equivocada a população, já que a desvinculação de receitas é representa “uma maldade”. “O governo faz a desvinculação para apresentar o déficit, retira um valor [da Previdência] e apresenta um déficit ainda maior que ele mesmo provocou. Tudo isso deixa a população indignada”, disse.
Antonio Rodrigues da Silva, presidente da Associação Nacional dos Procuradores e Advogados Públicos Federais (Anpprev), afirmou que a reforma da Previdência tem viés meramente fiscal e ataca apenas uma das pernas (a despesa). “Pagar despesa sem receita deixa a reforma manca. O combate à sonegação e o fim das renúncias fiscais são dois caminhos viáveis. A reforma tem apenas o objetivo de realizar um ajuste que atenda ao mercado financeiro”, acusou.
Antônio José de Carvalho Araújo, vice-Presidente da 5ª Região da Associação dos Juízes Federais do Brasil, criticou o fato de o governo não levar em consideração no cálculo do suposto déficit, os crimes contra a Previdência Social praticados como a apropriação indébita previdenciária, sonegação da contribuição previdenciária e o estelionato previdenciário que trazem um grave prejuízo as contas da Previdência Social.
Somente no mês de maio de 2017 tivemos seis operações policiais referentes a fraudes previdenciárias. Nos últimos quatro anos, de acordo com a Secretaria da Previdência, foram cancelados cerca de 37 mil benefícios fraudulentos que totalizavam aproximadamente R$ 406 milhões em prejuízos para os cofres da Previdência Social.
“Precisamos fazer um debate concreto acerca desses crimes, uma reformulação da legislação e uma atuação preventiva. O governo não faz um debate acerca desses crimes e também não pode apresentar a conta de um suposto déficit e com isso querer retirar direitos do trabalhador brasileiro”, disse.
JBS e outros frigoríficos
Na quinta-feira (8), as 9 horas, a CPI receberá representantes dos cinco frigoríficos maiores devedores da Previdência Social. De acordo com o presidente do colegiado, Paulo Paim (PT-RS), um documento recebido pela CPI aponta que a JBS tem cerca de 134 mil processos judiciais, a maior parte deles na Justiça do Trabalho. “A empresa teve um lucro fabuloso nesse ano que passou e está devendo a Previdência. São essas coisas que a população não entende, não aceita e gera tamanha revolta”, disse o senador.
“Se a empresa tivesse utilizado um pouco dos recursos que destinou a compra de parlamentar, particularmente, em 2014, dava para ela quitar totalmente sua dívida junto ao INSS. Mas entre fazer corrupção e proteger os direitos sociais no Brasil, ela optou em privilegiar a corrupção”, criticou o senador José Pimentel (PT-CE).
Pimentel ainda lembrou que o presidente da holding responsável pelo gerenciamento das empresas do grupo JBS de 2012 a maio de 2016 é o atual ministro da Fazenda, Henrique Meireles. “Não podemos esquecer essas vinculações para entender os privilégios que alguns tem de não pagar a Previdência e outros tem seus recursos bloqueados”, emendou Pimentel.
Além do representante da JBS, a CPI da Previdência também receberá representantes da Marfrig Global Foods, Margen, Nicolini e Swift Armour.