Marco Civil garante democracia e liberdade na internet

Marco Civil garante democracia e liberdade na internet

Negociação no plenário viabilizou eventuais aperfeiçoamentos por meio de medida provisória

Aprovação do PLC 21/2014 rendeu celebração
de parlamentares e representantes da
sociedade civil organizada

A miopia política que dificulta a diferenciação entre o Brasil nação e o governo brasileiro quase impediu a aprovação do Marco Civil da Internet, o projeto de lei (PLC) 21/2014 que garante uma internet livre e igualitária. Por três horas, os senadores do PSDB e do DEM notadamente se empenharam contra a apreciação da matéria em plenário nesta terça-feira (22).

Os oposicionistas diziam que o texto necessitava de melhorias, tentando mascarar as reais intenções de impedir que a presidenta Dilma Rousseff apresentasse, no principal evento internacional sobre governança da rede, o Net Mundial, os avanços inéditos do Brasil, no mundo, em nome da regulação de direitos dos usuários da web.

Depois de intensas negociações, a oposição recuou e decidiu referendar o apoio da sociedade à proposta. Na tarde de hoje, senadores receberam manifesto com 350 mil assinaturas pedindo a aprovação, sem reparos, do Marco Civil.

Coube ao senador Eduardo Suplicy (PT-SP) anunciar o acordo. “Os opositores acabaram chegando a uma forma de consenso para atender o clamor dos brasileiros. Concordamos em votar o marco”, disse.

A sociedade civil organizada temia que com alterações no conteúdo do projeto, obrigatoriamente, a matéria voltasse para a Câmara dos Deputados, onde o poderoso lobby empresarial conseguiu adiar a votação por sucessivas vezes. Havia preocupação também com o risco de pequenos retrocessos por conta das 43 propostas de modificação apresentadas por senadores governistas e oposicionistas.

“Desejaríamos participar de uma forma mais aprofundada, mais intensa. Mas entendo o sentimento que há hoje na sociedade pela rápida aprovação dessa matéria”, afirmou o líder do PT, Humberto Costa (PE), que teve uma emenda acolhida na votação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) pela manhã e abriu mão dela em plenário.

Medida Provisória

Buscando o consenso nos momentos iniciais de discussão, os senadores Walter Pinheiro (PT-BA) e Eduardo Braga (PMDB-AM) propuseram um acordo com a oposição e se comprometeram em incluir em uma medida provisória (MP) as propostas de melhoria do Marco Civil da Internet.

“Eu também tenho várias críticas ao projeto, mas é melhor fazer o aprimoramento da lei aprovada do que retardar a votação da matéria”, avaliou Pinheiro. “De imediato estamos aceitando as alterações propostas e dando o caminho adequado, uma MP”, conclui o senador baiano.

Mesmo assim, a oposição não assentiu. “Se quiserem derrotar as minhas emendas derrotem, mas tem que ser votado no momento correto”, afirmou Aloysio Nunes (PSDB-SP), recusando-se a deixar o debate para uma medida provisória.

“Tem que votar hoje, porque a presidenta Dilma tem que mostrar um troféu. Eu quero um mês. Só um mês para encontrar soluções para entregar ao povo um Marco Civil”, disse o senador Agripino Maia (DEM-RN), sinalizando abertamente o temor de que as conquistas do Marco Civil da Internet ficassem eternizadas em um discurso da presidenta Dilma.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-RS) rebateu a tese de exibicionismo governista e ressaltou que o Marco Civil é considerado um dos projetos mais democráticos, tendo sido elaborado em 2009 numa parceria entre Governo federal e sociedade civil, por meio de consultas públicas.

“A matéria foi exaustivamente debatida e a sociedade civil participou de forma intensa das várias discussões que foram feitas. Não há nenhum encaminhamento autoritário. E há um clamor da sociedade para que se aprove hoje. Não é porque não há uma discussão maior no plenário que o projeto será identificado como ruim”, ponderou a senadora.

Em um primeiro sinal de recuo, os senadores oposicionistas destacaram que não inviabilizariam a votação, por meio de obstrução, mas que iriam insistir na necessidade de discutir as emendas. E enquanto seguiam os pronunciamentos dos senadores, as conversas e negociações se intensificaram no meio do plenário, longe dos microfones. Ao cabo, a oposição acolheu a proposta de promover aperfeiçoamentos no Marco Civil por meio de uma MP.

“O nosso temor sempre foi o retrocesso. O Senado impediu um retrocesso, porque, infelizmente, se algumas emendas fossem aprovadas, o projeto voltaria à Câmara e a gente sabe da luta que foi para conseguir passar a matéria lá”, destacou o senador Lindberg Farias (PT-RJ).

Fundamentos

O Marco Civil da Internet aprovado na Câmara dos Deputados possui três fundamentos: a neutralidade da rede, que impede a cobrança de taxas especiais a partir da diferenciação do conteúdo disponibilizado na web; a proteção à privacidade do usuário; e a garantia da liberdade de expressão.

Durante quase três anos de intenso debate, o projeto teve a importante contribuição do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator da matéria, para impedir retrocessos como pretendiam oposicionistas e empresas de telecomunicações, que visavam interesses meramente comerciais.

As empresas queriam fatiar o acesso à internet e oferecer produtos semelhantes aos da TV paga, onde o pacote básico, com acesso apenas a redes sociais e e-mail, seria mais barato que o pacote completo, com acesso à toda a rede. “O Marco Civil da internet prima pela liberdade de expressão na rede”, enfatizou José Pimentel (PT-CE).

Da forma como o projeto segue para a sanção presidencial, a internet continuará a ser vendida em pacotes com diferentes velocidades para o tráfego de dados. Isso significa que o consumidor poderá fazer o que quiser dentro do 1 mega ou dos 10 megas que contratar.

“Esse é o melhor presente possível para usuários brasileiros e globais da internet”, afirmou o pai da internet, o físico britânico Tim Berners-Lee, em carta de apoio ao Marco Civil que divulgou no último dia 24 de março, em razão das comemorações pelos 25 anos da World Wide Web.

O texto ainda coloca na ilegalidade a cooperação das empresas de internet com departamentos de espionagem de Estado como a NSA, dos Estados Unidos. E delega à Justiça a decisão sobre a retirada de conteúdos, como forma de fortalecer a liberdade de expressão e responsabilização de conteúdos divulgados.

Os petistas Aníbal Diniz (AC) e Wellington Dias (PI) ressaltaram que o Marco Civil da Internet já coloca o Brasil em uma posição de protagonismo, servindo de inspiração, ainda na forma de projeto, para a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Parlamento Europeu. A presidenta Dilma Rousseff, em um telefonema com o líder petista, agradeceu aos senadores pela rápida aprovação.

Ponto a ponto: entenda o Marco Civil da Internet

Catharine Rocha

Leia mais:

Comissões aprovam Marco Civil da internet e texto segue para plenário

Câmara aprova Marco Civil da Internet e PT comemora “grande lei para o país”

Molon: Negar a neutralidade é preconceito contra pobre


To top