A luta das mulheres pela igualdade de direitos é uma das mais antigas no âmbito do movimento de direitos humanos. Começou no início do século 20, as mulheres já com forte manifestação em busca do direito ao voto e à representação política. Mas foi a partir da segunda metade do século que a defesa dos direitos da mulher teve maior força.
Tivemos a Constituição Cidadã em 1988 que consagrou o princípio da igualdade de gênero e serviu como pedra fundamental às iniciativas que vieram a seguir. Merecem destaque a criação dos Conselhos dos Direitos da Mulher, das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, de programas específicos de Saúde e de prevenção e atendimento às vítimas de Violência Sexual e Doméstica. Mas, sem dúvida, ao longo de todo esse período, uma das maiores conquistas foi a Lei Maria da Penha, cota de 30% para candidatas, além de políticas sociais que vem a mulher como foco principal da sua ação, como Bolsa Família e a Rede Cegonha. Movimentos sociais como a Marcha das Margaridas, que também fortaleceram o papel da mulher no campo.
Avançamos nas últimas décadas, mas essa é uma luta que é muito longa e complexa, os resultados demoram aparecer e a realidade que bate hoje as nossas portas do censo de 2010, que saiu hoje, é o fato de 39% dos lares serem providos unicamente por mulheres e 30% terem a mulher como co-provedora.
Nós sabemos que quando só a mulher é a provedora o nível da família baixa, porque hoje as necessidades dos dois salários é extremamente alta. Ou seja, em 69% das famílias a renda da mulher tem um papel fundamental no orçamento doméstico. Porém, ainda nos afrontam dados como os que mostram os homens ganhando em média 42% a mais do que as mulheres.
Isso mostra a complexidade da nossa luta. Ocorre que o avanço depende não só das mudanças legais e institucionais, mas também de transformações sociais e culturais. E hoje, devido ao grau de globalização que vivemos, essa transformação não adianta ocorrer num país só, essa força é única. Ela ocorre na esfera mundial.
Participei recentemente, a quase dois meses, de uma série de conferências na ONU por ocasião da 66ª sessão de sua Assembléia Geral. Acompanhei com especial interesse as conferências da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre o fortalecimento do papel da mulher e sobre políticas contra a violência e discriminação por gênero.
Passaram-se 15 anos desde a última conferência Mundial sobre a Mulher na ONU, ocorreu em Pequim em 1995, estive lá com a delegação do Congresso, delegação feminina do Congresso, e deu muita força para nós aqui depois podermos aprovar a cota. Pelos relatos que presenciei agora, brevemente, na ONU neste ano, avanços aconteceram num ritmo aquém do desejado. É um processo justo, eficaz, lento e demorado. Fiquei impressionada como algumas nações, inseridas em realidades culturais e históricas muito diferentes entre si, avançarem no tema. Países inclusive que, até por questões religiosas, teriam resistência em conferir um status de igualdade às mulheres na sociedade fizeram também avanços.
O Relatório da ONU de Progresso das Mulheres e o Relatório do Banco Mundial sobre Igualdade de Gêneros mostram que 139 nações no mundo têm leis que garantem a igualdade de gêneros, sendo 117 com leis específicas proibindo discriminação salarial.
E não estamos falando apenas do mundo ocidental, do mundo cristão. A Tailândia, por exemplo, acaba de eleger a primeira mulher chefe de Governo, além de ter 25% do Congresso composto por mulheres. Aprovou leis que protegem as mulheres contra violência doméstica e contra o tráfico humano. A Indonésia seguiu o mesmo caminho, mais focada no mercado de trabalho, e tem uma mulher Presidenta e 18% de seu Congresso é de mulheres.
Países africanos, países, geralmente, de grande fragilidade política, também tiveram evolução. Nações que integram a União Africana anunciaram um grande plano conjunto de fortalecimento do papel da mulher, denominado Década da Mulher para o período de 2010 a 2020. Esse plano tem grande foco na área rural onde as mulheres são vistas como agentes essenciais à redução da pobreza, segurança alimentar e sustentabilidade ambiental. O combate à mutilação genital também se tornou uma ação coordenada de todos os países por meio de sua criminalização nas legislações nacionais. África do Sul, Nigéria e Namíbia contam com Ministérios das Mulheres e leis que estabelecem cotas de participação política e garantem igualdade de participação.
A Índia, nação emergente, mas ainda com forte estratificação social, conta com legislação de participação política feminina que reflete num grande número de mulheres nos corpos legislativo e executivo do país. Em 2005, foi editada lei de proteção contra violência doméstica e no plano da educação é grande foco nas meninas entre 6 e 14 anos.
Um aspecto interessante destacado nas conferências é que a discriminação contra mulher não têm fronteiras nacionais, nem sociais, e por isso as ações precisam mesmo ser muito amplas e ambiciosas. Países ricos também têm graves problemas de efetiva aplicação das leis que protegem as mulheres. Os Estados Unidos – a gente fica até impressionado – sequer é signatário da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres da ONU, que hoje conta com a adesão de 96% de seus membros.
Também a Holanda está atrás de países como o Sri Lanka no ranking de participação feminina com apenas três mulheres no Governo, Senadora Ana Amélia, e com 8,1% dos cargos corporativos.
Por isso, não podemos descansar. Apesar da evolução observada, muito ainda precisa ser feito. As mulheres, hoje, são responsáveis diretas por 66% do trabalho no mundo, 55% da produção de alimentos, mas apenas recebem 10% da renda e possuem 1% da riqueza mundial.
E os estudos hoje são categóricos em afirmar que todos ganhariam com o tratamento igualitário às mulheres. Estimativas afirmam que, com um tratamento igual no mercado de trabalho, o PIB norte-americano cresceria 9%; o europeu, 13%; e o japonês, 16%. Assim, além de ser um direito humano básico, o fim da discriminação fomentaria o desenvolvimento mundial.
Recente levantamento do Fórum Econômico Mundial mostrou que o Brasil piorou no ranking de desigualdade de sexo, mas muito em função de uma melhora de outros países, ou seja, nós fomos para baixo, mas porque outros foram mais rápidos que nós.
Daí a importância de termos uma Presidenta que é tão atenta à questão da mulher, que se preocupou tanto em ter um Ministério com mulheres, que se preocupou tanto em indicar mulheres, como agora indicou uma mulher novamente para o Supremo Tribunal Federal e que tanto tem essa preocupação em todos os níveis, até dentro do avião presidencial. Realmente. Essa preocupação é justa e correta, porque sabemos que, se deixarmos à deriva e não focarmos nessa questão, com ações afirmativas necessárias também, a questão da mulher melhora, porque isso não tem volta, mas melhora a passo de tartaruga, que não é o que nós desejamos, nem é o que nós, mulheres, merecemos.
Acredito que a agenda de igualdade de gênero e combate à violência contra a mulher se tornou um consenso mundial e as perspectivas futuras são boas.
Temos aqui duas chagas. Abre-se o jornal e, todo dia, ou tem um caso de um tipo ou de outro: ou uma mulher é morta, assassinada ou espancada ou um homossexual é morto, assassinado ou espaçando. Nessas duas questões, o Brasil está muito aquém de vários países e com uma legislação que, no caso da mulher, é bastante avançada, embora, no caso dos homossexuais, ainda nem tanto. Daí porque projetos como os de combate à violência em relação aos homossexuais e o da criminalização da homofobia serem bastante importantes aqui, no Congresso Nacional.
O Brasil ainda tem muito que fazer e a ONU pode ajudar cada vez mais.
Muito obrigada, Sr. Presidente.
Era isso que eu tinha a dizer.