Política de segurança precisa respeitar direitos dos profissionais do setor

Um modelo de segurança pública arcaico e obsoleto tem privado a sociedade brasileira de uma de suas principais demandas, que é viver sem violência, avalia o representante da Associação Nacional de Praças, Cabo Elisandro Lotin de Souza, um dos expositores na audiência pública realizada na noite desta segunda-feira (5) pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que apura o assassinato de jovens no Brasil.

A CPI concentrou o debate desta noite na violência que atinge os profissionais de segurança pública e, além do Cabo Lotin, ouviu a representante da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federa, Tatiane Almeida, e o representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos, André Praxedes.

Lotin reconheceu que muitos erros institucionais são cometidos rotineiramente por policiais e demais agentes de segurança pública, lembrando que a polícia que a sociedade brasileira precisa ser respeitadora dos direitos humanos, mas destacou que é difícil construir essa polícia quando os direitos humanos e a cidadania dos policiais são frequentemente desrespeitados pelo Estado. No 27º aniversário da Constituição, ele lembrou que direitos garantidos à maioria dos trabalhadores brasileiros ainda não chegaram aos policiais e bombeiros militares.

“Utilizam-se muito regulamentos militares da ditadura militar como forma de opressão interna”, narrou o cabo. Fora dos quarteis, nas ruas, a realidade é ainda mais difícil: “No Brasil, morrem seis vezes mais policiais que nos Estados Unidos, todos os anos”, no que ele classifica de “guerra civil não declarada”. Em uma realidade de baixos salários, jornada de trabalho injusta, humilhações e assédio por parte dos superiores, não é possível ter uma polícia cidadã.

“Como o policial vai realizar um serviço de segurança pública de qualidade se ele próprio não tem seus direitos respeitados? Não há efetivo, não há condições de trabalho, eles são explorados e humilhados. Nós, policiais militares, civis e bombeiros somos também vítima desse processo de insegurança pública generalizada”, afirmou o cabo.

Para estancar essa guerra, acredita o policial, é preciso primeiro reconhecer que a sociedade brasileira é uma sociedade violenta. “Vamos parar com o discurso falacioso de que vivemos em um país pacífico. Não vivemos! São 60 mil homicídios por ano”. Além disso, afirma Lotin, o País não forma policiais para defender a sociedade. “Forma-se o policial militar para ser inimigo da sociedade, na lógica oriunda de 1964”.

Além disso, não é possível exigir que a polícia se organize em torno de valores mais “puros” que os da sociedade que fornece as pessoas que vão compor seus quadros: “A sociedade é racista, é machista. O policial é produto desta sociedade”. Para o cabo, é preciso reconhecer — e mudar — a própria natureza da polícia, criada, desde sempre, para proteger “o capital, o dinheiro, o poder, a aristocracia muito bem endinheirada”.

Grupos de extermínio
A delegada federal Tatiane Almeida falou sobre o trabalho da Polícia Federal no combate aos chamados grupos de extermínio, cujas principais vítimas são jovens negros. Segundo ela, 70% das mortes violentas no país vitimam jovens negros e pobres. Para a delegada, o racismo é uma realidade incontestável no Brasil e a seletividade racial na abordagem policial é um dos retratos desse racismo. Ela garantiu que as estatísticas mostram que a atuação de grupos de extermínio não resulta em diminuição de crimes.

Os grupos de extermínio não estão interessados em praticar justiça social, advertiu Tatiane, mas geralmente descambam sim para o cometimento de crimes em busca de vantagens financeiras, praticamente substituindo os criminosos. Em 2014, disse a delegada, policiais civis e militares mataram mais de três mil pessoas.

 

Apesar de a Polícia Militar ser muito letal, ponderou Tatiane, os policiais, que em sua maioria também são negros, também são vítimas da violência. Ela citou recente pesquisa feita com policiais de todo o país que mostrou a realidade desses profissionais: ameaças em serviço e fora do serviço, assédio moral e humilhação no ambiente de trabalho, acusações injustas, distúrbios psicológicos, falta de apoio da sociedade e do Estado, baixos salários e cotidiano extenuante.

To top