Uma das perguntas mais frequentes que tenho recebido é porque o Brasil não seguiu os exemplos da Argentina, do Chile, Peru ou da África do Sul, que deram poderes mais amplos às suas comissões da verdade.
A África do Sul versou sobre passado recente de segregação racial e criou sistema de troca da verdade pela anistia, em uma situação social de busca de reconciliação. Nós já temos a anistia, muitos desejam a punição dos autores de tortura e desaparecimento e o negacionismo militar demanda o resgate público da memória. Portanto, a necessidade é por outro modelo.
O Peru não estava circunscrito por uma lei de anistia; ao contrário, desejava a punição de suas autoridades recentes, como Fujimori. Esse não é nosso caso, que trabalha com fatos de décadas atrás e que passou por um processo de democratização simbiótico e não de rompimento.
Já o Chile e a Argentina tiveram suas Comissões de Verdade com poderes mais limitados e, posteriormente, construíram outra realidade pela posição do legislativo e do judiciário.
Entretanto, a nossa Comissão da Verdade tem alguns poderes herdados dessas comissões, que são interessantes e devem ser explorados ao máximo, como o de nomear autores, fazer audiências públicas, determinar perícias e diligências e colaborar com órgãos públicos para apuração dos crimes.
Outra pergunta constante é o que a Comissão da Verdade brasileira vai fazer concretamente, e o que acontecerá com os resultados.
A Comissão tem o papel crucial de construir uma memória coletiva, para todos. Existem casos emblemáticos que precisam ser desvendados, precisamos apurar o destino dos desaparecidos com afinco, dar voz pública às vítimas e a seus familiares, apurar a participação não só de militares, mas também de civis na manutenção do aparelho repressivo.
Sobre os resultados, vale acrescentar que o material irá para o projeto Memórias Reveladas e, igualmente, deve ser remetido ao Ministério Público.
Recentemente uma revista alemã me perguntou se há algo que o Brasil poderia aprender da forma como a Alemanha revisou seu passado depois da Segunda Guerra e depois da Reunificação em 1989.
É claro que podemos aprender muito com a Alemanha, a começar por destruir a negação: lá, a do holocausto e aqui a da ditadura.
Para isso, memoriais, monumentos, material didático, datas comemorativas, nomes de ruas, de praças, de pontes, deveriam ser repensados. A construção da memória na Alemanha é um exemplo a ser seguido.
Muito já foi apurado pela Comissão da Anistia e pela de mortos e desparecidos. Dificilmente, o número de violações conhecido será ampliado de modo significativo. Até dezembro de
A Comissão não deve ser medida pela descoberta de novos casos, mas por sua capacidade de desvendar casos emblemáticos (Rubens Paiva), aclarar sistemas de repressão, apontar vínculos com outros países (Operação Condor), denunciar participação de empresas e civis, nomear autores, etc.
O Brasil tem em mãos um instrumento que ajudará ainda mais a gerar a cultura da prática democrática e da paz, que não convive com a impunidade e com o esquecimento de violações graves de direitos humanos.
Não tenho dúvidas de que precisamos, cada vez mais, produzir fartos e substanciais documentos que sirvam para a reparação às vítimas, à justiça em sentido amplo e à consciência coletiva.
E assim, o nosso país seguirá em frente, cuja memória não teme o enfrentamento de suas dores, de seus momentos mais obscuros; pelo contrário, sua memória fortalece a convicção de que, ao abrirmos nossos corações para a verdade, estamos prontos para construir um novo caminho.
Paulo Paim é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.
Artigo publicado no site SUL 21