O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, voltou a ser evasivo em seu segundo depoimento à CPI da Covid. O representante do governo Bolsonaro foi o primeiro a retornar à comissão para prestar esclarecimentos após a primeira manifestação aos parlamentares.
Queiroga tentou, mais uma vez, dar um ar técnico para sua gestão, mas chegou a irritar os senadores ao se esquivar de opinar acerca das manifestações públicas de Bolsonaro em favor do uso de medicamentos ineficazes contra a Covid-19 e pela participação frequente em atos públicos com aglomerações e sem o uso de máscaras.
“Sou ministro da Saúde, não um censor do Presidente da República”, disse o ministro. “Não me compete julgar os atos do Presidente da República. Já falei com ele, é um ato individual”, emendou Queiroga.
O Brasil tem, hoje, 474.614 mortes por Covid-19, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa. O senador Humberto Costa (PT-PE) destacou que desde a posse do ministro Queiroga, em março, já foram registrados 175.738 desses óbitos. E apesar do número alarmante de casos, o ministro Queiroga não consegue nem sequer convencer o próprio chefe a dar o exemplo para a população sobre as medidas de proteção contra o novo coronavírus.
“Quando o Congresso Nacional convoca um ministro, convoca alguém que vem falar em nome do governo. Mas, o que a pessoa comum pensa é o seguinte: ‘se ele [ministro] não convence o chefe [presidente] a usar máscara e parar de fazer aglomeração, como vai convencer a população?’. Eu acredito que o senhor quer ajudar o país. Mas é preciso saber o que aconteceu nesse período que o senhor é ministro. Morreram 175.738 pessoas por Covid-19 no Brasil. Isso é uma demonstração de que é preciso combinar as ações”, criticou o senador.
O ministro também disse aos senadores que, em meio à pandemia, não há nenhum médico infectologista na sua equipe no Ministério da Saúde. Segundo o ministro, os especialistas são ouvidos apenas como consultores.
“O senhor preconiza uma coisa, enquanto o presidente preconiza outra. Enquanto o senhor está querendo defender um enfrentamento com base no que todas as autoridades sanitárias dizem, o presidente insiste na sua tese da imunidade de rebanho, faz aglomerações, defende tratamentos ineficazes e o problema vai se agravando”, disse o senador Humberto. “Não há possibilidade de alguém que queira fazer um trabalho sério nesse país, de poder fazê-lo dentro desse governo. É o mesmo problema da doutora Luana [Araújo]”, concluiu.
Mudança de versão sobre Luana Araújo
O ministro mudou a versão acerca da decisão de não nomear a infectologista Luana Araújo para a Secretaria de Enfrentamento à Covid do Ministério.
Na semana passada, Luana disse que o próprio ministro a havia comunicado que seu nome não teria sido aprovado no governo, por isso ele não a efetivaria.
Hoje, no entanto, Queiroga afirmou que partiu dele a decisão de não nomear a infectologista.
No dia 26 de maio, na Câmara, Queiroga também falou sobre a dispensa de Luana. Na ocasião, ele disse que para uma pessoa ser efetivada são necessárias a validação “técnica” e a “política”.
Realização da Copa América
Questionado sobre a realização da Copa América no Brasil, o ministro afirmou que o risco de se contrair a doença é o mesmo “com o jogo ou sem o jogo” no país.
De acordo com o ministro, do ponto de vista epidemiológico, não existe justificativa para a competição não ser realizada no Brasil e garantiu que a competição não representa um risco para o sistema público de saúde. O ministro chegou a classificar a Copa América como uma competição de tamanho menor, em comparação com os Jogos Olímpicos, para justificar a realização do evento.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) manifestou preocupação com o fato de o Brasil sediar a Copa América nas próximas semanas. O conselho enviou uma carta a governadores e ao governo federal pedindo que o evento não ocorra, com o argumento de que o país pode ter um aumento significativo dos casos de Covid-19.
O senador Humberto Costa perguntou se o ministro teve a oportunidade de vetar a realização da Copa América no Brasil. De acordo com o ministro, ele tratou apenas dos protocolos sanitários relacionados à competição.
“É uma situação grave. Numa questão gravíssima, extremamente séria para a saúde pública, o Ministério da Saúde não teve o poder de aprovar ou vetar [a competição]. No meio de uma pandemia com mais de 400 mil mortos, o senhor é o principal dirigente do SUS, não pode dizer que não tem nada a ver com isso. O senhor pode dizer que o presidente tomou uma decisão sem levar em consideração o posicionamento do Ministério da Saúde. Mas não pode se eximir”, disse o senador.
Na avaliação de Humberto, fica claro que o atual ministro, assim como seus antecessores, não dispõe da autonomia necessária para tratar das questões técnicas que o cargo exige.
“O que acontece com o senhor é o que aconteceu com os outros [ministros]. O presidente não lhe ouve, ele faz as coisas da cabeça dele, o senhor não tem autonomia. E não dá para o senhor dizer que são problemas de divergências na classe médica. É uma divergência concreta entre o que é correto fazer e a posição do presidente”, enfatizou Humberto Costa.
Gabinete paralelo
O ministro foi questionado pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), acerca da existência do gabinete paralelo. Queiroga disse desconhecer a atuação do gabinete, mas admitiu ter contato com ao menos quatro integrantes, mostrando que o grupo continua em ação.
De acordo com o ministro, ele “teve contato” com Nise Yamaguchi, Carlos Wizard, Carlos Bolsonaro e Osmar Terra.
Apesar dos contatos, o ministro disse desconhecer que o grupo tenha alguma atuação em paralelo com o Ministério da Saúde. “Nunca vi esse grupo atuando em paralelo de forma alguma […] Não tenho contato com esse grupo”.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que, enquanto a população brasileira foi abandonada à própria sorte em meio à pandemia, Bolsonaro coordenou o gabinete paralelo para sabotar a compra de vacinas e as medidas sanitárias de restrição e transmissão do vírus.
“O que vimos no Brasil foi um gabinete paralelo e antivacinas que tem vários atores que passaram boa parte do tempo se articulando e definindo uma estratégia pró-expansão da pandemia. Isso é de uma gravidade, de uma crueldade que precisam ser apurados. E quem comandou isso é o presidente Bolsonaro. Ele foi o ministro da Saúde e ele é o ministro da Saúde até hoje”, denunciou.
Rogério Carvalho ainda lembrou que foram necessárias ações do Congresso Nacional e do Poder Judiciário para suprir omissões do Poder Executivo em meio à pandemia. O senador destacou que o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, obrigou o governo Bolsonaro, ainda em novembro do ano passado, a apresentar um plano de vacinação contra a Covid-19.
Além disso, lembrou o senador, partiu do Congresso Nacional a iniciativa de votar a emenda constitucional que liberou mais recursos para o governo enfrentar a pandemia, conhecida como “orçamento de guerra”.
“A sensação que eu tenho é que o senhor vai passar meses enxugando gelo. Enquanto o senhor trabalha por um lado, o presidente desfaz pelo outro, desempenhando o efeito Bolsonaro na expansão da pandemia”, enfatizou o senador Rogério Carvalho.
Tratamento precoce
Queiroga afirmou que não existem evidências científicas da eficácia de medicamentos como a cloroquina no tratamento da Covid-19 e defendeu, reiteradas vezes, que a solução para a pandemia passará pela vacinação dos brasileiros.
“Essa questão [remédios contra a Covid] tem gerado uma forte divisão nas classes médicas […] Como médico entendo que o que vai colocar fim ao caráter pandêmico dessa doença é a vacinação”, disse.
Apesar do posicionamento expressado por Queiroga, ele classificou as discussões acerca do tratamento precoce contra a Covid-19 como “laterais” e ignorou o fato de o próprio presidente da República fazer a defesa desses medicamentos.
O senador Humberto Costa destacou o fato de que, entre março do ano passado e março desse ano, foram vendidos 52 milhões de comprimidos do chamado ‘kit de tratamento precoce’ apenas nas farmácias privadas do Brasil. Para ele, a CPI precisará se debruçar sobre essa linha de investigação para saber quem ganhou dinheiro incentivando as pessoas a se automedicarem com remédios comprovadamente ineficazes.
“É muito importante essa investigação. Com toda certeza tem gente que ganhou muito dinheiro com essa história de tratamento precoce”, disse.
Todo o Brasil vacinado até o fim do ano
O ministro da Saúde voltou a afirmar que toda a população adulta do Brasil estará vacinada contra a Covid-19 ainda neste ano.
De acordo com o novo balanço do consórcio de veículos de imprensa, divulgado às 20h dessa segunda-feira (7), são 49.584.110 vacinas aplicadas na primeira dose, o que corresponde a 23,42% da população. Já a segunda dose foi aplicada em 23.026.663 pessoas, o que equivale a 10,87% da população.
O senador Humberto Costa apontou que o Programa Nacional de Imunização do SUS possibilitou, em 2010, durante a epidemia de H1N1, que o governo federal aplicasse 80 milhões de doses de vacinas em 100 dias.
“Na última vez que o senhor veio aqui, disse que o Brasil, em breve, iria vacinar um milhão de pessoas por dia. E a principal razão [disso não acontecer] é a falta de vacinas, onde entra a responsabilidade total do governo federal. Mostra-se que temos um problema grave de falta de vacina”, destacou.
Pesquisadores do grupo ModCovid19 fizeram um estudo com dados do Governo Federal, devidamente corrigidos, e considerando o ritmo de vacinação dos últimos 30 dias para projetar quando a imunização será finalizada no país.
O resultado do levantamento é que, no atual ritmo de aplicação, com uma média de 294,8 mil primeiras doses e 248,6 mil segundas doses sendo administradas diariamente, o Brasil só irá concluir a vacinação em 610,3 dias, ou seja, daqui a cerca de 1 ano e 8 meses.
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