A busca e apreensão ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no endereço do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, o bolsonarista Anderson Torres, revelou a existência de uma minuta de decreto que, se fosse assinado, significaria uma interferência no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para fraudar o resultado da eleição presidencial do ano passado. É a peça mais grave de um mosaico que mostra a articulação de autoridades em torno de um golpe de Estado no Brasil.
O documento foi encontrado na terça-feira (10) pelos policiais federais num armário da casa de Anderson Torres, num condomínio a poucos minutos da Praça dos Três Poderes. Além da busca e apreensão, o ex-ministro tem à sua espera um mandado de prisão expedido por Alexandre de Moraes. Caso não se apresente à Justiça brasileira até o início da próxima semana, deverá ser alvo de um pedido de extradição, afirmou nessa sexta (13) o ministro da Justiça, Flávio Dino.
Anderson Torres viajou para os Estados Unidos há quase uma semana, deixando vago seu cargo de secretário de Segurança Pública exatamente no domingo, dia 8, quando hordas de terroristas apoiadores de Bolsonaro invadiram e destruíram os palácios do Congresso, do STF e do Planalto.
Ainda na Flórida, onde também está seu ex-chefe Bolsonaro, Torres tentou se explicar por uma rede social. Mas se complicou ainda mais. Afirmou que o governo recebe muitas propostas que não são implementadas e que a minuta, assim como outros desses documentos, seria mais tarde triturada. Admitiu, assim, que, ao saber de um plano de golpe de Estado, em vez de denunciar, decidiu destruir a prova.
O plano golpista registrado na minuta era instaurar Estado de Defesa no TSE. A partir daí, seria nomeada uma Comissão de Regularidade Eleitoral, composta por 17 membros. Para não deixar dúvidas sobre sua real intenção, 8 dos integrantes seriam do Ministério da Defesa, além de outros nomes do Executivo, Legislativo e Ministério Público. Ao final, Bolsonaro poderia se autodeclarar vencedor da eleição.
“Esse documento só comprova que o que eles estavam preparando era a tentativa de não deixar o presidente Lula tomar posse. Com o levantamento do sigilo absurdo que o ex-presidente colocou sobre gastos indevidos com restaurante e hotéis, como já estão aparecendo, acredito que ainda vão encontrar muita coisa além desse documento”, avalia o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado.
O Estado de Defesa é previsto na Constituição, mas para situações extremas em que é necessário restabelecer a ordem pública e a paz social. Como quando há calamidades naturais de grandes proporções, por exemplo. E, assim mesmo, deve ser aprovado imediatamente pelo Congresso por maioria absoluta. Especialistas ouvidos desde a quinta-feira (12), após comprovada a existência da minuta, foram unânimes em traduzir o documento como um plano inconstitucional, uma tentativa de golpe, um crime.
Sem anistia
Anderson Torres é figura chave nos episódios que culminaram com a destruição do patrimônio público e a tentativa de golpe. Quando o centro de Brasília ardeu com ônibus e carros incendiados e vândalos arrastando o medo pelas ruas, no dia 12 de dezembro, data da diplomação do presidente Lula no TSE, o então ministro de Bolsonaro foi flagrado jantando num restaurante em Brasília. Naquele momento, a sede da Polícia Federal (PF), sob sua jurisdição, sofria tentativa de invasão, mas Anderson Torres sequer interrompeu o convescote com amigos.
No domingo (8), quando poderia conter os terroristas que avançavam para a Esplanada, a polícia que ele controla fez a escolta da turba e assistiu ao quebra-quebra do Congresso. Sua postura foi decisiva para a intervenção federal nessa área do governo local, determinada por Lula ainda na noite de domingo, e para a decisão do STF de afastar por 90 dias o governador Ibaneis Rocha. Em depoimento à PF nessa sexta, Ibaneis jogou a culpa em Anderson Torres e nos gestores da Segurança Pública. Por decisão de Alexandre de Moraes, o governador afastado e o ex-ministro vão responder a inquérito pelos atos terroristas.
Com sua vasta experiência como delegado da Polícia Civil, Fabiano Contarato (PT-ES) avalia que a “minuta do golpe” guardada pelo ex-ministro “é mais uma prova cabal de como o crime e a tara por ditadura estavam entranhados nos intestinos do bolsonarismo”. Ele defendeu cadeia para Anderson Torres, rechaçou qualquer tentativa de anistia aos golpistas e constatou um elo que coloca Bolsonaro na cena do crime. Em entrevista à revista Carta Capital, o senador enfatizou que o ex-presidente pode ser enquadrado na Teoria do Domínio do Fato.
“Exemplo disso foi a postagem recente de uma alusão a fraude nas urnas em suas mídias, apagada minutos depois, justamente às vésperas de uma convocação de atos golpistas”, analisou o senador, lembrando que os atos de violência são desdobramentos causais da incitação velada de Bolsonaro.