A CPI da Covid ouviu nesta quarta-feira (1º/9), um dia após o programado, o motoboy da VTCLog Ivanildo Gonçalves da Silva. O funcionário da empresa de logística que presta serviço ao Ministério da Saúde obteve um habeas corpus, usado ontem e dispensado hoje, que o liberava de comparecer à CPI. Apesar disso, o motoboy não prestou o compromisso de falar a verdade.
Ivanildo se tornou peça-chave das investigações após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificar uma movimentação atípica da VTCLog no valor de R$ 117 milhões nos últimos dois anos. Desse total, o motoboy foi responsável por operações de R$ 4,7 milhões, quase 5% do montante.
Durante o depoimento, Ivanildo confirmou aos senadores que realizava saques volumosos de recursos na “boca do caixa” geralmente na agência da Caixa Econômica Federal do Aeroporto de Brasília para, na sequência, pagar boletos dentro da própria agência a pedido de Zenaide Sá Reis, também funcionária da VTCLog.
O motoboy chegou a sacar, numa única oportunidade, mais de R$ 400 mil por orientação da área financeira da empresa. Questionado se esse recurso era entregue para outras pessoas, Ivanildo afirmou que fazia apenas o pagamento de boletos. O valor restante era devolvido para Zenaide e o motoboy alegou não saber qual seria o destino final dos recursos.
Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), é fundamental que a CPI aprofunde a investigação sobre a tentativa da VTCLog de esconder o caminho do dinheiro. Ao usar o motoboy para fazer saques e pagar boletos, a empresa não registra os beneficiados pelas operações.
“Ela [Zenaide] podia fazer uma transferência eletrônica, pegar o dinheiro e fazer o pagamento diretamente. Mas preferia que o senhor fosse no banco, corresse o risco de ser assaltado para poder fazer o pagamento dos boletos. O que ela não queria era saber quem foi que recebeu aquele benefício”, disse. “Ele pode ter pagado cartão de crédito de político, de funcionário do Ministério da Saúde. E ele não tem culpa. Nós temos que fazer esse percurso para saber quem foi beneficiado por esses pagamentos e qual o papel de dona Zenaide”, completou Humberto.
Durante a oitiva, os parlamentares aprovaram quebra dos sigilos telefônico, telemático, bancário e fiscal de Ivanildo Gonçalves da Silva. O motoboy se recusou a ceder voluntariamente o celular pessoal para que a CPI pudesse acessar os dados relacionados à investigação.
Visita ao Ministério da Saúde
Ivanildo Gonçalves contou ainda que levou um pen drive ao quarto andar do Ministério da Saúde, onde fica a Diretoria de Logística, mas não soube precisar a data específica e quem recebeu. No dia anterior, os senadores apresentaram imagens que comprovam que o motoboy realizou pagamentos de ao menos quatro boletos em benefício de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do ministério.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), questionou se o volume de transações permaneceu o mesmo nos últimos meses. Ivanildo informou que o ritmo de trabalho diminuiu nos últimos três meses. Aziz então observou que os pagamentos de boletos por parte de Ivanildo diminuíram justamente durante as investigações da CPI.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) também questionou se Ivanildo recebia seu pagamento por meio eletrônico ou por dinheiro em espécie. O motoboy afirmou que seu salário, de aproximadamente R$ 1,7 mil, é pago por transferência bancária para uma conta salário.
“Certamente, os recursos retirados em espécie seriam utilizados para fins que não são justos, corretos, republicanos. É a situação do pagamento de propina a agentes que facilitavam a VTCLog a ter os contratos generosos que tinham no Ministério da Saúde”, conclui Otto Alencar.
“Essa é a empresa responsável por armazenar e distribuir as vacinas no Brasil. Veja nas mãos de quem nós estamos. Uma empresa como essa deveria dizer por que age assim, de quem são as contas que ela paga, quem são as pessoas beneficiadas por isso. Por que as a empresa não trabalha unicamente com transações financeiras eletrônicas?”, questionou o senador Humberto Costa.
Tráfico de influência
A VTCLog, responsável por armazenar e distribuir as vacinas contra Covid-19 adquiridas pelo governo brasileiro, possuía um contrato com o Ministério da Saúde, desde 2019, com previsão de pagamentos de R$ 485 milhões até 2023. No entanto, em fevereiro, o valor subiu quase 20%, para R$ 573 milhões.
Enquanto técnicos da pasta defendiam uma remuneração de R$ 1 milhão, a empresa afirmava que o contrato garantia o pagamento de R$ 57 milhões. Com a intervenção do então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, ficou acertado o pagamento de R$ 18 milhões, 1.800% maior do que recomendavam os técnicos do ministério.
“Se não bastasse o surgimento misterioso da empresa, substituindo um setor do Ministério da Saúde, o dono da VTCLog, o Carlos Alberto de Sá, se valia do tráfico de influência para conseguir o tal reajuste. O dono da empresa foi pedir ajuda para Flávio Loureiro, que é amigo de Arthur Lira, Ciro Nogueira e de Flávio Bolsonaro. Mas ele não conseguiu resolver o problema do contrato. Então, Sá foi buscar outro poderoso: o Flavio de Souza, que tem fácil acesso ao PP, sofreu uma traição e exigiu a assinatura ilegal do aditivo da VTCLog”, relatou o senador Rogério Carvalho (PT-SE). “Um contrato irregular com dinheiro público foi assinado pelo Roberto Dias para abafar um escândalo de ordem particular de algum poderoso. O governo que diz combater a corrupção, na verdade, a coloca debaixo do tapete, tenta esconder tudo que pode lhe incriminar”, completou.
Novos investigados
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), anunciou no início da sessão a inclusão de mais nove pessoas na lista de investigados pela comissão. São elas:
– Onyx Lorenzoni, ministro do Trabalho;
– Osmar Terra (MDB-RS), deputado federal;
– Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil;
– Emanuela Medrades, diretora da Precisa Medicamentos; ]
– Helcio Bruno de Almeida, coronel;
– Luciano Hang, empresário;
– Luiz Dominghetti, policial que se apresenta como representante da Davati;
– Marcelo Bento Pires, coronel e
– Regina Célia, fiscal dos contratos da Precisa no Ministério da Saúde.