Em reunião nesta sexta (14) com a bancada do Partido dos Trabalhadores no Senado, representantes de movimentos sociais apontaram potenciais riscos à cidadania embutidos na proposta que substitui a Lei de Segurança Nacional (LSN) pela Lei do Estado Democrático de Direito. O projeto (PL 6.764/02) foi aprovado pela Câmara em 4 de maio e agora será analisado pelo Senado.
Para os participantes, a nova legislação ainda está longe de ser ideal, mas já representa um avanço em relação à LSN, que remonta à ditadura militar e é considerada um entulho autoritário do regime que assombrou o país entre 1964 e 1985. No entanto, há o temor de que alguns artigos do texto possam servir para ações de perseguição aos movimentos sociais. A legislação voltou a ser usada pelo governo Bolsonaro para criminalizar movimentos sociais e opositores dos desmandos da administração federal, como o youtuber Felipe Neto e o colunista Hélio Schwartsman, entre outros.
O texto aprovado especifica como crimes contra a cidadania a proibição de impedir, com violência ou ameaça grave, o exercício pacífico e livre de manifestação de partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, órgãos de classe ou demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos. O projeto de lei 6.764/02 está apensado ao PL 3.864/2020, de autoria dos deputado federais João Daniel (PT-SE), Paulo Teixeira (PT-SP) e Patrus Ananias (PT-MG).
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), é importante avaliar se há espaço para melhorias no texto e evitar retrocessos em relação ao que já foi conquistado. “Vivemos um momento de grandes ataques à democracia e a instituições, ataques graves de conteúdo nazifascista. É preciso construir um texto que se aproxime ao máximo daquilo que a gente quer, mas levando-se em consideração que estamos disputando com um grupo que defende eliminar adversários, prender e arrebentar quem diverge dele”, afirmou.
Ele considera fundamental, também, pensar na lei com olhos não apenas no presente, mas também no futuro. “Precisamos aprovar um texto não só para este momento, mas para a vida inteira”, disse. “É preciso ralar o cérebro nas paredes do crânio para encontrar a equação mais precisa possível, porque a situação não é de normalidade. Estamos vivendo um Estado de exceção”, resumiu.
Na opinião da advogada Carol Proner, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, “é possível afirmar que o projeto avançou e se livrou das chaves mais evidentes” presentes na LSN. Ela ressalta, porém, que é importante fazer a leitura do contexto no Senado para identificar “se há espaço para melhorar ou se há risco de retrocesso”.
“Às vezes dá a sensação de estarmos dialogando e acatando um instrumento que poderá servir ao algoz em um ambiente de exceção. A experiência tem demonstrado que os movimentos de repressão têm sido criativos em amparar suas ações em lei, e por isso a participação dos movimentos democráticos é importante na disputa política, na interpretação da lei”, afirmou.
Na mesma linha, o advogado Fernando Hideo considera o projeto aprovado na Câmara “um bom primeiro passo, não ótimo, mas o possível”. Para ele, é importante conter questões relevantes ainda presentes no texto, como a presença de arma de fogo como agravante de crimes contra a cidadania. “Ou deveria estar no caput do artigo ou ser retirado”, alertou. No entanto, Hideo defende uma linha pragmática: “Se não for possível acrescentar, talvez seja melhor excluir dispositivos, porque às vezes quando se reabre a discussão, não se sabe o que pode surgir”.
Comunicação
Representantes de movimentos sociais criticaram a velocidade que a votação do projeto ganhou na Câmara, impedindo um debate mais aprofundado do texto. Eles pediram mais tempo para discutir ponto a ponto as alterações propostas. Ganhou destaque na reunião o item referente à atividade jornalística, incluído no projeto em discussão.
Bia Barbosa, da organização Repórter sem Fronteiras, chamou atenção para o tipo penal “comunicação enganosa em massa”, que permanece na proposta em análise no Senado. “Nossa posição é pela supressão total desse tipo penal por considerar que o lugar para discutir esse tema é o PL 2630 (projeto das fake news), que trata do enfrentamento da desinformação pelas plataformas digitais, já aprovado no Senado e que está na Câmara”, afirmou.
Segundo ela, por mais que a redação final tenha deixado o tipo penal restrito a questões eleitorais, “é bastante difícil comprovar o crime, além de não haver a definição no projeto de comunicação em massa ou de comunicação enganosa”. Fizeram coro a Bia os representantes da Artigo 19, Thiago Firbida, e do Instituto Vladimir Herzog, Lucas Vilalta.