Durante coletiva para anunciar prisão do “italiano”, delegado informa que PF errouNo dia 22 de fevereiro deste ano, a Polícia Federal anunciava, com o estardalhaço de sempre, a 23ª Fase da Lava-Jato. Era a Acarajé, que levou para a cadeia o publicitário baiano João Santana, marqueteiro das campanhas de Lula e Dilma. Investigadores diziam ter provas de que o ex-presidente da empreiteira, Marcelo Odebrecht, controlava pagamentos feitos no exterior para diversas pessoas. Entre os favorecidos, além de Santana, o ex-ministro José Dirceu, que estaria identificado pelas iniciais JD.
Sete meses depois, nessa segunda-feira (26), o delegado Filipe Hille Pace, da Polícia Federal informou, no meio de uma coletiva para detalhar a 35ª fase – que levou para a prisão o também ex-ministro Antônio Palocci – que tudo não passou de um engano. JD não é José Dirceu e, sim, Jucelino Dourado, que foi chefe de gabinete de Palocci.
Assim, sem pedido de desculpas, a PF admite que errou. A grande mídia trata o assunto como mais uma banalidade. Nenhum dos repórteres presentes se dignou a fazer perguntas e a cobertura saiu apenas em jornais considerados menores. Um exemplo é o Paranaportal, blog hospedado – e escondido – no líder de audiência UOL, que publicou matéria bem apurada: http://paranaportal.uol.com.br/operacao-lava-jato/pf-errou-jd-nao-era-jose-dirceu-na-planilha-da-odebrecht/.
Sem provas, mas com toda a convicção que lhe é característica, a PF simplesmente diz que “se enganou”. Que o JD citado como beneficiário de R$ 48 milhões em propina na planilha da Odebrecht que motivou a prisão de Santana não era José Dirceu. Na época, a imprensa não acreditou nas argumentações do advogado de Dirceu, Roberto Podval, que se cansou de dizer que a associação feita então pela PF não tinha o menor cabimento. Tudo o que foi recebido pela JD Consultoria foi escriturado. Como alguém vai receber essa quantia sem que isso apareça na contabilidade?”, questionou.
Dirceu está preso há mais de um ano. A prisão foi determinada na 17ª fase da Lava Jato. Condenado a 20 anos e dez meses de prisão por crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, ele cumpre pena no Complexo Médico Penal em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.
A pena, originalmente, era de 23 anos e três meses de prisão. Porém, em junho, o juiz Sérgio Moro aceitou o pedido da defesa e reduziu a pena do ex-ministro em dois anos e cinco meses. No despacho, o magistrado considerou como atenuante a idade de Dirceu, que está com 70 anos.
Só um equívoco
Ao anunciar o “equívoco” na associação da sigla JD a José Dirceu, o delegado Filipe Pace não fez nenhuma menção sobre correção da condenação do ex-ministro. Não há uma única certeza sobre se, reconhecido o engano, o juiz-xerife Sérgio Moro vai rever a famosa “dosimetria” da pena aplicada ao ex-ministro. O delegado que anunciou o erro limitou-se às poucas palavras que podem ser conferidas no vídeo: http://paranaportal.uol.com.br/padrao/pf-afirma-que-jd-e-jucelino-antonio-dourado/
“Durante a investigação da 23ª fase, considerou-se até pelo que a gente sabia até então, que JD poderia fazer referência a José Dirceu. Mas, como o aprofundamento das investigações e, repito, com novas análises do material da 14ª fase, evidenciou-se que JD faz referência a Jucelino Antônio Dourado, que já foi chefe de gabinete de Antônio Palocci Filho”, diz.
Segundo o delegado, o erro foi descobrerto depois que os investigadores cruzaram os dados da planilha com anotações da agenda do presidente da Odebrecht e descobriram um número de telefone ao lado das iniciais JD. O telefone é de Jucelino Dourado.
Italiano
Agora, os investigadores estão convictos de que JD é Jucelino Dourado. Como estão também certos de que o “italiano” citado nas planilhas é Antonio Palocci (como se fosse ele o único descendente de italianos do Brasil).
Acusado de receber propina para trabalhar pela Odebrecht junto ao governo e ao Congresso Nacional, Palocci também foi preso sem provas e deve permanecer na prisão “enquanto não houver essa identificação”, conforme informou o juiz Sergio Moro.
De acordo com o juiz, as investigações da operação “lava jato” apresentaram provas de que R$ 128 milhões foram pagos a Palocci para favorecer a construtora no governo. Entretanto, ainda não há provas do recebimento desse dinheiro, e nem a conta em que essa quantia foi depositada.
Moro justifica dizendo que isso é indício de que Palocci usa de um “modus operandi” já visto em outras ocasiões, de usar “contas secretas no exterior ainda não identificadas ou bloqueadas”. E, enquanto essas contas não forem encontradas, “há um risco de dissipação do produto do crime”.
Ao justificar a prisão, o xerife explica que deixar Palocci solto traria “risco à ordem pública”, já que “o contexto não é de envolvimento episódico em crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, mas do recebimento sistemático de propinas, remontando a relação entre o Grupo Odebrecht e Antônio Palocci Filho a pelo menos 2006 e estendendo-se por anos”.
Precedente
Vale lembrar que a associação equivocada e apressada da sigla JD como José Dirceu está longe de ser a primeira lambança cometida pelos meninos de Curitiba.
Empenhados em criminalizar o PT e seus representantes-máximos, eles adotam comportamentos que podem ser classificados, no mínimo, como questionáveis. Assim foi a prisão do ex-ministro Guido Mantega no Hospital Albert Einstein, onde acompanhava a esposa com câncer.
E também com o anúncio da denúncia contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva num episódio recheado de trapalhadas e power points toscos.
Uma entrevista publicada na semana passada na edição brasileira de El País mostra como essa exposição exagerada e a euforia condenatória dos procuradores de Curitiba pode ser perigosa. O entrevistado é o cientista político Rogério Arantes, da Universidade de São Paulo (USP), que se especializou em estudar o sistema judiciário brasileiro e as atuações do Ministério Público e da Polícia Federal. Ele aponta para os riscos que pode haver nas boas intenções das investigações que visam coibir a corrupção no país se os atores dessas investigações começam a extrapolar de seus poderes, deslumbrados pelos holofotes, dando um caráter de espetacularização às suas ações.
Ou, mais perigoso ainda, se eventualmente deixarem que suas ações resvalem para o campo da luta política. Exatamente como estamos vendo. Não há provas de que seja isso o que está acontecendo neste exato momento. Mas há quem tenha a firme convicção.
Giselle Chassot, com informações do Paraná Portal, do El País e do Consultor Jurídico
Leia a íntegra das matérias citadas:
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PF errou: ‘JD’ na planilha da Odebrecht não era José Dirceu
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