Cumprindo promessa de campanha do presidente Lula, o governo encaminhou para o Congresso Nacional nessa segunda-feira (5/3) proposta para regulamentar a atuação e garantir proteção social para aproximadamente 778 mil motoristas no Brasil que atuam por meio de plataformas digitais e aplicativos.
Antes mesmo de o anúncio ser formalizado, as redes sociais foram inundadas por fake news embaladas pela estrutura de desinformação da extrema direita, com ação direta do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entre as mentiras bolsonaristas, duas das repetidas incansavelmente são: 1. Que a iniciativa significará o “fim da Uber”, a retirada das empresas do país e a perda de milhares de empregos; e 2. Que é uma ideia descartada no mundo, prevista só no Brasil. A realidade: as próprias empresas defendem o texto, feito em acordo com o governo federal e os trabalhadores, e o mundo está repleto de exemplos de países que já encararam o desafio de regulamentar a atividade – sem que isso tenha significado o fim de uma empresa sequer ou perda de empregos.
O texto do Projeto de Lei Complementar (PLP 12/2024) prevê a criação de mecanismos previdenciários e a melhoria das condições de trabalho a partir de quatro eixos: segurança e saúde, remuneração, previdência e transparência.
Empresas aprovam projeto
Apesar da gritaria da extrema direita nas redes sociais de que a proposta de regulamentação fará com que as grandes plataformas abandonem o país, as próprias plataformas elogiaram a solução oferecida pelo governo Lula para debate no Congresso Nacional.
“O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda”, disse a plataforma Uber, em nota.
Diversos países têm debatido soluções para a regulação do trabalho por aplicativos. A discussão é inescapável, e já é um caminho adotado por diversas nações para garantir mais direitos aos trabalhadores dessas empresas.
No Reino Unido, férias e salário mínimo
Enquanto no Brasil a regulamentação deve ser feita pela via legislativa, no Reino Unido coube à Suprema Corte definir os parâmetros da relação entre trabalhadores e empresas. Em 2021, os motoristas foram classificados em uma categoria intermediária entre empregados e autônomos. A decisão garantiu a esses trabalhadores direitos “tradicionais”, como salário mínimo, férias e aposentadoria.
Segundo reportagem da BBC Brasil, o principal motivo para a corte tomar essa decisão foi a subordinação que os aplicativos exercem sobre os motoristas.
Chile, Espanha, Uruguai: ênfase na proteção social
Chile, Uruguai e Espanha adotaram caminho parecido ao Brasil para criar leis específicas destinadas a regular o trabalho por aplicativos. No caso da Espanha, foi aprovada uma lei, em 2021, que exige de empresas de entrega de comida, como a Glovo e a Deliveroo, que classifiquem seus trabalhadores como funcionários, garantindo-lhes direitos trabalhistas. O país obrigou as empresas a contratarem entregadores como empregados, garantindo a eles direitos como jornada de trabalho regulada, descanso, férias remuneradas, licença-maternidade e proteção social.
Em 2022, o Chile aprovou lei para regular as novas formas de trabalho trazidas pelo uso de plataformas digitais. Um dos pontos centrais da reforma chilena é que o trabalhador de aplicativo pode ser considerado como dependente ou autônomo em relação às plataformas digitais, dependendo de condições do código de trabalho chileno. Entre as normas estabelecidas no Chile, estão a exigência de arrecadação tributária e acesso à proteção social.
Também em 2022, o governo uruguaio apresentou ao Congresso projeto de lei para regular o trabalho em plataformas digitais de entrega de mercadorias e transporte de passageiros. A proposta prevê o acesso aos benefícios da seguridade social por meio de contribuição através de um sistema (chamado monotributo) mais barato e menos burocrático que as outras formas de recolhimento.
França: seguros individuais para proteção contra acidentes e doenças
Na França, em 2016, a Lei El Khomri determinou que as empresas oferecessem seguros individuais contra acidentes de trabalho e doenças aos trabalhadores de aplicativos.
Em 2019, outra lei estabeleceu que esses trabalhadores podem se recusar a prestar um serviço sem sofrer sanções das plataformas – isso significa que essas decisões dos trabalhadores não podem mais ser usadas pelas plataformas para sancioná-los e para rescindir uma relação contratual.
Itália, Alemanha, Holanda: direitos básicos
A Itália também introduziu, em 2021, regulamentações para proteger os direitos dos trabalhadores de plataformas digitais como Uber Eats e Just Eat. Em alguns casos, como empregados registrados.
A Alemanha também tem adotado medidas para regular as condições de trabalho dos entregadores de plataformas de entrega de comida. Regulamentações específicas foram introduzidas para garantir direitos trabalhistas básicos para esses trabalhadores.
A Holanda também tem implementado regulamentações para proteger os direitos dos trabalhadores de plataformas digitais, incluindo aqueles que trabalham para empresas de entrega de comida.
O que não faltam são exemplos internacionais para mostrar que a extrema direita mente ao afirmar que a regulamentação colocará fim ao trabalho por meio de aplicativos digitais no Brasil.
Tramitação
O projeto assinado pelo presidente Lula, que agora será apreciado pelo Congresso Nacional, é resultado de acordo no Grupo de Trabalho Tripartite, criado em maio de 2023 e coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com representantes dos trabalhadores, empresas e Governo Federal. O processo teve acompanhamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT).
O objetivo é garantir aos motoristas de aplicativos um pacote de direitos trabalhistas e previdenciários, sem que haja interferência na autonomia que eles têm para escolher horários e jornadas de trabalho.
Entre os principais pontos do PL estão a criação de uma remuneração mínima por hora trabalhada aos motoristas e a fixação de uma jornada máxima de 12 horas diárias numa mesma plataforma.
A remuneração mínima é proporcional ao salário mínimo. Foi fixada em R$ 32,10 por hora trabalhada. No valor, estão R$ 8,03 de retribuição pelos serviços prestados e R$ 24,07 de ressarcimento pelos custos do trabalhador na prestação do serviço. Os valores serão reajustados mediante a valorização do salário-mínimo.
“Finalmente vamos tratar de algo concreto para uma das categorias mais desassistidas do país. É preciso urgentemente garantir direitos a profissionais que, muitas vezes, acabam se sujeitando a rotinas exaustivas e desumanas de trabalho”, disse Beto Faro (PA), líder do PT no Senado.
Em julho do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu um processo em trâmite na Justiça do Trabalho que reconhecia o vínculo de emprego de um motorista com uma plataforma. Em uma análise preliminar, o ministro considerou que a decisão destoava da jurisprudência do STF no sentido da permissão constitucional de formas alternativas à relação de emprego, firmada em julgamentos anteriores.
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