O governo Bolsonaro desinformou a população e expôs os brasileiros ao risco diante da pandemia de Covid-19. A afirmação foi defendida de forma unânime nesta sexta (11) na CPI da Covid pela microbiologista Natalia Pasternak e pelo médico sanitarista Claudio Maierovitch.
Para ambos, a aposta na tese da imunidade de rebanho por contágio, a oferta de medicamentos comprovadamente ineficazes e o incentivo para que as pessoas voltassem às rotinas pré-pandemia confundiram a população e, sem dúvida, contribuíram para o cenário desolador que se aproxima dos 500 mil mortos.
Natalia apresentou uma série de estudos científicos nacionais e internacionais feitos em diferentes etapas e que, segundo ela, comprovaram a ineficácia da cloroquina no combate ao vírus causador da Covid-19.
“O caminho pelo qual a cloroquina bloqueia a entrada do vírus na célula só funciona in vitro, em tubo de ensaio. Nas células do trato respiratório o caminho é outro. Ela nunca poderia ter funcionado”, explicou.
A microbiologista destacou que o medicamento também foi testado no tratamento de outras doenças virais, como Zika, Dengue, Chicungunha, Aids, Sars, Ebola. Mas em nenhum deles a cloroquina se mostrou eficaz, assim como não se mostrou eficaz contra a Covid-19.
“Estamos pelo menos seis meses atrasados em relação ao resto do mundo. Isso é negacionismo. Não é falta de informação. Negar a ciência e usar esse negacionismo em políticas públicas não é falta de informação, é uma mentira. E no caso triste do Brasil é uma mentira orquestrada pelo Governo Federal e pelo Ministério da Saúde. E essa mentira mata”, disse. “O negacionismo da ciência perpetuado pelo próprio governo, mata”, emendou.
A disseminação, por parte do governo Bolsonaro, da informação de que os medicamentos do tratamento precoce protegeriam a população da Covid-19, na avaliação de Natalia, criou uma falsa sensação de segurança nas pessoas e levou os brasileiros ao que ela classificou como “comportamento de risco”.
“Afinal, se eu tomar um remédio e eu não vou evoluir para uma forma grave [da doença] e não vai acontecer nada, por que não posso sair? Por que não posso abraçar meus pais idosos? Por que tenho que usar máscara? Isso confunde a população quanto à gravidade da doença que estamos enfrentando e a necessidade das medidas preventivas”, disse. “As pessoas deixam de se tratar de maneira adequada por acreditarem num tratamento milagroso. Nessa pandemia não temos como mensurar quantas pessoas morreram de desinformação porque não se protegeram adequadamente e acreditaram que existia uma cura fácil e milagrosa”, concluiu.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) destacou o governo Bolsonaro, na sua tentativa de controlar a pandemia por meio da tese de imunidade de rebanho, adotou como única medida de controle sanitário a oferta de cloroquina para a população. Isso, segundo ele, acabou induzindo os brasileiros à falsa sensação de segurança.
“O governo fez de tudo para expandir a pandemia. A ação do governo é uma ação dolosa. O governo adotou como medida de controle sanitário a cloroquina. [Essa foi] a única medida de controle sanitário. Isso é de uma gravidade, de uma irresponsabilidade com a vida, com as famílias… E isso precisa ter um responsável. Porque o governo agiu deliberadamente para expor as pessoas ao contágio, e continua”, disse o senador.
Mesmo com o Brasil tendo, hoje, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, 482.135 óbitos e números de mortes diárias que quase sempre superam 2 mil casos, Rogério Carvalho destaca que o governo Bolsonaro não possui nenhuma estratégia concreta para diminuir a incidência dos casos no país.
“A base de contaminados está no país inteiro e não tem nada sendo feito para diminuir o contágio. Uma campanha de vacinação que se arrasta, não temos nem 12% da população vacinada. É certo que teremos outro pico de mortes. Não temos controle de nada. Apenas do uso de máscara. Não por conta do governo, mas por conta da opinião pública que tomou para si algumas responsabilidades. Não fosse a imprensa, o Congresso Nacional e o STF para resistir a uma política nefasta, macabra, criminosa, estaríamos com mais de dois milhões de mortos”, enfatizou o senador.
Na trilha do dinheiro
O senador Humberto Costa (PT-PE) destacou o fato de que, entre março do ano passado e março desse ano, terem sido vendidos 52 milhões de comprimidos do chamado ‘kit de tratamento precoce’ apenas nas farmácias privadas do Brasil. A venda da Azitromicina, segundo Humberto, cresceu 50% no mesmo período. Para ele, a CPI precisará se debruçar sobre essa linha de investigação para saber quem ganhou dinheiro incentivando as pessoas a se automedicarem com remédios comprovadamente ineficazes.
“Nós estávamos discutindo tanto essa questão do tratamento precoce, sua eficácia, que não estávamos levando em consideração uma outra questão. A utilização desses medicamentos não se trata apenas de um fetiche, uma concepção cientifica errada. Tem muita gente ganhando dinheiro com isso. E isso é preocupante. No caso da azitromicina tem um agravante: é um antibiótico, alguém passou essa receita para a pessoa tomar esse medicamento. E estamos vendo pessoas que, efetivamente, não precisavam tomar esse medicamento começando a criar resistência. Nós precisamos investigar isso. Tem muita gente que ganhou dinheiro com isso. É muito grave”, afirmou.
População tratada como gado
O médico sanitarista Claudio Maierovitch apresentou um estudo da Universidade Johns Hopkins, de 2019, que colocava o Brasil como o 22º país do mundo no Índice Global de Segurança em Saúde. O índice avaliava, à época, diferentes dimensões da preparação do país para responder a possíveis ameaças à saúde pública. Na época, os EUA ocupavam o 1º lugar e a China o 41º. No mesmo estudo, o Brasil era o 9º colocado no quesito “Resposta rápida ao alastramento de epidemias e mitigação”.
“No Brasil, nós tínhamos todo um sistema instalado. Planos de emergência e contingência específicos. Um Programa Nacional de Imunizações que vai completar 50 anos e tido como exemplar no mundo. No entanto, o que poderíamos ter tido desde o início? A presença do Estado. Antes de a epidemia entrar no Brasil, termos a detecção rápida, a testagem, o isolamento e o rastreamento de contatos. Tínhamos experiencia para fazer isso no SUS”, explicou.
A clara preferência do governo Bolsonaro pela tese da imunização de rebanho por contágio, em detrimento da compra de vacinas, também foi criticada por Claudio Maierovitch. “Rebanho se aplica a animais, e fomos tratados desta forma”.
“Assistimos estarrecidos ao desestímulo oficial [do governo] a que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas. Certamente o cenário teria sido muito diferente se houvesse uma política, não somente da compra de imunizantes, mas de articulações e acordos para a produção nacional. Certamente o Instituto Butantan poderia ter agido mais rápido”, explicou.
Além de não colaborar com as medidas de mitigação dos efeitos da pandemia, o médico lembrou que o governo Bolsonaro estimulou os brasileiros a retomarem as atividades econômicas e resistiu em pagar o auxílio emergencial.
“Não tivemos planejamento da resposta social e econômica. Criar formas de permitir às pessoas que adotassem as medidas de isolamento físico, particularmente, um auxílio emergencial substancial que fosse mantido. O Congresso Nacional aprovou um valor bastante superior ao proposto pelo governo inicialmente. De janeiro a abril não houve qualquer tipo de auxílio, ao contrário, houve o estímulo para que as pessoas voltassem às suas vidas normais”, disse. “Nós ficamos quatro meses sem auxílio nenhum por parte do governo e foram justamente os meses em que ocorreram os maiores índices de contágio da doença”, emendou o especialista.
Repúdio à manifestação de Bolsonaro
Logo no início da CPI, o senador Humberto Costa manifestou indignação ao pronunciamento feito por Bolsonaro nesta quinta (10) acerca de um estudo encomendado ao Ministério da Saúde para promover a liberação do uso de máscaras.
“Num contexto em que apenas 11% da população foi vacinada com duas, isso continua a demonstrar a indiferença do presidente com a população e a concepção que ele adotou desde o início da pandemia: permitir a maior transmissão possível entre as pessoas para que a pandemia se encerrasse o mais rapidamente. Uma concepção criminosa”, criticou.
O senador ainda pediu ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que não permita mais essa interferência danosa de Bolsonaro na pasta durante a pandemia. “Espero que o ministro tenha uma posição digna diante de mais essa tentativa do presidente de ampliar essa tragédia sanitária que vivemos”, concluiu.
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