Racismo ambiental

Negros estão entre os mais afetados por mudanças climáticas

Especialistas reunidos pela CDH e pela CMA defendem políticas de combate ao racismo ambiental

Senador Paulo Paim

Negros estão entre os mais afetados por mudanças climáticas

Foto: Agência Senado

O que mudança climática tem a ver com racismo? Aparentemente, são áreas distintas, que não dialogam entre si. Mas as conclusões da audiência pública conjunta realizada nesta segunda-feira (27) pelas comissões de Direitos Humanos (CDH) e de Meio Ambiente (CMA) do Senado podem fazer a leitora e o leitor mudarem de ideia.

A começar pelo depoimento da doutoranda em Bionenergia e educadora popular Thais Santos. Ela situou a distribuição geopolítica da sociedade, lembrando, por exemplo, quem mora nos morros, que podem desabar em razão das enchentes, e às margens de rodovias, expostas a volume desumano de poluentes. Sobre isso, aliás, Thaís provocou o público: “Setores industriais que lucram com a queima de combustível fóssil, em detrimento da saúde da população, recebem incentivos fiscais em vez de serem oneradas. E os moradores próximos, que sofrem com doenças, têm dificuldade de atendimento médico”. Ela também cobrou ações do Estado frente ao impacto das mudanças climáticas — com geadas, tempestades e secas — sobre a produção e o preço dos alimentos.

“Como é que governos que se dizem comprometidos permitem o desmonte de políticas públicas na regulação de preços dos alimentos? O que você vai deixar de comer hoje? Para poucos, com a diferença de preço de 3, 5, 15 reais, não vão deixar de comer nada. Para muitos, nada é o que vão comer. Trata-se de uma política de morte que condena uma população específica à fome. Essa população específica tem cor, e é preta. Tem território. São as periferias, ocupações, quilombos, favelas, que são assoladas sistematicamente por outras mazelas: a falta de saneamento básico, a insegurança hídrica, desmatamentos a serviço da monocultura e pecuária, ausência de titulação em territórios quilombolas, enfim. E, definitivamente, há uma ferramenta que estrutura nossa sociedade e que tenta descaracterizar os reais impactados pelas mudanças climáticas. Essa ferramenta social tem nome: racismo”, sustentou Thaís Santos.

O debate, uma iniciativa dos presidentes da CDH, Humberto Costa (PT-PE), e da CMA, Jaques Wagner (PT-BA), foi presidido por Paulo Paim (PT-RS), que deu números a uma das chagas lembradas por Thaís: o saneamento básico.

“Nada menos que 21,7 milhões de brasileiros não têm acesso a esgotamento nas 100 maiores cidades do país. E 5,5 milhões não têm água potável. Com a pandemia, luzes se acenderam sobre as enormes desigualdades que vivenciamos no Brasil”, alertou o senador.

A arquiteta e ambientalista Dulce Pereira, professora da Universidade Federal de Ouro Preto, traçou um histórico da dominação socioeconômica no país que, segundo ela, desenvolveu-se por meio da exploração. Segundo ela, o Brasil “aperfeiçoou o racismo”, e deu alguns exemplos, entre eles o da transferência de local da lama acumulada na região de Mariana desde a ruptura da barragem de Fundão, da Samarco, em 2015.

“A lama das áreas de população mais abastada foi levada para cima dos morros, que não tinham sido diretamente atingidos, e onde moram as pessoas negras. Foi colocada nos campos de futebol, utilizados pelas pessoas negras. O que aconteceu ali? Onde a lama foi jogada a gente tem um aumento da temperatura da superfície do solo, o que impacta na forma de vida. Isso mostra a contaminação perversa nesses territórios, contaminação do solo, da água, e o mesmo acontece em toda a região. Isso é um mapa do racismo ambiental”, denunciou Dulce, indicando um gráfico de calor que evidencia o aumento da temperatura local após o depósito de lama tóxica.

Denildo Rodrigues de Morais, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, reafirmou a importância de demarcar territórios quilombolas e indígenas e disse que, hoje, os povos tradicionais pagam um preço muito alto pela preservação ambiental.

“Quando o Cerrado queima, nosso povo também queima. É importante que a sociedade fique atenta. São nossos territórios que produzem vida, que produzem água. Os rios não nascem nos grandes centros”, salientou.

No caso da população quilombola, Paim registrou a aprovação recente de emenda apoiada pela bancada do PT que direciona recursos do Orçamento da União para a titulação dessas terras remanescentes.

“Recebemos um documento do Incra, do Rio Grande do Sul, apontando que nós tínhamos que regularizar 123 terras quilombolas no estado. Sabe quantas foram tituladas até hoje? Três. A gente sabe que não tem verba nenhuma. Como vão fazer se não tem verba nem para gasolina?”, justificou Paim sobre mais um dos desmontes promovidos pelo atual governo.

Representatividade

O geógrafo Diosmar Filho, da Associação Iyaleta de Pesquisa, Ciência e Humanidades, afirmou que estamos em plena emergência climática e condenou o retrocesso brasileiro nas políticas de combate aos efeitos das mudanças climáticas, que prejudica, sobretudo, a população negra. “As leis não estão sendo cumpridas. A gente precisa fazer legislação para a maioria da população. Nosso desafio é que essas duas comissões abram o debate na sociedade sobre a adaptação às mudanças climáticas e as mitigações. É preciso fazer justiça racial no país”, acrescentou.

Ao pontuar que cerca de 14 projetos de combate ao racismo foram aprovados nesta legislatura, Paim defendeu a eleição de mais representantes negros no Congresso. De negros comprometidos com o combate ao racismo e com pautas de justiça racial, acrescentou Dulce Pereira.

“O Brasil precisa de um grande programa de inclusão, de combate à fome, de segurança alimentar, de segurança dos territórios históricos e do território em geral, porque temos cidades degradadas”,– finalizou a convidada.

Para Jaques Wagner, a audiência foi importante para abrir espaço ao debate do racismo ambiental: “A obrigação nossa, no Senado, é dar voz ao nosso povo, muitas vezes oprimido e que não conta com lobby no Congresso para ser ouvido”.

To top