Audiência pública debateu a situação das populações potencialmente mais sujeitas às consequências de momentos de criseAs crises econômicas – quaisquer que sejam e de qualquer maneira que se apresentam – podem afetar as populações negras de forma mais aguda, já que os negros formam a maior parcela da população carente no Brasil . A opinião é de representantes de grupos e da população afrodescendente. Eles se reuniram nesta segunda-feira (8) na Comissão de Direitos Humanos (CDH), para avaliar as consequências das medidas de ajuste fiscal sobre a população negra. A ideia do debate foi apresentada ao presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), pelo diretor executivo de Educação para Afrodescendentes e Carentes da Educafro, Frei David Santos.
Os participantes reconheceram avanços, como o sistema de quotas, que garantiu a chegada dos negros às universidades e também começa a alterar a participação dessa população no serviço público, já que a reserva de vagas também chega aos concursos. Mas alertaram que os possíveis cortes que o Governo será obrigado a promover também afetarão Pastas e programas dedicados a esse grupo populacional, para assegurar o ajuste fiscal.
Representante da Universidade de Brasília, o professor de Sociologia Ivair Augusto Alves dos Santos localizou três problemas que fazem com que os negros – que compõem a parcela mais pobre da população brasileira – sejam mais afetadas em qualquer momento de dificuldade.
No atual momento, segundo o professor, a falta de recursos chega a afetar os programas de redução da desigualdade. Ivair dos Santos lembrou que, desde início do século, o único programa de inclusão de negros com desembolso de recursos era o que garantia bolsas de estudos para afrodescendentes carentes interessados na carreira diplomática. “Os custos para acessar o Itamaraty são muito altos, porque são necessários cursinhos preparatórios e de línguas e livros didáticos e tudo isso é muito caro”, afirmou, lembrando que havia orçamento para a concessão de bolsas de estudo para esses jovens, mas que agora não há mais recursos.
O segundo problema listado é a lentidão e a falta de dinheiro também para assegurar a titulação de terras quilombolas. E o terceiro, a forma como os cortes nos ministérios devem afetar a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
“Segundo as estimativas, devem restar apenas 50% do orçamento para o único órgão do governo dedica do a propor ações de redução das desigualdades”, lamentou.
Ivair dos Santos explicou que, pelo que se desenha, a maior discussão na sociedade brasileira em torno dos negros atualmente é a proposta de redução da maioridade penas. “Isso vai colocar ainda mais negros longe da sociedade e por mais tempo”, alertou, assegurando que sãos os jovens afrodescendentes os mais sujeitos a punições judiciais, porque são mais vulneráveis à ação de quadrilhas que aliciam novos membros seduzindo-os com a ilusão de ganhos fáceis com o crime.
O Frei David dos Santos mostrou dados do IBGE que mostram que os que se declaram negros, no Brasil, são mais de 57% da população. Segundo ele, a ascensão econômica brasileira depende da distribuição de renda e do crescimento do consumo dessas pessoas. “Cortar as verbas da inclusão não é a solução”, resumiu.
David dos Santos mostrou que apenas 14% da renda no Brasil estão em mãos de negros. Mais de 80% ficam com os brancos e também são os negros os mais afetados pela incidência de impostos.
A jornalista Luciana Barreto, âncora da TV Brasil, lembrou suas dificuldades para chegar à universidade antes do sistema de quotas. E disse que, na última década, houve muitos avanços para a comunidade afrodescendente na última década, quando, segundo ela, essa parcela da população conseguiu avançar e conquistar direitos. Mas disse também que se preocupa com a realidade econômica do momento. “Será que seremos nós, os negros e os mais pobres os mais atingidos?”, questionou.
Giselle Chassot
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