Na véspera do Dia Internacional dos Povos Indígenas, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu a situação dos povos indígenas pelo País em meio ao processo de ampliação dos retrocessos das políticas públicas. O principal temor dos povos indígenas no momento são os três processos que deverão ir a julgamento no próximo dia 16 no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo o tema da demarcação de terras de povos originários. A audiência foi presidida pela senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da CDH.
A tese aventada pelo governo baseada em parecer da Advocacia Geral da União (AGU) e defendida por ruralistas prevê que os indígenas e quilombolas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, quando foi criada a Constituição Federal. Não havendo essa comprovação, os índios perderiam o direito ao uso da terra. “Esse argumento é insustentável e falho na sua base. Não podemos falar em marco temporal de 88. O próprio STF reconhece que marco constitucional inicial é o da Constituição de 1934. Nos últimos 70 anos, o STF diz que a terra é pública. Se é pública não pode ter uso capião, é imprescritível, inalienável e inamovível. Não pode tirar o índio de lá”, explicou o subprocurador-Geral da República, Luciano Mariz Maia.
Ele ainda explicou que o governo tenta fazer prevalecer um entendimento jurídico minoritário, excepcional, para convencer o STF a adotar a tese do marco temporal. Assim, os índios seriam prejudicados com a impossibilidade de haverem novas demarcações de terras. “A AGU pretende fazer crer que o STF já resolveu que as terras que estão com os índios serão dos índios e aquelas que ainda não estão demarcadas não poderão ser porque é preciso assegurar que eles estivessem ali no dia 5 de outubro de 1988. Esse é o argumento do marco temporal. Os índios sabem que não podem esperar nada desse governo. Por isso, esperam da Justiça. E o STF haverá de dizer mais uma vez, na próxima semana, que a terra é dos índios, os índios são da terra e isso é um bem e um orgulho para o Brasil”, enfatizou Luciano Mariz Maia.
As Ações Civis Originárias (ACOs) que serão analisadas pelo STF, no dia 16, são relacionadas a três locais: o Parque Indígena do Xingu (MT), as terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e a Terra Indígena Ventarra (RS). Os dois primeiros casos são semelhantes, ações movidas pelo estado do Mato Grosso contra a União, por supostamente demarcar terras em propriedades privadas. O estado pede uma indenização. Já no caso do Rio Grande do Sul, trata-se de uma ação da Fundação Nacional do Índio (Funai) que pede a nulidade dos títulos de propriedade expedidos pelo estado na década de 1950, a favor de proprietários particulares.
Apesar de o Brasil possuir um extenso rol de direitos assegurados aos povos indígenas, essas garantias não estão sendo cumpridas, de acordo com o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Eliseu Lopes. Por conta disso, diz Eliseu, “estamos sofrendo verdadeiros massacres, voltando para a ditadura com essa pauta do marco temporal que será julgado pelo STF. Isso é muito preocupante. Se for legalizado esse marco temporal, vai ser aprovado um verdadeiro derramamento de sangue”. Lia Zanotta, presidenta da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) lamentou a atual situação das populações indígenas no País que estão “sob forte ataque nesse momento de crise política nacional que afeta profundamente os direitos fundamentais de vários cidadãos, mas, em especial, os direitos das populações indígenas”.
Na avaliação de João Pedro, ex-senador e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), a “conjuntura adversa” vivida pelo País tem prejudicado o País, mas, com maior peso, os povos originários e as populações mais pobres do Brasil. Além disso, o ex-presidente da Funai lembra que o Congresso Nacional tem atuado contra os interesses dos povos indígenas e isso foi mostrado claramente com os resultados apresentados pela CPI da Funai e Incra encerrada recentemente na Câmara dos Deputados. O colegiado composto por diversos deputados da bancada ruralista pediu o indiciamento de 67 pessoas entre lideranças comunitárias, antropólogos e servidores. Líderes de oposição criticaram, à época, o relatório por escancarar a perseguição contra aqueles que agem contra os interesses do agronegócio.
“Os mais pobres estão pagando um alto preço por essa conjuntura de crise política que estamos vivendo. Esse Congresso tem jogado contra os povos indígenas e isso foi mostrado pela CPI que tenta incriminar e desconstruir os poucos avanços nessa área. A ideia dessa CPI é apenas provocar a insegurança e o medo junto aos povos indígenas”, alertou.
Homenagem e Luta
Em setembro deste ano, vamos comemorar os dez anos da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas aprovada em 13 de setembro de 2007 pela Assembleia Nacional da Organização das Nações Unidas. A declaração pretende garantir aos diversos povos indígenas do mundo, a autodeterminação como expresso no documento: “Em virtude deste direito, eles determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”, destacou a senadora Regina Sousa (PT-PI).
O Dia Internacional dos Povos Indígenas é comemorado anualmente em 9 de agosto. O principal propósito da data é lembrar a importância da conscientização sobre a inclusão dos povos indígenas nos direitos humanos, sendo que muitas vezes são marginalizados ou excluídos. Outra finalidade é garantir a preservação da cultura tradicional de cada um dos povos indígenas, como fonte primordial de sua identidade.