Nas últimas três décadas 1722 pessoas foram assassinadas em decorrência de conflitos agrários em 32 mil conflitos que envolveram 22 milhões de pessoas. No mesmo período, em Mato Grosso, os conflitos agrários levaram a vida de 136 camponeses, indígenas e lideranças do campo. Os números apresentados por Inácio Werner, representante do Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, nesta terça-feira (2), mostram que a chacina ocorrida no município de Colniza (MT) não é um caso isolado no Brasil, nem na região.
No último dia 19 de abril, na área rural de Taquaraçu do Norte, zona rural do município de Colniza, nove trabalhadores rurais morreram vítimas de tiros disparados por um grupo encapuzado. Aproximadamente 100 famílias moram na região.
“Só em Mato Grosso, de 1985 a 2016 temos 127 assassinatos ocorridos por conflitos no campo e não temos nenhum mandante desses assassinatos preso ou condenado no estado. Foram a julgamento apenas dois casos, mas não houve nenhuma condenação. Além disso, em 2016 Mato Grosso registrou 272 casos de pistolagem relacionados à violência contra a ocupação e posse de terras”, resumiu Inácio.
No estado Mato Grosso existem 47 etnias indígenas, 100 comunidades quilombolas, 47 comunidades pantaneiras e 405 projetos de assentamento. Porém, na avaliação de Inácio, essas comunidades não existem no mapa oficial do Brasil. “O que se tem levado em conta é a demanda do agronegócio, das mineradoras. Mas essas populações são invisíveis no Mato Grosso”, denunciou.
Deborah Duprat, procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, explicou que a localidade onde ocorreram os assassinatos é de dificílimo acesso e, nessas áreas, é recorrente a desorganização dos títulos dominiais, a cultura da grilagem e o desconhecimento do que é terra pública e o que é terra privada. Ela se comprometeu a acompanhar o caso para que ele não seja arquivado e traçou um panorama histórico dos conflitos de terras no País.
“Temos uma origem que é a colonização que se faz sobre territórios indígenas, com expropriações, mortes e depois com a escravidão. Isso dá origem ao grande latifúndio, a apropriação do trabalho alheio e a ociosidade de uma classe burguesa. Isso chega aos dias atuais com a não erradicação do trabalho escravo e sinais de que está rompido o pacto civilizatório. Estamos vivendo o período da barbárie. Chega agora essa notícia dos índios Gamela, do Maranhão, e, mais uma vez isso ocorre no campo, onde o Estado continua ausente”, disse.
A senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH), disse que ainda hoje conversará com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Paulão (PT-AL), para debater medidas práticas para o caso.
“Vamos ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal tentar federalizar essa questão. Me disseram que no local não existe a mínima condição de realizar a investigação. É uma cidade muito pequena, com uma polícia civil desaparelhada. Vamos tentar fazer com que o Ministério da Justiça se sensibilize para a Policia Federal assumir as investigações. Ontem mesmo vimos mais uma chacina com os índios gamelas no Maranhão. Infelizmente, estamos voltando a viver tempos já vividos [ditadura]”, lamentou a senadora.
Na avaliação da senadora Fátima Bezerra (PT-RN) o atual governo tem diminuído a importância da luta pela terra no País, chegando a ser hostil em algumas ocasiões. A senadora cita como exemplo a edição da MP 759/2016 que altera toda a legislação de regularização fundiária no País e os procedimentos para efetivação da reforma agrária, gerando conflitos, inclusive com a Constituição de 1988.
“Reforma agrária, desapropriação de terras são problemas já resolvidos em vários países por reconhecerem como são estratégicos o acesso e a distribuição da terra do ponto de vista do desenvolvimento regional e da promoção da cidadania. Porém o governo tem adotado iniciativas que tendem a agravar ainda mais o problema como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e a redução de investimentos para o Incra”, disse.
O líder da Minoria no Senado, Humberto Costa (PT-PE) disse estar preocupado com quatro episódios graves ocorridos num espaço de tempo curto (Chacina em Colniza, assassinato de sem-terra em MG, a agressão de policiais a indígenas em Brasília e a amputação de membros de índios no Maranhão).
“Não é possível que o governo federal assista a isso de forma passiva. Esses crimes precisam ser federalizados, está claro que as policiais estaduais não têm condições de instruírem os respectivos processos e que vá ao cerne do problema. Temos de resolver o foco do conflito para que isso não se repita”, apontou.
Confira a apresentação de Inácio Werner
Assista vídeo apresentado durante a audiência pública