Jair Bolsonaro transita muito bem pelas técnicas dos aspirantes a ditadores, que mobilizam a raiva, o ódio e o medo. “Mas atacar minorias e fazer promessas grandiosas serve apenas para compensar a ausência de capacidade de governar e a falta de um programa coerente”.
A análise é do New York Times, o mais importante jornal dos EUA, que se manifestou sobre as “fanfarronices” e arroubos autoritários do novo presidente do Brasil em longo artigo de opinião assinado por seu Comitê Editorial e publicado na edição da última quarta-feira (9).
Para o NYTimes, os primeiros dias do mandato presidencial de Bolsonaro e suas “medidas de extrema-direita” não surpreendem, vindas de um “ex-militar que em 27 anos no Congresso notabilizou-se apenas pelos comentários ultrajantes sobre mulheres, minorias sexuais e negros”.
Para o Comitê Editorial do jornal norte-americano o que está em teste é a New
Leia a tradução integral do editorial do New York Times:
Jair Bolsonaro assume o poder. Com uma vingança
Um começo trepidante no Brasil
Nem bem tomou posse como presidente do Brasil, no Dia de Ano Novo, Jair Bolsonaro já disparou uma torrente de medidas de extrema direita, sabotando a proteção ao meio ambiente, direitos indígenas à terra da comunidade LGBT, submetendo organizações não-governamentais ao controle do governo e purgando a administração pública de quem não compartilha sua ideologia.
Essas medidas encantaram Donald Trump, que tuitou entusiamado “Parabéns ao presidente @JairBolsonaro que acaba de fazer um grande discurso de posse — os EUA estão com você”.
Bolsonaro retribuiu o amor tuitando em resposta: “Juntos, soba a proteção de Deus, havemos de trazer prosperidade e progresso para nossos povos”.
As decisões [iniciais] de Bolsonaro são tristes, mas não inesperadas. O novo governante do Brasil é um ex-militar cujos únicos feitos notáveis em 27 anos de mandato no Congresso foram os brutais insultos a mulheres, minorias sexuais e negros.
“Bandido bom é bandido morto”, ele declarava. Prometeu mandar “os criminosos vermelhos” para a prisão e o exílio. Dedicou seu voto pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff ao militar que a torturou durante a ditadura.
Nada disso pareceu importar aos eleitores enfrentando um colapso econômico, uma onda de crimes e um escândalo de corrupção que mina qualquer confiança no Sistema político.
A promessa de mudança feita por Bolsonaro — qualquer mudança — foi suficiente para guindá-lo à Presidência com 55% dos votos em outubro passado.
A linguagem de seu discurso de posse — “Hoje é o dia em que o povo brasileiro se livra do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto” — soou como música nos ouvidos de sua base reacionária, dos investidores e de Trump, que compartilham seus valores e sua fanfarronice.
A Bolsa de Valores saltou para um recorde positivo e a cotação do Real subiu frente ao dólar.
Mobilizar a raiva, o ódio e o medo é uma estratégia familiar aos aspirantes a ditadores. Bolsonaro nada de braçada no mesmo enredo de tipos como Rodrigo Duterte, das Filipinas, Viktor Orban, da Hungria, e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia.
Bolsonaro também é apelidado de “Trump dos Trópicos” por seus comentários ultrajantes e sua base política formada por cristãos evangélicos, elites endinheiradas, políticos covardes e militares linha-dura.
Mas atacar minorias e fazer promessas grandiosas serve apenas para compensar a ausência de capacidade de governar e a falta de um programa coerente. Ao longo da primeira semana de Bolsonaro no posto, os mesmos investidores e militares que celebraram o presidente reacionário também tiveram motivos para alarme.
Enquanto o ministro da Economia Paulo Guedes — um neoliberal formado na Universidade de Chicago que deu aulas no Chile, na Era Pinochet — prometia reformar a complicada Previdência brasileira, Bolsonaro saiu do script para sugerir uma idade mínima para a aposentadoria muito inferior ao que preconiza sua equipe econômica.
Ele também alarmou muitos eleitores quando, desdizendo compromissos de campanha, falou de aumentar impostos, ou quando sugeriu rever a venda da Embraer à Boeing e cogitou permitir a instalação de uma base militar americana em território brasileiro.
O ministro da Casa Civil declarou que o presidente “se enganou” sobre o aumento de impostos, as ações da Embraer despencaram na Bolsa e os generais se mostraram claramente descontentes.
Bolsonaro está apenas no começo. Enquanto ele ganha impulso, com a memória da ditadura militar ainda muito presente, muito vai depender da capacidade das instituições brasileiras de resistirem a seu assalto autocrático.
Muito, também, vai depender da capacidade de Bolsonaro de executar as reclamadas reformas econômicas.
Esse teste começa em fevereiro, com a posse do novo Congresso. O presidente comanda uma coalizão instável de vários partidos e está fadado a enfrentar uma forte oposição a suas reformas.
O Brasil está diante de um ano decisivo.
Leia o o texto original do editorial do New York Times:
Jair Bolsonaro Takes Power. With a Vengeance – His presidency is off to a shaky start in Brazil