Um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia 2021, David Card, identificou em pesquisa que o aumento do salário mínimo não produz redução de empregos. Pelo contrário, é um forte estimulante para o crescimento da economia.
Diferentemente pensa o governo brasileiro ao argumentar que reajustes reais são provocadores de desemprego e podem levar à quebradeira de empresas e de prefeituras. Inclusive ele acabou com a Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo (inflação + PIB).
Mesmo assim, os índices de desemprego no Brasil continuam batendo recordes: 14,4 milhões, segundo o IBGE. Especialistas falam em quase 20 milhões. O trabalho informal atinge 35 milhões; temos 60 milhões vivendo na pobreza. Voltamos ao mapa da fome. A inflação e o custo de vida estão explodindo.
O salário mínimo, criado por Getúlio, é um poderoso instrumento de geração de emprego e de distribuição de renda. Ele melhora a situação dos comércios locais – mercados, padarias, bodegas, lojas –, aplicando oxigênio na arrecadação dos municípios. É mais dinheiro para os prefeitos poderem investir.
Todos ganham quando o mínimo tem reajuste real. Mais de 100 milhões de brasileiros, trabalhadores e trabalhadoras, direta e indiretamente, dependem dele. É dinheiro no bolso, carrinho de supermercado com mais produtos, comida no prato. Com o salário mínimo valorizado, se combatem a pobreza e a miséria.
O governo precisa restabelecer, urgentemente, a valorização do salário mínimo. E isso não é uma questão ideológica; é um fator estratégico de crescimento e de desenvolvimento para o país. A atuação de senadores e de deputados é fundamental na pressão. A responsabilidade do Congresso é enorme.
Vejam vocês: o Brasil possui cerca de 35 milhões de aposentados e pensionistas do INSS; 70% deles sobrevivem com 1 salário mínimo, ou 24,5 milhões; 43% dos brasileiros com mais de 60 anos são arrimos de família; 64% dos municípios dependem da renda dos beneficiários. A valorização do salário mínimo é ou não é importante?
Há mais de 30 anos que nós fazemos a boa luta em defesa da valorização do salário mínimo. Apresentamos projetos, realizamos audiências, fizemos greve de fome, percorremos o país inteiro. Muitos nos chamavam de sonhadores. Mas nós mostramos por A + B que era possível.
Em 2005, a Comissão Mista Especial do Salário Mínimo – Câmara e Senado –, a qual fui relator, apresentou o texto final, sugerindo reajuste de acordo com a inflação do período mais o dobro do PIB. Garantindo também este reajuste a todos os aposentados e pensionistas.
Os movimentos social, sindical e de aposentados e pensionistas se movimentavam em atos nacionais e regionais, realizando marchas em defesa da valorização do salário mínimo. A sociedade apoiou o movimento.
Em 2006, no governo Lula, houve um aumento expressivo e em 2007 um aumento real do mínimo. Em 2011, no governo Dilma, foi sancionada a Lei 12.382, criando, oficialmente, a Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo, baseado no relatório da Comissão Mista.
Isso só foi possível pela determinação política e econômica voltada para o desenvolvimento social e de forte combate à pobreza e à miséria. Sem dúvida, o país deu um enorme salto de qualidade na melhoria da vida de milhões de brasileiros.
Saímos de uma variação de décadas entre 50 e 60 dólares e ultrapassamos a marca de 100 dólares, alcançando cerca de 350 dólares. Fato inédito. Hoje, sem a política de valorização do mínimo, o valor é de 1.100 reais, menos que 200 dólares. O valor de uma cesta básica hoje corresponde a 65% do salário mínimo.
Sempre é bom refrescar a memória. Um momento ímpar da Assembleia Constituinte de 1988 foi quando nós constituintes aprovamos o salário mínimo como direito do trabalhador; estabelecemos a unicidade do valor em todo o país e definimos que os gastos familiares de todos os brasileiros devem ser cobertos por ele.
Estamos falando das despesas com alimentação, educação, saúde, moradia, lazer, vestuário, higiene, transporte, entre outros. Para fazer essa cobertura, o Dieese calcula que o valor de setembro de 2021 deveria ser de R$ 5.518,79 para uma família com dois adultos e duas crianças.
O valor idealizado pela Constituição Cidadã está muito distante, mas continuamos perseguindo, perseverando sempre. Agora, acabar com a Política de Valorização do Salário Mínimo foi um erro crasso do governo federal, imperdoável.
Temos pela frente um enorme desafio: sair desse caos social e econômico, desse cenário de fome, de pobreza e de miséria; de maior desigualdade social do mundo. É preciso enfrentar o descaso do governo para com as gerações presentes e futuras. O combate a tudo isso não pode ser tolerante com a acomodação política.
Precisamos, paralelamente, regulamentar a Lei 10.835/2004 (Renda Básica Universal de Cidadania), por meio da aprovação do projeto de Lei 4194/2020. Da mesma forma, aprovar o 14º salário emergencial para aposentados e pensionistas.
Não há tempo a perder. A boa luta passa pela unidade das forças humanistas, populares, progressistas e em defesa do meio ambiente e pelo caminho intransigente da Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo – esteio histórico e transformador para alcançarmos um Brasil justo, igualitário e soberano.
Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil