O novo Fundeb e as ameaças ao financiamento da educação pública

Na segunda parte do artigo, Bruno Costa alerta para a demora da regulamentação do Fundeb - aprovado por unanimidade - e o que isso pode sinalizar, considerando as ameaças ao financiamento público da educação brasileira
O novo Fundeb e as ameaças ao financiamento da educação pública

Se o novo Fundeb foi aprovado praticamente por unanimidade no parlamento, o que está retardando sua regulamentação no plano infraconstitucional? O que ameaça o novo Fundeb e o financiamento da educação pública?

Em primeiro lugar, é preciso mencionar novamente a agenda 3D, liderada pelo ministro Paulo Guedes e sintetizada nas PECs 186, 187 e 188 de 2019, que conformam o chamado Plano Mais Brasil. A intenção do governo sempre foi acabar com as vinculações orçamentárias inscritas no texto constitucional, inclusive com a vinculação expressa no art. 212 da CF:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Como o Fundeb é uma subvinculação da vinculação inscrita no art. 212 da Constituição, o fim da vinculação poderá nos conduzir a dois cenários, ambos catastróficos:

  1. Em um primeiro cenário, o novo Fundeb passaria a ser o único instrumento de financiamento da educação básica pública, uma vez que os recursos que não são vinculados à educação via Fundeb deixariam de ser vinculados à educação;
  2. Em um segundo cenário, o novo Fundeb, recentemente promulgado via Emenda Constitucional 108/2020, deixaria de existir, uma vez que se trata de uma subvinculação e que a vinculação constitucional seria extinta.

Trata-se de uma ameaça manifesta, uma vez que o relator da PEC 188/19 (pacto federativo), o senador Marcio Bittar (MDB/AC), em entrevista publicada no jornal Correio Braziliense em 05/09/2020, afirmou com todas as letras que, com o consentimento do ministro Paulo Guedes e a autorização do presidente Bolsonaro, apresentará um parecer propondo o fim do piso constitucional da educação e da saúde.

Mas essa não é a única ameaça ao novo Fundeb e ao financiamento da educação pública. Além dos sucessivos cortes no orçamento da educação – o mais recente de R$ 1,4 bilhão, previsto no PLN 30/2020 -, o governo Bolsonaro busca nos recursos do novo Fundeb a solução para financiar o Renda Cidadã (anteriormente denominado Renda Brasil), o programa social que o governo pretende colocar no lugar do Programa Bolsa Família para poder chamar de seu. Como o teto de gastos está comprimindo a capacidade do Estado brasileiro investir em políticas sociais e o Fundeb não está sujeito ao teto de gastos, o governo Bolsonaro cogita drenar recursos do novo Fundeb para o financiamento do Renda Cidadã, o que é visto com perplexidade pelo próprio mercado, uma vez que seria uma tentativa de driblar o regime fiscal ultraneoliberal em vigor.

Ademais, o governo Bolsonaro propõe que, na regulamentação do novo Fundeb, permita-se que os recursos possam ser destinados ao financiamento de vagas em instituições privadas filantrópicas, no ensino fundamental e no ensino médio, até o limite de 15% do total das matrículas do ensino fundamental e do ensino médio, o que significaria drenar recursos da educação pública para o setor privado, atendendo ao apelo de grupos religiosos, ávidos por capturar o fundo público, em detrimento da laicidade do Estado.

Todas essas ameaças rondam a regulamentação do novo Fundeb e o financiamento da educação pública, e como o pacote de maldades do governo Bolsonaro é bastante impopular, a tentativa de aprová-lo e implementá-lo foi adiada para depois das eleições municipais, de modo que os candidatos de sua base de sustentação política não sejam prejudicados.

Embora tramite na Câmara dos Deputados o PL 4372/2020, de autoria da deputada federal Dorinha Seabra (DEM/TO), e no Senado Federal o PL 4519/2020, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP), ambos com o objetivo de regulamentar o novo Fundeb no plano infraconstitucional, também é possível que o governo Bolsonaro retarde o máximo possível a regulamentação do novo Fundeb, para impor o seu projeto de regulamentação ao término do ano, via Medida Provisória, inviabilizando o debate.

Resta-nos, portanto, diante de tantas e tamanhas ameaças à educação pública, desencadear uma mobilização vigorosa e permanente, pela regulamentação imediata do novo Fundeb e contra o conjunto da obra do governo Bolsonaro: uma obra que, se levada adiante, deixará o Brasil em ruínas.

Por Bruno Costa – Assessoria da Liderança do PT no Senado Federal

To top