ARTIGO

O saneamento e a busca do consenso necessário

"Num cenário tão complexo e que envolve um tema tão caro a toda sociedade, tenho insistido na necessidade de aprofundarmos este debate", defende Jaques Wagner
O saneamento e a busca do consenso necessário

Foto: Alessandro Dantas

Quase metade do Brasil não tem coleta nem tratamento de esgotos, e 35 milhões não recebem água tratada nas torneiras. Este cenário, de 2021, pode e deve ser modificado. O Senado Federal tem diante de si essa oportunidade: pavimentar o melhor caminho para que o país cumpra as metas e prazos estabelecidos pelo Marco Legal do Saneamento, aprovado pelo Congresso Nacional em 2020 e que prevê a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033.

Estão em debate dois decretos – 11.466/2023 e 11.467/2023 – do governo Lula que oferecem soluções práticas para assegurar o avanço desses serviços país afora. Os documentos prorrogam prazos para que estados, municípios e prestadoras se adaptem às regras legais vigentes e flexibilizam as possibilidades de investimentos, garantindo oportunidades tanto para o setor público quanto para o privado. Os documentos não mexem no Marco Legal do Saneamento; alteram, isso sim, dois decretos – 10.588/2020 e 10.710/2021 – editados pelo governo anterior.

De forma resumida, ao ampliar o prazo – que pelo decreto anterior acabaria em março -, os atuais decretos permitem que sete estados e 2.454 municípios possam se estruturar e obter acesso a recursos federais para o setor. E, ao flexibilizar as regras, abrem aos entes a possibilidade de escolher a melhor forma de prestação desses serviços – direta, pelas companhias estaduais, ou compartilhada com outras prefeituras na microrregião, por exemplo. Além disso, acabam com o limite de 25% para a formação de Parcerias Público-Privadas, as chamadas PPP´s, que tinha sido imposto pelo decreto de 2021. De forma ainda mais concisa, os decretos do presidente Lula emprestam segurança jurídica a investidores e destravam este importante setor no país.

Desavisados, alguns críticos correram a espalhar que os decretos ora editados alteram pontos do Marco Legal do Saneamento. Repito: não o ferem, tampouco o desvirtuam. Consideram, isso sim, as desigualdades regionais e econômicas de um país de dimensões continentais como o nosso. E abrem as portas para que cada prefeitura opte pelo modelo mais adequado a sua necessidade.

Tenho repetido nas conversas com meus colegas, senadores e senadoras, que temos o dever de encarar esta missão com muita sensibilidade e a disposição necessária para construirmos consensos. Afinal, o aprimoramento das matérias é uma prerrogativa da casa legislativa e, desde o princípio dessa discussão, o governo do presidente Lula tem se mostrado aberto a debater o tema, acolher sugestões e consolidar um novo texto, fruto de acordo com as demais forças políticas.

Também tenho reiterado que não se trata de questão ideológica, mas de oferecer aos gestores as melhores ferramentas para destravar um setor essencial para a qualidade de vida das famílias. Hoje, cerca de 20% dos municípios brasileiros, em geral os mais pobres, estão impossibilitados de receber recursos federais, seja por não haver um contrato formalizado do poder municipal com a companhia estadual de saneamento, seja pela falta de comprovação da capacidade econômica da prestadora de serviços.

Num cenário tão complexo e que envolve um tema tão caro a toda sociedade, tenho insistido na necessidade de aprofundarmos este debate. Não é razoável tratarmos um tema como esse na base da dicotomia: tudo ou nada, certo ou errado, público ou privado. Sempre gosto de dizer que quando a política resolve seguir por este caminho, o resultado final nunca é positivo. Fui governador da Bahia por oito anos, e, ao longo desse período, por diversas vezes apostamos em PPP´s, não apenas em projetos de saneamento, mas também em hospitais e outros equipamentos de Saúde, construção e manutenção de rodovias e demais serviços públicos essenciais.

Gosto sempre de citar o exemplo do Hospital do Subúrbio, inaugurado em 2010 na Bahia, e que foi o primeiro do Brasil a funcionar através de uma Parceria Público-Privada. Com ele, recebemos já alguns prêmios internacionais, entre os quais o prêmio Parcerias Emergentes, do Banco Mundial, que é concedido aos 10 melhores projetos de PPP da América Latina e do Caribe. No ano passado, ele foi eleito o quinto melhor hospital público do país, em um ranking que avaliou 136 unidades financiadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Ferramentas de gestão, como a PPP, existem e devem estar sempre à disposição do bom gestor. Tanto faz se ele é de direita ou de esquerda, desde que prevaleçam o bom senso e o compromisso de cuidar da população. Foi o que falei em duas reuniões recentes que promovi no Senado, uma com líderes da base aliada e outra com os colegas da oposição. Nosso objetivo é alcançar um objetivo que, acredito, seja comum a todas as forças do Congresso: entregar o melhor serviço com o menor custo para a população. Com esse horizonte, vamos promover mais audiências públicas, trazer ministros e especialistas e, por fim, construída esta ponte, chegar a um consenso que permita ao Brasil avançar na oferta de saneamento básico e na universalização desse direito fundamental para todas as famílias.

Artigo originalmente publicado na revista Carta Capital

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