Mais uma vez, o neoliberalismo começa a entrar em colapso na América Latina. A primeira vez foi no final da década de 1990 e no início deste século, quando governos neoliberais, como o de Carlos Ménem e De La Rua (Argentina), Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Sánchez de Lozada (Bolívia ), Rafael Caldera (Venezuela), Jorge Batle (Uruguai), etc. acabaram sendo substituídos por governos progressistas, os quais, em maior ou menor grau, reverteram ou ao menos interromperam as experiências neoliberais, que não produziram crescimento adequado e pioraram as condições socioeconômicas das camadas mais pobres da população.
Agora, começa a se assistir uma segunda derrocada da experiência neoliberal no continente, no contexto de uma crise global do capitalismo financeirizado, que ameaça o bem-estar das populações e as democracias de países desenvolvidos e emergentes.
Esta segunda derrocada vem sendo evidenciada pela ascensão ao poder de López Obrador, no México, pela magnífica vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, na Argentina, pelas maiores manifestações da história do Chile contra o governo conservador de Piñera, pelos recentes e extensos protestos no Equador de Lenín Moreno, pela derrota do uribismo na Colômbia etc.
Enfim, por onde se olhe, verifica-se um grande descontentamento das massas latino-americanas com um modelo econômico e político que, em linhas gerais, aumenta a desigualdade e a pobreza, não produz crescimento sustentado, majora os preços dos serviços ofertados à população, reduz os benefícios do Estado de Bem-Estar, vulnera direitos trabalhistas e previdenciários, erode a soberania dos países e tende a inviabilizar o futuro de gerações.
Por outro lado, governos regionais que não seguem os preceitos destrutivos do neoliberalismo e das políticas de austeridade estão em melhor situação, mesmo após longos anos de poder e da persistente crise internacional, que gera pressões variadas sobre todos os países.
Assim, Evo Morales conseguiu, após mais de 13 anos de governo, seu quarto mandato, no primeiro turno das eleições, ainda que por margem estreita. Essa vitória, merecida pelas extensas e profundas realizações do governo Evo Morales, entre as quais está incluída a redução da pobreza de 63% para 35% da população boliviana, precisa ser defendida contra as tentativas de contestá-la e desestabilizar o governo legítimo. Nesse sentido, é de se lamentar o papel desestabilizador, fortemente ideologizado, da OEA, que chegou a recomendar, em franco desrespeito à Constituição da Bolívia, que fosse realizado um segundo turno de eleições, mesmo na eventualidade da vitória de Evo Morales, alegando que a margem para a vitória teria sido estreita.
No Uruguai, após 15 anos no poder, o Frente Amplio uruguaio conseguiu vencer o primeiro turno das eleições. Daniel Martínez obteve, conforme os últimos dados cerca de 40% dos votos, contra cerca de 30% do segundo colocado, Lacalle Pou.
Embora o segundo turno ainda seja uma incógnita, esse bom desempenho, após tanto tempo no poder, não deixa de ser surpreendente. Em contraste, a segunda experiência neoliberal da Argentina, a do governo Macri, colapsou em apenas 4 anos. Da mesma forma, o governo Lenín Moreno, do Equador, já enfrenta grandes dificuldades de governabilidade, após somente dois anos e meio no poder.
Esse contraste entre a resiliência de governos populares e a fragilidade das recentes experiências neoliberais, ante um quadro negativo de crise mundial econômica e política, demonstra que o neoliberalismo e a as políticas de austeridade a ele associadas intensificam os efeitos destrutivos da crise na população, especialmente em suas camadas mais pobres. Ao passo que os governos populares preservam as camadas mais pobres e desprotegidas dos efeitos negativos da crise.
Com efeito, os governos neoliberais tentam sempre colocar o ônus da crise sobre os mais pobres e desprotegidos da população, poupando, no entanto, os setores mais ricos, especialmente os que obtêm altas rendas no sistema financeiro.
Foi o que fez Macri na Argentina, o que provocou um acréscimo de 9 mil novos pobres por dia na população argentina e o ressurgimento da fome, em um dos países mais competitivos do mundo na produção de alimentos. Foi também o que tentou fazer Lenín Moreno, após celebrar um acordo com o FMI que previa, entre outras coisas, a eliminação de subsídios aos combustíveis e ao transporte público.
No Brasil, em tempos recentes, tivemos um exemplo elucidativo desse tipo de política anti-povo. Em nome do combate aos déficits, o “rombo” orçamentário da Previdência, causado pelas políticas de austeridade que reduziram a arrecadação, foi transferido para os orçamentos das famílias mais pobres, que dependem do INSS para conseguir sobreviver.
Melhor: dependiam. Agora, muitos pobres do Brasil, inclusive idosos, terão de tentar sobreviver em atividade precárias no mercado informal, como acontece com muitos idosos no Chile, os quais, face às aposentadorias e pensões muito baixas fornecidas pelo modelo de capitalização que o ministro Guedes quer aqui implantar, precisam trabalhar até morrer. Entre os que não conseguem, muitos cometem suicídio.
Aliás, esse modelo iníquo de previdência explica grande parte da revolta do povo chileno contra um regime econômico que foi falsamente vendido como exemplo de estabilidade e modernidade para a América Latina e que, agora, cai como um frágil castelo de cartas.
É difícil antecipar se e quando essa nova onda progressista e de condenação do neoliberalismo chegará ao Brasil. Afinal, não dá para se fazer transposições mecânicas e automáticas das experiências de outros países, ainda que vizinhos e semelhantes.
Mas o recado dos povos da América Latina é claro: basta de opressão e de enganação!
Na Argentina e em outros países, a população, cansada de sofrer em nome das promessas vazias do neoliberalismo, já clama: Lula Livre!