O silêncio da elite brasileira – Por Luana Soares

O que é importante refletirmos é o sistema racista, que está por trás de todos esses números e mortes, como foi a de Amarildo.

O fim do auto de Resistência, Extermínio/Genocídio da Juventude Negra, e Amarildo: O silêncio da elite brasileira.

O desaparecimento do Pedreiro Amarildo tem ganhado repercussão nas Redes Sociais, na grande mídia e em diversos espaços da militância. Entretanto, preciso relembrar com pesar, com tristeza, com essa sensação de impotência que se abate sobre cada militante ao perceber que mais um dos nossos foi embora por conta da ação truculenta da Polícia, que Amarildo é mais um.

O caso de Amarildo, em especial, repercutiu a partir das mobilizações ocorridas na Favela da Maré, e também por este ter sido avistado pela última vez, entrando na Sede da UPP-Unidade de Polícia Pacificadora, da Favela da Rocinha. Ou seja, foi visto, foi identificado por pessoas próximas, deixando ao menos um rastro para que amigos e familiares pudessem segui-lo. Após, semanas de desaparecimento, a família já começa a pressionar a Prefeitura do Rio, para que se reconheça a morte de Amarildo, um pai de família, trabalhador e negro. Amarildo, é mais um, dentre milhares, e milhares de negros mortos todos os dias.

O último Mapa da Violência, realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americano, apontou uma queda considerável no número de homicídios ocorridos entre a população branca (queda de 26,4%) e um aumento no numero de homicídios entre a população negra (aumento de 30,6%), ou seja o número de homicídios ocorrido entre a população branca cai de 41% (2002) para 28,2% (2011), enquanto na população negra essa taxa, que já era bastante elevada, vai de 58,6% (2002) para 71,4% (2011).

Estatísticas são números frios. Mas são importantes. Inclusive, o fato dos Mapas da Violência, trazerem o recorte de raça e gênero, é resultado da pressão dos movimentos sociais que desde a década de 80 vem denunciando o extermínio/genocídio da Juventude Negra. Uma outra estatística bastante interessante reflete um pouco sobre como se dá esse aumento da morte entre a população negra. A ONG Human Rights Watch (HRW) apresentou que 95% das pessoas feridas em confrontos policiais no Estado de São Paulo morrem no trajeto ou então no Hospital. A ONG alerta também para a ação de policiais, que forjam resistência de modo a justificar as mortes ocorridas, inclusive alterando cenas do crime, para conseguir um “auto de resistência”.

O que é importante refletirmos é o sistema racista, que está por trás de todos esses números e mortes, como foi a de Amarildo. Não foi um governo, uma eleição, ou uma entidade que inventou isso. O Brasil é um país que nasceu e se estruturou economicamente e socialmente em cima de uma política genocida e escravista, primeiro com as comunidades indígenas e posteriormente, com a população negra. Excluindo todos aqueles que fossem considerados como um entrave a criação de um Brasil eurocêntrico, de cara e raízes brancas, invisibilizando-os, deixando-os à margem da sociedade, até que sejam “resolvidos” pela ação da PM, pela exclusão das Universidades, pela falta de assistência médica, pelo Racismo Institucional.

Nesse sentido, o PL 4471/2012 , que prevê o fim do Auto de Resistência, é de extrema importância. O auto se constitui em um instrumento jurídico, que legisla sobre homicídios ocorridos durante o trabalho do policial, dessa forma uma pessoa morta em confronto com a policia, é enquadrada no quesito “resistência seguida de morte”. Seu uso indiscriminado vem sendo denunciado por diversas entidades dos movimentos sociais, com o fim do auto, todas as mortes ocorridas durante o trabalho do policial, deverão ser investigados, quebrando com uma justificativa histórica para a violência policial. Além disso, o PL prevê sobre o transporte de feridos durante o confronto, sendo que o autor do disparo deverá chamar assistência médica, ao invés do mesmo prestar assistência.

Acima de tudo, a aprovação do PL 4471/2012, é importante por responsabilizar o Estado. É fazer, com que as mortes ocorridas nas favelas do nosso país, não sejam apenas uma estatística, mas passe a ter nome, sobrenome, local do ocorrido, fotos, exame pericial e principalmente culpado, seguindo os princípios das Nações Unidas para a prevenção efetiva e investigação de execuções sumárias, arbitrárias e extralegais, que foi adotado em 24 de maio de 1989.É um grito de milhares de mães, pais, avós, avôs, irmãos, irmãs negros e negras, de que a morte de seus familiares tem culpado, e que esse culpado tem que ser responsabilizado.

Pensar o quanto o/a negro/a é objeto de descarte nesse país (e como sempre foi), conhecer as estatísticas, ajuda a compreender o silêncio da Elite brasileira, em relação ao Amarildo, ao fim do Auto de Resistência e a todos os outros 122.570 jovens negros que morreram entre 2002 e 2010, aos 360 que morreram nas Viaturas e Camburões Paulistanos em 2012, bem como do Massacre do Carandiru, Candelária e Vigário Geral (1993); Alto da Bondade (1994); Corumbiara (1995); Eldorado dos Carajás (1996); São Gonçalo e Favela Naval (1997); Alhandra e Maracanã (1998); Cavalaria e Vila Prudente (1999) entre tantos outros. Eliane Brum, Jornalista, escreveu em seu Blog um excelente texto com o título “Também somos o chumbo das balas”, onde alerta para este silêncio ocorrido com os mortos da Favela da Maré. Em determinado trecho ela afirma que: “É preciso que a classe média se olhe no espelho, se existe mesmo o desejo real de mudança. É preciso que se olhe no espelho para encarar sua alma deformada. E perceber que essa polícia reflete pelo menos uma de suas faces.”

A face da Elite Brasileira, é a face da Policia Militar, é a face do Genocídio/Extermínio da Juventude Negra.Uma face que está virada apenas para o próprio umbigo, e que deliberadamente vira as costas, para esses outros rostos que deixam de ser nomes para serem números. O que causa a violência, é a desigualdade, é a ação do sistema capitalista que se alimenta do racismo, do machismo, da homofobia, para legitimar a exclusão.

É preciso não apenas repensarmos a Polícia. A desmilitarização é um bom caminho, mas não é o único. É preciso repensar a nossa sociedade. Compreender que são os privilégios da elite branca brasileira, que continuam a alimentar a ação racista e violenta da Policia Militar, e que esta age de forma a garantir a continuidade destes privilégios, eliminando os indesejáveis e se constituindo como um crime perfeito, usando as palavras do grande mestre Kabengele Munanga.

É ir quebrando, em todas as instâncias, as cadeias elitistas que barram o acesso do povo preto ao poder.Em diversos fronts, mas com um objetivo em comum. Até que “ver o pobre, preso, morto” não seja mais cultural,e sim um crime.

Fontes:

95% dos feridos transportados pela polícia morrem no trajeto

Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil

Luana Soares é militante da CONEN, Executiva Estadual da Juventude do PT da Bahia e militante da Esquerda Popular Socialista do PT.

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