Bruno Araújo Pereira é servidor público licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) e integra o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente (OPI). Indigenista experiente e respeitado, comandou, em 2018, a maior expedição da Funai dos últimos 20 anos com povos isolados. Era, na época, o coordenador-geral de Indígenas Isolados e Recém-Contatados. Mas acabou exonerado em outubro de 2019, já no governo Bolsonaro. Junto com Bruno estava o jornalista inglês Dom Phillips, correspondente de importantes jornais internacionais, atualmente no britânico The Guardian. Radicado no Brasil há cerca de 15 anos, prepara ainda um livro sobre meio ambiente. Em 2018, Reuters e Guardian publicaram textos de Dom Philips em que ele alertava sobre o risco da eleição de Bolsonaro para o meio ambiente e para os povos indígenas, dois de seus temas favoritos de cobertura.
Desde domingo (5), não há notícias dos dois. Bruno Pereira e Dom Phillips teriam desaparecido enquanto retornavam para a cidade de Atalaia do Norte, após passarem pelas comunidades de São Gabriel e São Rafael, no Vale do Javari, no Amazonas. Eles chegaram à região na última sexta-feira (3) e faziam o trajeto numa embarcação nova, com gasolina suficiente para a viagem. O alerta foi ligado por uma nota emitida pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), horas após perderem o contato com os dois.
Na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, o assunto é tratado com a máxima urgência desde a manhã de segunda-feira (6). O presidente do colegiado, senador Humberto Costa (PT-PE), enviou ofícios à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal, ao Ministério da Justiça e à Polícia Civil do Amazonas solicitando toda prioridade às buscas de Bruno e Dom Phillips. A região, lembra Humberto, oferece muitos riscos aos dois, em razão do trabalho que realizam.
“Áreas em que há mineração ilegal e conflitos com pescadores ilegais. Eles podem ter sido vítimas de violência, na medida em que mais de uma vez foram ameaçados. Este se trata de um tema a maior relevância, o respeito à liberdade de imprensa, aos direitos humanos e às terras indígenas. Já me dirigi formalmente por ofício a essas instituições para que elas cumpram seu papel e deem ao Brasil e ao mundo uma resposta urgente a esse caso da mais absoluta gravidade, que acontece mais uma vez no governo Bolsonaro, que pouco se preocupa em não somente garantir a integridade das terras indígenas, a preservação da floresta amazônica, mas acima de tudo o respeito aos direitos humanos”, denuncia Humberto Costa.
Como presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), o senador Jaques Wagner (PT-BA) também mandou ofício ao ministro da Justiça solicitando ajuda nas buscas: ”Como destacado na imprensa, a equipe havia recebido denúncias, já oficializadas à Polícia Federal e ao Ministério Público de Tabatinga. Assim, solicitei medidas urgentes dos órgãos competentes para que prontamente desloquem equipes à região para a localização dos desaparecidos.”
Nesta terça-feira (7), 11 entidades ligadas à liberdade de imprensa e aos direitos humanos enviaram aos ministros da Justiça e da Defesa um pedido de audiência urgente sobre o caso. Elas criticam o efetivo e a logística até agora empregados, que consideram insuficientes, assim como a falta de informações dos órgãos responsáveis pelas buscas.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) lembrou que o pedido das associações de jornalistas coincide com “a data que marca o Dia da Liberdade de Imprensa no Brasil”, 7 de junho. “O governo deve agir de imediato para localizá-los”, cobrou o senador. Para o colega Fabiano Contarato (PT-ES), “cogitar que um profissional possa ter sido vítima de violência por seu trabalho dá a dimensão dos desafios da imprensa em meio aos ataques do autoritarismo no Brasil. As autoridades brasileiras precisam garantir todos os esforços no sentido de elucidar o ocorrido com absoluta prioridade!”
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), “o mundo espera uma resposta brasileira ao desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira na Amazônia, há mais de 48h. Ameaças e ataques ao trabalho da imprensa na investigação de irregularidades não são toleráveis, ainda mais no #DiaDaLiberdadeDeImprensa”. Também Humberto Costa fez referência à data e manteve o tom: “O Brasil e o mundo esperam uma resposta”.
Várias outras notas oficiais vão no mesmo caminho e têm repercutido no mundo todo. Familiares e colegas de trabalho de Bruno Pereira e Dom Phillips se manifestaram. Companheira de Bruno, Beatriz de Almeida Matos chegou a alertar sobre o óbvio: “O tempo é fator chave em operações de resgate, principalmente se estiverem feridos. Cada minuto conta, cada trecho de rio e de mata ainda não percorrido pode ser aquele em que eles aguardam por resgate”.
O perfil colaborativo “O Fiscal do Ibama”, que se dedica a acompanhar a fiscalização ambiental de órgãos federais e reúne quase 148 mil seguidores no Twitter, criticou a logística disponibilizada para as buscas até a manhã desta terça-feira por autoridades federais. “5 homens e um barquinho. Na Amazônia. Essa é a equipe de busca do Ministério da Justiça. CADÊ DOM E BRUNO?”, questionou o perfil.
Já a geógrafa Mayalú Txucarramãe, indígena do povo Mebengôkre e Waurá, postou sua angústia no Twitter, e se disse com nó na garganta. “Estão querendo nos amedrontar, calar as vozes dos defensores dos direitos indígenas e ambientais. A situação se agrava com essas ações criminosas. Nós não podemos mais aceitar essa situação. Cadê Bruno Pereira e Dom Phillips?”
Em vez de bomba, um estalinho. Foi assim que o Exército respondeu ao apelo nacional e internacional, em comunicado emitido à imprensa na segunda à noite, gerando revolta na sociedade. O Comando Militar da Amazônia afirmou que “está em condições de cumprir missão humanitária de busca e salvamento, como tem feito ao longo de sua história, contudo as ações serão iniciadas mediante acionamento por parte do escalão superior”.
Diante da forte reação nas redes, entre autoridades e também no exterior, o Ministério da Defesa anunciou o envio de helicópteros para auxiliar nas buscas. Já a Polícia Federal disse que vai colaborar com a investigação entrevistando pessoas da região em busca de informações. Ainda não se tem, no entanto, o que a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e outras 10 organizações da sociedade civil reivindicaram ao ministro da Justiça: um canal que informe sobre as buscas, a articulação dos órgãos públicos em campo e o contingente envolvido.