“Pacto Federativo deve pensar em cada cidadão”, diz Lindbergh

Três comissões do Senado discutiram a proposta que estabelece uma nova distribuição dos recursos do FPE, um dos itens fundamentais do Pacto Federativo.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou nesta quinta-feira (14/03) que a coerência deve nortear os debates do Pacto Federativo, onde cada estado não deve pensar apenas no seu interesse de aumentar sua receita orçamentária, mas em cada cidadão. A declaração foi feita durante audiência pública destinada a analisar o relatório do senador Walter Pinheiro (PT-BA) ao projeto que estabelece novas regras de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE). “Temos que superar a disputa que houve no Congresso Nacional na questão dos royalties e pensar o debate federativo em cima de coerência, diminuindo as distorções e tratar o cidadão com uma lógica, pois esse é o caminho do futuro”, afirmou.

Vários senadores discutiram com o relator Walter Pinheiro o teor do projeto. O senador Lindbergh Farias, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), dividiu a coordenação dos trabalhos com os presidentes das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Desenvolvimento Regional (CDR), presididas pelos senadores Vital do Rêgo (PMDB-PB) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), respectivamente. Também participou da audiência Cláudio Trinchão, coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) que reúne os 27 secretários estaduais de Fazenda. A audiência durou mais de três horas. Abaixo, confira trechos das discussões.

Lindbergh Farias (PT-RJ) – Quando a gente discute o conceito de receita corrente per capita de São Paulo e Rio de Janeiro temos um caminho justo que diminui as distorções. Temos uma lógica de tratar o cidadão e esse é o caminho para o futuro; diminuir a distância entre os estados no conceito de receita corrente per capita. O projeto tenta construir a lógica da equalização e ninguém mexe no que está para trás. É preciso usar os parâmetros de distribuição de 2012 e tentar construir o debate de um sistema de equalização, mostrando para São Paulo e Rio de Janeiro que hoje o sistema está distorcido. Temos que votar dia 19 de março e demonstrar a posição do presidente do Senado, Renan Calheiro (PMDB-AL), de que precisamos aprovar.

A questão do ICMS também é urgente porque os investimentos estão parando. Há insegurança mas acho que estamos perto da construção de um acordo, de um consenso maior que envolve a discussão da troca do indexador da dívida dos estados, do ICMS e do PFE. Podemos sair com uma pauta federativa numa velocidade maior. Temos três pontos, em relação à dívida dos estado, com a troca de indexador – e há espaço para diminuição da receita corrente liquida – , e isso ajuda na negociação do ICMS. Não é por entusiasmo, precisamos votar, dia 26, na Comissão de Assuntos Econômicos. Vai ter pedido de vistas, mas queremos votar o relatório dia 2 de abril. Quando colocamos uma data para votar, não significa dizer que estamos acelerando. Isso fortalece o processo de negociação. Estou esperançoso que o Congresso Nacional dê uma demonstração de maturidade votando o FPE e avance no encaminhamento das mudanças do ICMS e na troca do indexador das dívidas dos estados também. As regras do fundo de participação não se encerram com essas proposições. A discussão prosseguirá para encontrarmos novos critérios.

Carlos Trinchão – Muitos estados que até pouco tempo eram territórios têm uma dependência muito forte das transferências do FPE, em alguns casos chegando a 70%, a 80%. Estados da região Norte, sem mercados, com baixíssimo nível de industrialização, dependem do FPE. Então, estamos discutindo uma solução política. Serei um pouco presunçoso e dar algumas dicas para produzir modelo de distribuição próximo dos níveis atuais, um índice que não signifique perdas para os estados menos desenvolvidos. Estamos vivendo o momento da rediscussão do pacto federativo e a mudança no ICMS vai trazer mais receita para os estados, assim como os royalties, a PEC do comércio eletrônico, os programas sociais, como o bolsa família. Portanto, é inquestionável o crescimento da renda, mas temos um crescimento diferenciado nas regiões do Centro-Oeste e Nordeste cujo crescimento do PIB foi maior do que PIB nacional. O modelo de equalização do FPE implica que daqui a dez anos ocorra uma nova redistribuição conforme os padrões de renda das regiões remotas. O que estamos discutindo é a federação e a federação não pode ser fragilizada pelos entes mais fortes.

Francisco Dornelles (PP-RJ) – Nós do Rio de Janeiro consideramos importante o FPE como instrumento de distribuição de renda. Dos R$ 119 bilhões que a União arrecada com os impostos que formam o FPE, só voltam para o Rio R$ 60 milhões. Alguns estados recebem 130%. Entretanto, apresentamos a seguinte proposta em relação ao FPE, embora acredite que é um debate que temos de enfrentar. O governador do Ceará (Cid Gomes) apresentou uma proposta colocando que 80% das receitas do FPE vinham do IPI e do IR. Com o tempo, a partir de 1994, ou 1990, foram criadas contribuições cujas receitas não são distribuídas. A proposta do governador é incluir o PIS, a Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido na base de cálculo, toda vez que a União quer dar um incentivo isso ocorre via IPI e IR, reduzindo a base de cálculo do FPE.

O fato é que a proposta do senador Walter Pinheiro ganhou força pela capacidade de articulação. Ainda não estou convencido, mas gostaria. Acho positiva a manutenção de um período de cinco anos de transição conforme a proposta do senador. Gostaria de ser convencido e não ser obrigado a defender minha proposta.

José Pimentel (PT-CE), líder do Governo no Congresso – Acredito que a proposta do senador Walter Pinheiro, de manter como piso o ano de 2012, ajuda muito e a partir daí distribuir a receita do FPE que crescer. Este é o caminho. Temos que discutir a transição; o período de dois anos entendo que seja insuficiente. Abrangendo os anos de 2013 e 2014 significa uma complicação porque o Plano Plurianual (PPA) dos estados vai até 2015. Minha preocupação é contemplar o PPA dos estados, porque ali tem todo o planejamento e é preciso permitir aos governadores que vão tomar posse em 2015 um equilíbrio financeiro. A questão da guerra fiscal que já alcançou cinco estados nós precisamos ter uma saída organizada para não colocar em risco estabilidade econômica das empresas e dos governos estaduais naquilo que consta do PPA após 2015

Cassildo Maldaner (PMDB-SC) – Naturalmente o senador Walter Pinheiro vai ter que ter pela frente um jogo extraordinário. Vivi isso quando estive no governo de Santa Catarina. Quando enfrentava uma greve, tem que ter calma, ser paciente. O melhor é ter duas horas de diálogo do que cinco minutos de tiroteio. Aí o relatório do senador, recebendo ideias, sendo construído paulatinamente para buscarmos entendimento nacional, avançando em parcelas, busca consenso de propostas que atendam os 27 estados. Eu me atenho, quem sabe, em vincular receitas federais, compulsoriamente. Os estados querem amarrar isso para que não fiquem na dependência quando não se retira incentivos via IPI, porque afeta o FPE.

Romero Jucá (PMDB-RR) – Há uma contradição nos dados do IBGE. Antes da mudança de critério de cálculo, o PIB per capita de Roraima era de R$ 4 mil reais e no ano seguinte passou a 9 mil reais e hoje o PIB per capita é de mais de R$ 14 mil reais. O IBGE mostra o PIB per capita de cada habitante, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome diz que mais da metade da população de Roraima vive com menos de um salário mínimo. Portanto, dois dados oficiais mostram diferenças antagônicas gritantes. Há uma distorção brutal, porque o estado pega a receita e paga as mesmas obrigações dos estados grandes, assembleia legislativa, tribunal de justiça, e Roraima tem o mesmo tamanho de São Paulo. Só que nesses estados a saúde e a educação o carro chefe é a atividade privada. Em Roraima, no Acre e no Amapá, só existe escola pública, saúde é pública e tudo depende do poder público. Assim esse cálculo de distribuição do FPE, quando coloca o PIB per capita dá uma distorção. Roraima é o estado que mais precisa do FPE. 66% da receita vêm do fundo. Esse tipo de equalização temos que fazer porque os estados pequenos, recém criados, dependem do FPE, do FPM da capital e qualquer cálculo colocado pela renda per capita sem levar em conta a efetiva economia do estado nós teremos uma distorção.

Valdir Raupp (PMDB-RO) – Vou na mesma linha do senador Romero Jucá. Rondônia não pode perder e ninguém quer perder. Se tirar todo o FPE do estado de São Paulo não faz diferença porque arrecada outros impostos. Mas tirar um ponto dos estados mais pobres, o efeito é contrário.  Rondônia agora tem empreendimentos energéticos que vão produzir 7 mil Megawatts e podem chegar a 10 mil MW de geração de energia, mas Rondônia não vai ganhar nada, vai perder, porque está sendo construída uma substação gigante em Araraquara (SP) e dali a energia será redistribuída. Como se cobra ICMS no destino, Rondônia não ganhará nada.

Walter Pinheiro (PT-BA) – O importante é realçar que esse esforço para o entendimento nós estamos fazendo desde o ano passado, com todas as tratativas. Lamentavelmente terminou não encontrando condições para votação que eu diria motivadas pelo próprio ambiente que tínhamos no Congresso Nacional contaminado por uma disputa na questão dos royalties do petróleo, tanto é que inviabilizamos a votação do orçamento.

Quando falamos do FPE temos duas frentes, uma composição do fundo, discutir ou ampliar o bolo, ou definir qual vai ser mecanismo para travar a discussão. O governo quando mexe no IPI faz uma isenção mas é com chapéu alheio. No ano passado representou R$ 5 bilhões no contexto das isenções. Saíram de onde? Do bolo do FPE. Do lado de cá temos que discutir como vamos montar a distribuição do que se tem. Estamos diante de um problema e queremos discutir a distribuição, o tamanho do bolo, o que temos hoje para não sofrer a descontinuidade.

A primeira premissa básica foi exatamente tentar estabelecer algo como que manter as condições atuais e na transição permitir que a gente possa corrigir exclusivamente dentro do critério da distribuição. Se algo for acrescido no valor do FPE, precisamos ver como aumentar o bolo e garantir que até lá esteja assegurada aos estados zero de perdas. Este é o primeiro pressuposto.

Trabalhamos com outro pressuposto da ideia de imaginar o que cada estado projetou de expectativa de receita, até levando em considerado a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não podemos impor ao estado o recebimento de uma parcela menor do que já esperava para não comprometer o PPA, por isso essa trava é fundamental.

O estado programa todas as despesas e esse elemento buscamos trabalhar na utilização dos critérios ouvindo secretários de Fazenda, analisando essas distorções de PIB. Quando pegamos a situação dos estados do Norte, tem um peso considerável, tem um caso especifico de população reduzida e área territorial razoável, despesas com serviços de saúde e de educação para todos os cantos. A única forma de analisar se mudou a vida do cidadão não é essa medida global, mas a renda per capita domiciliar. Pelo critério da PIB per capita, meia dúzia de milionários de um estado muda drasticamente os valores, enquanto milhões de pessoas vivem em condições abaixo dessa linha do PIB. Quando se faz a soma, joga o indicador lá para cima. Portanto, a renda do domicilio é uma leitura de cada realidade. Buscamos compatibilizar, por isso a parcela FPE vai mais para um estado do que outro. São Paulo também tem um bolsão de miséria, mas atenua quando fazemos outro tipo de leitura, a renda domiciliar é mais elevada do que a do Ceará, do Maranhão, do Amazonas.

Tentamos trabalhar esse conceito, o que seria efetivamente encontrar o ponto de equilibro do FPE para dar tranquilidade e atravessar o período de transição, dando tempo para ganhar o aumento do bolo e criando instrumentos que permitam que a União não mexa nesses recursos. Sobre a delicada questão territorial, não podemos colocar agora nessa matéria, mas na transição teremos capacidade de votar um tempo razoável. O Confaz enxergou que esse prazo de transição poderia ser maior. Tinha trabalhado o ano de 2015, mas acredito que proposta do Confaz, de aumentar um pouquinho o prazo talvez resolva, elevando para 5 anos e tirar a data de 2015, para invadir o período do próximo PPA elaborado pelos governadores e em vigor a partir de 2016. O senador Francisco Dornelles trouxe uma posição razoável de ampliar o equilíbrio na distribuição do excedente do FPE, de 80% da renda domiciliar per capita. Estava trabalhando com 70% mas aceitamos ampliação para 80%.

Essa engenharia não é fácil. O objetivo central é: ou a gente trabalha no Senado com a tese que vamos fazer transição garantindo o mesmo patamar de repasse do FPE. Aqui não dá para fazer gol de mão, se dá puxadinha para um estado tem que sair do fígado do outro. Para manter Paraíba com o coeficiente de 4,79 eu tenho que fazer um esforço para manter o percentual de Roraima. Esse foi o esforço que buscamos com o apoio Confaz que teve muita compreensão para tentar encontrar essa alternativa. Aqui tratamos como distribui hoje aquilo que tínhamos em 2012.  O que não pode ser é uma “reenganaria”.

Marcello Antunes

 

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