Estamos perplexos com as cenas que chegam do Afeganistão a cada momento: filhos entregues a soldados para que os levem para fora do país; mulheres pedindo socorro; homens em completo desespero se agarrando em aviões para fugir.
Na Síria, a guerra já dura mais de dez anos. Ela acumula milhares de mortes, destruição de famílias inteiras, ódios; irmãos matando irmãos e tantas outras selvagerias. Um dos motivos do seu prolongamento é a disputa pelo petróleo.
Sabe-se que 30 regiões do mundo hoje, conforme a ONU, estão com algum conflito armado em disputa por território. As motivações são diversas e vão desde diferenças étnicas até religiosas e controle de recursos naturais.
Por trás desses conflitos e genocídios, os interesses geopolíticos e da indústria do armamento dão grande parte das cartas, e, em muitas vezes, em mão única. A chamada guerra fria não terminou e hoje se dá por outros meios e enfoques.
Todos esses cenários produzem milhões de refugiados e migrantes. Grande parte vem para o Brasil. Acolhemos pessoas de Angola, Síria, Venezuela, Haiti, Congo, Nigéria, Honduras, El Salvador, entre outros países. São 94 nacionalidades. Direitos Humanos não têm fronteiras.
Ainda existem as mudanças climáticas e a escassez de água que, segundo a ONU, vão provocar o deslocamento de migrantes e refugiados do clima em cerca de 24 milhões de pessoas até o ano de 2030. A água já é um produto de disputa de poder.
No país mais pobre das Américas, o Haiti, a população morre de fome e de tiro; golpes de Estado fazem parte da “agenda”. O terremoto de 14 de agosto vitimou mais de 2.200 pessoas. Até o momento, segundo a Defesa Civil, há 344 pessoas desaparecidas e 12.268 feridos.
Martín Caparrós, na obra “A fome”, aponta que, em oito horas, morrem de fome no mundo mais de oito mil pessoas. Em trinta segundos, morrem cerca de oito ou dez pessoas. Ele questiona: seria a fome um produto inevitável de nossa ordem mundial?
Como pode o Brasil ser um dos maiores produtores de alimentos do planeta e ao mesmo tempo conviver, ou, diga-se, aceitar pacificamente que 60 milhões de pessoas vivam na pobreza e quase 20 milhões na extrema pobreza? Podemos alimentar mais de 1 bilhão de pessoas.
“Quais são os fatores ocultos desta verdadeira conspiração de silêncio em torno da fome? Será por simples obra do acaso que o tema não tem atraído devidamente o interesse dos espíritos especulativos e criadores dos nossos tempos?”
Essa pergunta foi feita por Josué de Castro, na obra clássica “Geografia da Fome”, de 1942, em que faz um diagnóstico e analisa as causas da fome no Brasil. Segundo ele, a fome não é obra do acaso, e, sim, de um silêncio premeditado.
A pandemia da Covid-19 acentuou ainda mais os problemas sociais e sanitários no mundo. Mesmo a vacina sendo disponibilizada, estamos aquém do que poderíamos vacinar. Estima-se que, somente no final de 2022, teremos dois terços da população mundial imunizada. Os laboratórios que detêm as patentes precisam entender que a vida está acima dos lucros.
Não podem eles obter ganhos de 60%, 70%, enquanto milhões de pessoas morrem, deixando em profunda tristeza e saudade familiares, amigos. Aliás, muitos laboratórios receberam subsídios públicos para o desenvolvimento de vacinas. As descobertas da ciência devem servir primeiramente à vida, refletindo em melhorias das condições de saúde das populações.
A questão, portanto, é de governança planetária. A quebra de patentes de vacinas é uma decisão política e humanitária. No Brasil, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei nº 12 com esse objetivo. Estamos dando exemplo, pensando o todo, o coletivo, o bem-viver dos brasileiros; nos precavendo e nos prevenindo. A proposta espera a sanção da Presidência da República.
A crise humanitária é terrível. Uma das mais ferozes de todos os tempos. Estamos deixando, por omissão e descaso, que as pessoas morram de fome; de desnutrição; de doenças; matamos pelo poder, por ideologia; sucumbimos às regras da economia.
As nações, os governos, os parlamentos, as corporações, as sociedades, os povos se tornaram intolerantes com tudo e com todos. Por que tanto ódio, descrença, falta de compaixão, desrespeitos às diferenças e às diversidades, racismos, discriminações e preconceitos?
Já chegamos ao espaço; pisamos em solo lunar. Armstrong disse: “Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade”. Uma frase dita para poucos? A tecnologia está em nossas mãos; mas nos falta sensibilidade, amor. Temos que reagir e buscar a plenitude da esperança e a perfeição da fraternidade.
Que as feridas de um mundo em crise humanitária sejam curadas não é sonho; é, sim, o verbo esperançar, que se formaliza com a certeza de que somente a boa luta e o principiar da verdade é que dará o equilíbrio necessário aos ângulos da existência e da dignidade humana.
Artigo originalmente publicado no Jornal GGN