O brutal assassinato do negro João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, após ser espancado por dois seguranças de uma unidade da rede de supermercados Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, atingiu em cheio a alma do nosso sofrido povo e todas as cores das diversidades, que compõem o nosso país.
As imagens captadas pelas câmeras internas do estabelecimento e feitas por pessoas que estavam no local percorreram o planeta inteiro, mostrando que a sociedade brasileira tem, no seu seio, a miséria constante da degradação humana, do racismo, do preconceito e da discriminação.
O piloto de F1 britânico, Lewis Hamilton, afirmou, em sua conta no Instagram, estar “devastado por ouvir essa notícia, mais uma vida negra perdida, novamente”. O movimento norte-americano Black Lives Matter de combate ao racismo externou total solidariedade na sua conta no Twitter.
Ravina Shamdasani, do escritório de direitos humanos da ONU, disse, em Genebra, Suíça, que “isso oferece um retrato claro da persistente discriminação estrutural e racismo que os afrodescendentes enfrentam”, enfatizando que o governo brasileiro tem a responsabilidade de reconhecer o problema do racismo persistente para resolvê-lo.
Nos dias seguintes ao crime, ocorreram várias manifestações em todo o Brasil, juntando negros, brancos, jovens, LGBTIs, indígenas com o mesmo objetivo. Todos exigindo justiça e denunciando o racismo, a exclusão, a marginalização e a violência que, há séculos, atingem a maioria do povo brasileiro.
Um homem negro tem oito vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que um não negro. Em 2019, 66% de todas as mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Dos jovens entre 15 e 29 anos que não estudam e nem trabalham, 62,9% são negros. Esses números mostram que vivemos num cenário de tragédia.
A questão é que nada muda no Brasil. No dia 14 de maio de 1987, o negro Júlio Cesar de Melo Pinto, de 30 anos, foi preso por “suspeita” no supermercado Dosul, em Porto Alegre. Ele entrou ileso em uma viatura da polícia militar e chegou morto ao hospital. Qual foi o seu crime? Ser negro, operário e pobre.
À época ocorria a Assembleia Nacional Constituinte. Da tribuna, eu disse aos colegas deputados constituintes que eles não poderiam sentir esse crime, mas poderiam compreender a situação desumana como os negros eram tratados no Brasil, sem piedade, ainda com os açoites e as sangrias das senzalas.
“Eu pergunto, senhoras e senhores parlamentares, se vossas excelências sabem o que é ver os filhos voltarem para casa e falarem que os chamaram de negros sujos? Isso dói, amedronta, destrói a autoestima. É de uma injustiça cruel”. Lá se vão 33 anos… A questão é que nada mudou no Brasil.
O racismo estrutural é uma realidade na sociedade brasileira. Ele está no olhar, no gesto, no silêncio, no ódio, na fome, na pobreza, na miséria, no desemprego, na violência, nas injustiças do dia a dia. É preciso fazer o debate, resistir, denunciar, mostrar como essa estrutura ainda aterroriza a nossa gente.
Abdias Nascimento – um dos maiores gritos contra o racismo – dizia que: “O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica”. O nosso país precisa dar um basta a este cenário de tristeza e indignidade, perseverar a boa luta, esperançar o sonho de Luther King.
Já tivemos alguns avanços como a Lei nº 12.288, de 2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei nº 7.716, de 1989, que tornou o racismo crime inafiançável. Mas é preciso ir muito mais além. O Estado brasileiro tem a sua responsabilidade. O Poder Legislativo não pode se omitir. O Congresso Nacional tem que agir.
Solicitei ao presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre, que paute e coloque em votação, urgentemente, projetos e propostas de combate ao racismo. A sociedade está exigindo de todos nós parlamentares respostas e ações imediatas. Destaco aqui a síntese dessas iniciativas:
– Projeto de Lei nº 4373, de 2020, que define como crime de racismo a injúria racial;
– Projeto de lei nº 5231, de 2020, que veda a conduta de agente público de segurança fundada em preconceito de qualquer natureza;
– Projeto de lei nº 4656, de 2020, que assegura a continuação da lei de cotas;
– Proposta de Emenda à Constituição nº 33, de 2016, que cria o Fundo de Promoção da Igualdade Racial;
– Projeto de lei do Senado nº 239, de 2016, que atualiza as normas sobre o Exame de Corpo de Delito e Perícias Criminais (auto de resistência);
– Projeto de Lei do Senado nº 787, de 2015, que inclui a previsão de agravantes ao crime praticado por motivo de racismo;
Também solicitei ao presidente Davi que considere nossa proposta para criar um selo de qualidade aos municípios brasileiros que se destacarem na adoção de políticas públicas de combate ao racismo e a todas as formas de preconceito e discriminação.
Que o Poder Executivo coloque em prática as Leis nº 10.639, de 2003, e a nº 11.645, de 2008, que tratam sobre a valorização do ensino da história do negro no Brasil. Os estudantes têm o direito de saber a verdadeira história do povo negro. E, por fim, que a presidência do Senado articule com a Comissão de Direitos Humanos uma reunião com representantes do Carrefour.
Neste momento, é importante que os poderes constituídos, toda a sociedade e os movimentos sociais estejam unidos, em um grande movimento nacional em defesa dos direitos humanos, dos direitos civis, do respeito às diversidades e às diferenças, fazendo o bom combate em defesa da vida e da felicidade.
Deixemos que a nossa ancestralidade seja nosso guia, que os ventos e as águas do continente africano derrubem cárceres e os vazios sociais; que os passos dos nossos antepassados, que aqui chegaram, e a resistência de nós outros, no presente, nos mostrem caminhos de um país, que diz não ao racismo, um país antirracista, enraizado na solidariedade e na fraternidade.
Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil