O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT – RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senadora Ana Amélia, que preside esta sessão, Senador Cristovam e Senador Mozarildo Cavalcanti, tenho aproveitado este período de meio recesso por que estamos passando devido às eleições para falar sobre alguns temas. Na semana passada, falei, por duas vezes, sobre a violência no Brasil, sobre a situação da nossa juventude, sobre drogas, sobre palestras que fiz. E, hoje, venho falar sobre a acessibilidade e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Enfim, o que é acessibilidade? De que forma podemos trazê-la para nossa realidade? Quando olhamos uma pessoa com deficiência, como a percebemos? Olhamos para o que ela tem de diferente? Por que não fazemos o contrário? Por que não a enxergamos naquilo que ela tem de semelhante?
Eu sempre digo que a pessoa com deficiência, em muitas áreas, é muito eficiente, e a essa eficiência é que quero voltar o meu olhar. Quando falamos em deficiência, a tendência natural é olharmos o lado mais frágil, é lembrarmo-nos de certa incapacidade. É essa noção de incapacidade que deve ser substituída por uma visão de oportunidade, de igualdade, de humanidade.
Ao longo desses anos, tenho percebido que uma das maiores barreiras invisíveis para a conquista da acessibilidade é o preconceito. A Comissão de Direitos Humanos já realizou inúmeras audiências para debater esse tema e para aumentar o nível de consciência das pessoas. Como resultado desses encontros, recebemos de diversas entidades solicitações, como aumento da carga horária da audiodescrição da tevê; utilização de Libras nas provas de concurso público; aumento na fiscalização pelo Ministério, para que as empresas adotem a política de cotas na área pública e na área privada; treinamento para as pessoas que tenham algum tipo de deficiência. Lembro que as cotas, na área privada, vão de 2% a 5% e, na área pública, vão de 5% a 20%.
Não podemos falar em direitos humanos sem incluir princípios como a democracia e a famosa acessibilidade, a inclusão, a liberdade, a independência e a valorização da diversidade humana. Essa ideia está presente na ousadia do diretor Marcelo Galvão em seu filme – recomendo a todos que puderem que assistam a esse filme –, que foi premiado, que ganhou o prêmio de melhor filme do Festival de Gramado, o filme chamado Colegas. É um filme interessantíssimo, que trata com carinho especial as pessoas com deficiência. Quando tive oportunidade de vê-lo, notei que, entre todos que a ele assistiram, houve um misto de choro, de cumplicidade e de alegria, ao ver que Marcelo Galvão teve esse olhar, o olhar para as pessoas com deficiência.
Srª Presidenta, precisamos conhecer o imenso campo das deficiências, pois, caso contrário, vamos construir apenas rampas e calçadas, esquecendo-nos, por exemplo, dos idosos, dos deficientes visuais, dos autistas, dos surdos, que necessitam também de outros recursos.
Um exemplo dessa realidade está no relato que recebi de Creso João Santos Pinto, filho e pai de pessoas surdas. Diz ele:
O surdo não desperta nas pessoas a real gravidade dessa limitação, e isso é perigoso para eles, pois necessitam aprender com muita atenção. Viver desligado, devido a falta de audição, é condição sine quanon do silêncio. Por exemplo, se um cachorro rosnar atrás dele, ele não vai ouvir. Se houver uma briga, um conflito, e se ele estiver próximo, ele não vai ouvir. Se estiver pegando fogo na casa, ele não vai ouvir as pessoas que estão pedindo para que ele saia. Eles precisam ser muito trabalhados, conscientizados sobre os problemas do mundo que os cerca.
São palavras de um pai.
No fim de abril deste ano, foi divulgado o Censo 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificando 45,6 milhões de pessoas com pelo menos uma deficiência.
O Censo de 2010 trouxe também números assustadores sobre a acessibilidade nas escolas. Somente 18% dos prédios escolares da rede pública têm vias de acesso e banheiros apropriados para alunos especiais. Na rede privada, a realidade não é tão diferente: somente cerca de 32% dos estabelecimentos educacionais são considerados acessíveis aos alunos com deficiência.
Precisamos conhecer quais são as reais necessidades dessas pessoas e dar a elas oportunidade de acesso à educação. Precisamos preparar nossas salas de aula com portas largas, com materiais em braile e em áudio, com tintas, com ampliadores de textos, com gravadores digitais ou analógicos e outros. Destaco ainda o semáforo com aviso sonoro, com piso de alerta e com identificação de degraus e elevadores com avisos sonoros. Entretanto, nenhum desses recursos promoverá aquilo que queremos se as pessoas não estiverem abertas e qualificadas para exercer seu papel.
A falta de preparação dos profissionais da educação não é justificativa para a não inclusão das pessoas com deficiência no sistema regular de ensino. Segundo o Censo do IBGE, 61,1% da população com deficiência, de 15 anos ou mais, não têm instrução ou cursaram apenas o fundamental incompleto.
Lembro, Srª Presidenta, do vídeo A Experiência de Matheus, um aluno autista na escola, e do depoimento de sua professora, Hellen Beatriz Figueiredo, professora há vinte anos. O vídeo mostrou a experiência do menino autista e da professora. Foi uma experiência de inclusão que deu certo. Quem puder deve assistir a esse video, que está à disposição na Internet. No entanto, essa não é a realidade da maioria das escolas do nosso País, nem dos nossos mestres.
Outra barreira enfrentada pelas pessoas com deficiência é a falta de acesso à comunicação e à informação. Srª Presidenta, a acessibilidade de comunicação compreende o uso de ferramentas como a audiodescrição, a descrição de imagens, as teclas de atalho, os leitores de tela, só para citarmos alguns exemplos.
A fundadora da Oscip Escola de Gente, Claudia Werneck, ressalta a importância de vencermos os obstáculos para garantirmos a verdeira acessibilidade de comunicação. Ela diz:
Com o cruzamento raça/etnia, pobreza e deficiência, percebemos que essa população é ainda mais discriminada, porque é a soma de vários estereótipos. Para reverter este quadro, é preciso investimento em formação, em acessibilidade na comunicação, pois é onde ocorre a maioria dos processos de discriminação.
O trabalho dessa Oscip é um exemplo de mudança cultural. Entre as inúmeras ações da instituição, chama-nos a atenção a formação de 42 jovens, com e sem deficiência, das comunidades da Rocinha, de Jacarezinho e de Sulacap, no Rio de Janeiro.
Segundo matéria da Oscip, “o objetivo da iniciativa é sensibilizar jovens para disseminar e aplicar conteúdos sobre a questão da acessibilidade no dia a dia, na prática, em sua relação com a comunidade e com a sociedade, atraindo, inclusive, novas oportunidades no mercado de trabalho”.
Srª Presidenta, o Censo do IBGE também fez levantamento sobre as rampas e calçadas das cidades brasileiras. E veja os números. Apenas 4,7% das ruas do País têm rampa de acesso para cadeirantes. Nenhuma – repito, nenhuma! – cidade brasileira conta com essa benfeitoria em todas as suas ruas. A cidade com maior percentual de atendimento dessa exigência legal conta com 75,5% das ruas nessa situação. Trata-se de Jaguaribara, uma cidade com pouco mais de 34 mil habitantes, situada a
No que diz respeito à existência de calçadas, a situação é um pouco menos crítica. Na média, 69% das cidades brasileiras têm calçadas; 82,9% das cidades com mais de um milhão de habitantes têm calçadas contra apenas 53,2% das cidades menores de até 20 mil moradores. Contudo, apenas quatro cidades brasileiras têm calçadas em 100% das suas ruas.
Acredito que, para chegarmos a ser uma sociedade mais humana, precisamos de uma mudança cultural e do cumprimento da legislação. As pessoas precisam mudar por dentro. Essa é uma questão de alma, de sentimento, de coração. A própria Constituição Federal, no seu art. 182, ordena que a política de desenvolvimento urbano garanta o bem-estar aos seus habitantes, a ser executada pelo Poder Público municipal.
Recentemente, foi sancionada pela Presidenta Dilma a Lei nº 12.587, que estabelece as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, instrumento da Política de Desenvolvimento Urbano.
Nessa linha, podemos também citar o Decreto nº 5.096, de 2004, chamado Decreto da Acessibilidade. Esse instrumento regulamenta as Leis nºs 10.048 e 10.098, ambas de 2000.
Srª Presidenta, apresentei no Senado Federal, ainda em 2003, e na Câmara, dez anos antes, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. O Estatuto, aqui aprovado, está na Câmara. É um instrumento rico em direitos, é moderno e estará ao alcance de todos se for aprovado.
São mais de 200 artigos. Ele foi debatido amplamente, Brasil afora, pelo Movimento das Pessoas com Deficiência, e está em total acordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. O Estatuto dará efetividade aos princípios nele contidos. Essa proposta foi aprovada por unanimidade no Senado e, agora, está na Câmara dos Deputados, como eu dizia.
O Estatuto é um documento que está em harmonia com as discussões mais atuais sobre o conceito da AIA, observando os avanços trazidos principalmente pelos debates internacionais.
Consciência social se adquire com a responsabilização e a punição dos infratores das leis. O Estatuto prevê essa punição. As autoridades das três instâncias de Poder e a sociedade como um todo devem se sentir compelidas a cumprir aquilo que manda a lei. Todas as pessoas têm direito à felicidade. Essa é a condição mais humana deste mundo e é um anseio que nivela todos.
Srª Presidenta, quero ainda dizer que uma vez, aqui, relatei o caso da Amanda, que mexeu com todos nós. Depois, estive no aniversário dela e até hoje guardo na minha sala a camiseta e o cartão que recebi dela, em que ela falava da importância de o Senado se debruçar sobre um tema tão importante como a questão da deficiência. Lembro-me da mãe da Amanda, a Srª Beatriz, e do seu pai, Sr. Virgulino. Eles mostraram o quanto é importante o apoio e o carinho de todos para as pessoas com deficiência, para que elas possam viver com dignidade.
Srª Presidenta, claro que estive no baile da Amanda, nos seus 15 anos, dancei com ela, foi muito lindo e, por isso, mais uma vez, quando falo dessa questão, eu me lembro dela.
Para concluir, Srª Presidenta, quero dizer que tenho três pessoas com deficiência no meu gabinete, aqui e no Rio Grande do Sul. Um deles é o Luciano, que é cego e que ajudou a escrever esse pronunciamento. Ele escreveu um poema que aqui vou ler nesse tempo que me resta.
Diz o Luciano:
Mundo acessível
Sonho com um mundo acessível
Ruas, lojas, ônibus acessíveis
Livros acessíveis lidos na ponta dos dedos
Sonho com filmes acessíveis, com imagens acessíveis ouvidas no cinema
Sonho com as pessoas acessíveis
As consciências acessíveis
Os corações abertos
Os olhos abertos
Abertos à diferença, à riqueza humana
Às diferentes formas de ver o mundo
De andar no mundo
De ouvir o mundo
De crer no mundo
Mundo interno dos homens [e das mulheres]
Sem barreiras… preconceitos.
Srª Presidenta, esse poema do Luciano, que está na minha página, é de autoria dele, e ele, de forma poética, relata a sua vida e a sua história. Eu só espero que a Câmara dos Deputados aprove o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Por onde eu tenho passado, as pessoas não entendem e me perguntam por que a Câmara não aprova o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Quero cumprimentar a Ministra Maria do Rosário, que montou, inclusive, junto à sua Pasta, uma Comissão Especial, só para olhar o Estatuto da Pessoa com Deficiência e olhar a Convenção Internacional, as leis que existem no País, para ver se há alguma contradição. O Luciano, indicado pelo o meu gabinete, esse deficiente visual que trabalha comigo há anos, faz parte dessa comissão. E o que ele me diz é que, até o momento, tudo caminha bem.
Se tudo caminha bem, se pequenos ajustes se farão no Estatuto, eu faço, mais uma vez, o apelo que já fiz, diversas vezes, para que a Câmara dos Deputados vote alguns projetos que nós, aqui, aprovamos, e, causalmente, esses de minha autoria estão lá: o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o fim do fator previdenciário e o reajuste dos aposentados.
Avançamos até na política de cotas, que era considerada um tabu, que era considerada uma barreira intransponível que o Congresso não votaria. As cotas foram aprovadas, sancionadas, e, para o azar daqueles que pregavam o apocalipse com a política de cotas, não aconteceu nada, e a juventude, a sociedade brasileira está tranquila, tranquila com a política de cotas.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência é muito menos polêmico, como, no meu entendimento, não é polêmico sequer também, eu insisto, o fim do fator. Com o instituto da desaposentadoria, que o Supremo está praticamente decidindo, o Governo vai perder muito mais. As pessoas vão se aposentar pelo fator, vão pedir recálculos da aposentadoria; e, aí, vão ganhar salário integral e vão receber 50% antecipado, quando se aposentar, apesar do prejuízo do fator.
Por isso tudo, eu, mais uma vez, venho à tribuna fazer um apelo à Câmara dos Deputados: vamos votar. O Senado já votou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o fim do fator previdenciário e o reajuste aos aposentados e pensionistas que ganham mais que o mínimo. A questão do mínimo já está resolvida. Ninguém mais está debatendo, porque a gente construiu uma política da inflação mais o PIB – eu digo a gente, nós, Legislativo e Executivo. Todos nós sabemos que o salário mínimo, em 1º de janeiro, devido a essa política, vai ficar próximo de R$700,00. Ficará próximo, não chegará a R$700,00.
Se, agora, a questão é só a dos aposentados, e não querem vincular ao PIB, vamos vinculá-la ao crescimento da massa salarial, então. O Ministério da Previdência mede e tem como dizer, todo ano, qual foi o crescimento da massa salarial no País. Baseado no crescimento da massa salarial no País, você dá um reajuste para o aposentado, que vai ser em torno de 3%, 4%, pelos cálculos indicativos que eu tenho, até o momento.
Eu vou terminar, Senadora Ana Amélia – porque acho que já estou dentro do meu tempo, com a tolerância de V. Exa, que me deu os cinco minutos, embora eu não vá usar os cinco –, dizendo o que eu disse outro dia e vou repetir aqui. Se houver um sujeito no mundo que me prove que a previdência urbana é deficitária e que não dá para terminar com o fator previdenciário, eu renuncio ao meu mandato. A minha suplente vai ficar até feliz, quem sabe, se alguém conseguir provar isso. Mas me mostrem que, derrubando o fator e até dando reajuste para o aposentado, a previdência urbana ficará deficitária. Se isso acontecer, eu renuncio ao mandato. Renuncio. Eu sei que alguns gostariam que eu renunciasse. Então, se me provarem isso – olha a minha segurança no que eu estou dizendo… A previdência urbana, na qual se pega o fator e em relação a qual não há reajuste para o aposentado, é tão superavitária que eu digo: acabem com o fator, deem o reajuste módico que estão pedindo, e ela vai continuar superavitária. Apesar de tudo o que já fizeram ao longo da história, abrindo-se mão, da Constituinte para cá, de mais de R$200 bilhões da previdência, assim mesmo ela continua sendo superavitária.
Repito: se alguém me provar que a previdência urbana, em que se aplica o fator e em relação a qual não há reajuste para o aposentado, é deficitária, eu renuncio ao meu mandato. Eu disse algumas vezes isso, mas ninguém me provou o contrário. Só dizem que a previdência vai quebrar, se derem esse reajustezinho que nós estamos propondo. Mas eu estou tão tranqüilo!
Eu me lembro do salário mínimo, Senadora Ana Amélia, quando V. Exa era colunista e sempre me dava espaço para que eu falasse que o salário mínimo poderia ultrapassar US$100,00. Aí vinham os espertinhos e me chamavam de demagogo. V. Exa, não. V. Exa ainda dizia: “Eu acho que o Paim tem razão, pessoal. Há uma lógica, pela forma como ele está falando”. O salário mínimo hoje é de quase US$350,00, V. Exª acompanhou todo esse debate.
Era isso.
Agradeço a tolerância de V. Exª e considere na íntegra o meu pronunciamento.