“Há quem tente impedir a tramitação de projetos que contrariem seus interesses. Não é justo com o Brasil e com os familiares [das vítimas]”, diz PaimQuase três anos depois da tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), parentes das vítimas do incêndio continuam aguardando uma legislação do Congresso Nacional que contribua para evitar que fatos como aquele não se repitam. Uma das esperanças agora é o Projeto de Lei da Câmara (PLC 33/2014), que define procedimentos obrigatórios de prevenção e combate a incêndio e define responsabilidades em caso de acidentes. A proposta foi tema de debate da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta segunda-feira (17).
O projeto já passou pela Câmara dos Deputados no fim de 2013 e agora tramita no Senado, onde espera parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Se depender do relator Paulo Paim (PT-RS), a votação deve ocorrer na próxima quarta-feira (19) ou, no mais tardar, na semana que vem.
“Tentei mostrar para todos que o projeto pode não ser o ideal, mas é o possível. Talvez a gente faça uma emenda de redação e uma supressiva para que a proposta não tenha que retornar à Câmara. Dá para votar na quarta na CCJ e ainda neste mês votar no plenário, mediante um requerimento de urgência, visto que já há entendimento dos líderes neste sentido”, explicou Paim à Agência Senado após a reunião.
Durante a audiência, Paim relatou a existência de um lobby de empresários e grupos econômicos para que a proposta não avance. “Há quem tente impedir a tramitação de projetos que contrariem seus interesses. Não é justo com o Brasil e com os familiares. Mas estou comprometido com a causa e não terá lobby que vai atrapalhar”, disse o senador, que não pretende mais fazer audiência pública sobre o assunto.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) afirmou que é testemunha do esforço de Paim, mas a pressão de interesses econômicos e a falta de vontade política impediram até agora a votação no Senado.
Ele acredita que o projeto não é perfeito, mas pode ser considerado bom, com novidades importantes no que diz respeito à responsabilização de autoridades.
“O projeto não foi votado porque não querem que seja votado. Levar para o plenário é decisão política do presidente, dos líderes. Muitas matérias vão a votação sem parecer conclusivo nas comissões”, observou o deputado, que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Impunidade
O representante do Núcleo Missões de Amigos, Parentes e Sociedade em Geral na Defesa dos Direitos dos Cidadãos Vítimas da Negligência do Caso Kiss, Jorge Luis Malheiros, disse que tragédia tem que servir de exemplo. Segundo ele, uma lei moderna poderia evitar o “jogo de empurra” que está ocorrendo em Santa Maria e que tem resultado na impunidade dos responsáveis pelas mortes.
Emocionado, Jorge Luís Malheiros, que perdeu uma filha de 18 anos no incêndio, disse que o crime dela foi ter participado de uma festa num local em que as autoridades de Santa Maria diziam que estava regularizado, mas não estava:
“Estava tudo errado. Temos que tirar dali as lições para mudar, com uma legislação forte e profunda, com resposta do poder público àquela barbárie. Esse projeto tem que contemplar as responsabilidades, para que não se repita uma caça de gato ao rato em que cada um empurra a responsabilidade e ninguém assume nada. Isso é inaceitável”, lamentou.
Harmonia
O presidente da Federação Nacional dos Técnicos em Segurança de Trabalho, Armando Henrique, defendeu a aprovação de uma legislação harmônica, visto que cada estado e município têm suas normas específicas. Ele lamentou o fato de existirem no Brasil milhares de casas de shows e boates que sequer têm uma gestão de prevenção de acidentes:
“Nós temos as ferramentas na mão. O que falta é união de esforços e ação integrada […] Cada lugar tem uma legislação diferente, mas o material que pega fogo em Manaus também pega fogo em Brasília e a maneira de extinguir o incêndio não varia muito”, afirmou.
Armando Henrique, assim como o representante dos bombeiros civis do Distrito Federal, Francisco José Antonio da Silva, defendeu a mudança de cultura na sociedade brasileira, o que, segundo eles, será possível ensinando às crianças desde a pré-escola a importância da cultura prevencionista.
Sem saída
Um dos acidentes mais trágicos do Brasil, o incêndio na discoteca em Santa Maria ocorreu em janeiro de 2013 e deixou 242 mortos e 680 feridos.
O fogo começou quando um dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira acendeu um sinalizador de uso externo no interior da boate. As faíscas atingiram a espuma do isolamento acústico e, em poucos minutos, as chamas tomaram conta do estabelecimento, que estava superlotado e não tinha saídas de emergência.
A audiência desta segunda-feira contou ainda com a participação do representante da multinacional 3M, Aldemiro Ferreira, que apresentou novas tecnologias no combate a incêndios; e do coronel Alexandre Costa Oliveira, subcomandante do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, que defendeu mais investimentos nas instituições dos estados.
Também participaram o presidente do Conselho Nacional dos Bombeiros Civis (CNBC), Ivan Campos, que criticou o sistema militarizado e estadual dos Corpos de Bombeiros adotado no Brasil; e o representante do Ministério da Justiça, Anael Jacob, que informou as ações da Secretária Nacional de Segurança Pública para o setor.
Com informações da Agência Senado
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