Sugestões dos mais variados tipos marcaram a primeira audiência pública da Comissão Mista encarregada de analisar a Medida Provisória (MP 671/2015), que propõe contrapartidas aos clubes de futebol que quiserem refinanciar suas dívidas com a União.
O texto da MP 671, assinada pela presidenta Dilma Rousseff, em março, abre a possibilidade de os clubes de futebol refinanciarem débitos que estão, aproximadamente, em R$ 4 bilhões. Porém, os clubes que aderirem ao programa de refinanciamento deverão cumprir uma série de exigências que passam pela limitação dos gastos com futebol em 70% da receita bruta do clube e investimento no futebol feminino.
Para o presidente do Diário Lance!, Walter Mattos, se faz necessário manter as contrapartidas contidas na MP. O refinanciamento do passivo, segundo ele, autoriza a exigência de contrapartidas.
O ex-ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB-SP), considera a MP “uma conquista do futebol brasileiro”. Para ele, agora, o Congresso tem a obrigação de aperfeiçoar o texto enviado pelo Palácio do Planalto.
Em resposta a Pedro Tengrouse, professor de Direito Desportivo da FGV, que afirmou ser a MP 671 inconstitucional e sofrer de vício de origem por não cumprir o critério de urgência exigido pela lei, Orlando Silva salientou que caberá aos parlamentares construir um texto de consenso, sem partidarismos, para que a possibilidade de judicialização do texto seja afastada.
Além disso, Orlando Silva afirmou que a Medida deveria ter um foco mais específico e se ater ao refinanciamento da dívida e exigir como contrapartida, apenas a gestão mais profissional dos clubes. “Esses deveriam ser os pilares dessa MP”, disse.
Para o deputado federal Andrés Sanchez (PT-SP), ex-presidente do Corinthians, já existem leis específicas que permitem o indiciamento de dirigentes esportivos em caso de gestão temerária. Neste caso, bastaria a lei ser cumprida, sem haver a necessidade de inserção desse aspecto na MP 671.
Para o deputado, uma punição que funcionaria, de fato, é a inserção, nos estatutos e regulamentos das competições brasileiras, da possibilidade de perda de pontos e rebaixamentos automáticos para as equipes que deixarem de cumprir com seus compromissos. “Se não for assim, não passará de brincadeira ficar aqui discutindo fair play, investimentos, limites. Não existe maior pena para um dirigente que o rebaixamento de seu clube”, disse.
Clubes com gestões amadoras e deficitárias
Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva, apresentou um estudo em que mostrou, entre outras coisas, que o futebol brasileiro tem uma gestão amadora e deficitária.
De acordo com dados apresentados por Amir, as receitas dos clubes brasileiros não crescem há três anos, desde a última renegociação dos clubes pelos direitos de transmissão de TV em 2012. Além disso, apesar das receitas de clubes tradicionais estarem caindo, ano após ano, os gastos sobem e, com isso, também crescem os déficits financeiros das agremiações. “A fotografia de vencer a qualquer custo é que, todo mundo gasta demais, apenas um clube é campeão e todos fecham o balanço no vermelho”, resumiu.
Um exemplo de gestão moderna, citada por Amir, é a praticada atualmente pela diretoria do Flamengo, presidida por Eduardo Bandeira de Mello. Segundo ele, um dia marcante do futebol brasileiro, foi a data em que o Flamengo fechou contrato de fornecimento de material com a Adidas. Com isso, o clube conseguiu mais de 50 milhões de reais em luvas e, ao invés de fechar um contrato milionário com um jogador de ponta, pagou impostos. Hoje, segundo ele, o Flamengo é o único modelo sustentável no futebol brasileiro.
“Tenho certeza que, se não mudarmos o mecanismo de gestão do futebol brasileiro, ainda veremos clubes tradicionais do Brasil, fechar as portas”, enfatizou.
Walter Mattos sugeriu que os clubes sejam estimulados tributariamente e que sejam criadas as Sociedades Empresariais do Futebol (SEF) para os negócios do futebol. Assim, seria possível aumentar o potencial de atração de investimentos e o modelo também facilitaria a responsabilização de dirigentes pelo Código Comercial para gestão temerária.
Ele mencionou como exemplo o modelo alemão de gestão que, apesar de possibilitar a abertura do capital dos clubes, inclusive com ações na bolsa de valores, as agremiações sejam, sempre, sócias majoritárias das sociedades.
Outra sugestão de Walter é a criação de uma instância específica para coordenar esforços de segurança. Assim, se poderia aumentar a sensação de segurança e atrair novamente aos estádios o público que hoje não frequenta os jogos. Com isso, os clubes poderiam reforçar os cofres ao contar com uma importante fonte de renda que é a receita da venda de ingressos.
A Medida Provisória
Pela proposta apresentada pelo governo federal para o refinanciamento da dívida, os clubes de futebol terão entre 120 e 240 meses para quitar os débitos com a União. Nos primeiros três anos, haverá um sistema especial de pagamento que limita a parcela a um valor entre 2% e 6% das receitas. Quem optar por refinanciar a dívida em dez anos (120 meses) terá abatimento maior nos juros do que os clubes que escolherem o pagamento em 20 anos (240 meses).
Os clubes que aderirem ao refinanciamento terão que cumprir uma série de contrapartidas, entre elas:
– Pagar em dia as obrigações tributárias, trabalhistas e direito de imagem para todos os jogadores;
– Publicar demonstrações contábeis padronizadas e auditadas;
– Gastar no máximo 70% da receita bruta com o futebol;
– Manter investimento mínimo e permanente nas categorias de base e no futebol feminino;
– Não realizar antecipação de receitas a não ser em situações específicas;
– Adotar um cronograma progressivo de redução dos déficits;
– E respeitar todas as regras de transparência da Lei Pelé.
Ciclo de debates
Na próxima quarta-feira (06), a Comissão Mista da MP 671/2015 realizará a segunda audiência pública para debater a matéria.
Na oportunidade, deputados e senadores receberão: Alfredo Sampaio da Silva Júnior, presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol do Rio de Janeiro; Rinaldo José Martorel, presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF) e representante da Associação Nacional dos Árbitros de Futebol (ANAF).
Rafael Noronha
Confira a íntegra do estudo apresentado por Amir Somoggi
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