O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT – RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senadora Ana Amélia, ontem foi 13 de maio. Foi também o Dia das Mães. E eu falei sobre o Dia das Mães na sexta. Hoje eu quero falar sobre o 13 de maio data da dita Abolição da Escravatura. Por ter coincidido com o Dia das Mães pouco se falou no País sobre essa data.
É uma data que para mim tem que ser lembrada sempre, até porque nós não queremos, não admitimos, não aceitamos escravidão, tortura, assassinato do nosso povo, seja negro, branco, índio, oriental, não admitimos com ninguém.
Por isso, Srª Presidente, eu começo dizendo: somos uma Nação de grande magnitude que alcançou sem dúvida, nos últimos tempos, reconhecimento mundial. Mas nem todos sabem que nós somos a Nação fora da África a mais negra. Nossa história registra que 40% dos africanos trazidos para as Américas como escravos chegaram ao Brasil em 1530. E eu acredito que o Brasil não pode, não deseja negar os fatos, nem fugir da sua história.
A história conta que os africanos foram arrancados da sua terra, do convívio com sua família e jogados em porões dos chamados navios negreiros. Depois foram atirados em senzalas e submetidos a todo tipo de tortura, humilhação e assassinatos. Então, após longos anos de sofrimento, chegou a noite de 13 de maio de 1888.
A abolição da escravatura foi muito esperada e, quando chegou, o momento foi de festa, foi de alegria. A palavra “liberdade” estava no ar e soava como anúncio de um novo momento, de uma boa vida para negros, brancos e índios. Mas as coisas não aconteceram assim. Todos sabem que aquela abolição não pôs fim de fato à escravidão. Nós estamos vivendo, há 124 anos, a abolição da escravatura não conclusa, tanto que o Supremo Tribunal Federal somente agora, agora, nos últimos dias, aprovou a possibilidade de os negros terem direito a quotas para chegarem a uma universidade. Passados 124 anos, nossa realidade mostra que a população negra continua sofrendo as consequências da escravidão. Vamos aos fatos.
Pesquisas conduzidas, nos últimos 25 anos, pelo Núcleo de Estudos da População da Unicamp apontam os seguintes números da chamada discriminação racial presente na sociedade brasileira, que determina diferentes padrões de atendimento e tratamento, por exemplo, de saúde, educação e segurança da população negra.
O risco de morte por desnutrição é, por exemplo, para o negro, 90% maior do que para aqueles que não são negros. Fonte: Ministério da Saúde. A chance de morrer por tuberculose entre adultos é 70% maior do que para aqueles que não são negros.
A Organização Mundial da Saúde recomenda, no mínimo, seis consultas de pré-natal. Pois bem. As estatísticas mostram que o índice de mulheres que passam por mais de seis consultas no pré-natal é de 62% entre mães de nascidos vivos que não são negros e de apenas 37% entre as mulheres negras. Ou seja, 62% de mulheres que não são negras fazem os exames seis vezes e as mulheres negras, 37%, praticamente a metade.
A mortalidade de crianças negras até o quinto ano de vida é de 36 por mil, diminuindo para 28 por mil se se tratar de crianças que não são negras.
A socióloga, demógrafa e professora Estela Maria Garcia Pinto da Cunha, coordenadora do Nepo, disse que, além do histórico de vulnerabilidade social em que viveram e vivem os negros desde a época da escravatura, estudos mostram que, mesmo controlando variáveis socioeconômicas, como renda e educação, existe na saúde um diferencial, se compararmos com aqueles que não são negros. Há um efeito racial profundo.
A socióloga Estela Maria frisou que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, aprovada em 2006 pelo Conselho Nacional de Saúde, tem de ser cumprida, pois enumera os objetivos e estratégias em todo o sistema de saúde para se chegar, de fato, a uma política de igualdade de tratamento. Ela enfatizou que a política é uma resposta do Governo Federal às desigualdades em saúde da população negra e traz como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais para as condições de saúde dos negros em nosso País.
Todos sabem também, Sr. Presidente, que os negros continuam ocupando postos de menor destaque, recebendo salários menores que aqueles que não são negros. Quando se trata da mulher negra, é pior ainda. As pesquisas mostram que, em média, o homem negro ganha 50% do salário do homem branco. Já a mulher negra ganha, em média, 50% do que ganha a mulher branca. Levando em conta que a mulher que não é negra ganha metade do que ganha o homem branco, imaginem o salário de uma mulher negra, que é a metade da metade da metade, para sobreviver. Como vemos, o preconceito não é só de raça e de cor, é também de gênero.
Passados 124 anos, a taxa de pobreza entre negros é bem, bem mais alta que entre aqueles que não são negros. A taxa de analfabetismo no Brasil também é maior entre a população negra. Nesse caso, a diferença ultrapassa 50%. Dizia-me, de manhã, o Senador Cristovam que o número de analfabetos no Brasil fica em torno de 14 milhões. Com certeza, em torno de 70% desses analfabetos são negros.
Mas, Senadores, vamos às notícias e às estatísticas que foram publicadas e teremos diante de nós todas as evidências de quanto é forte ainda, infelizmente, o preconceito e a discriminação. Por exemplo, nossos heróis negros: ou eles são desconhecidos, como aconteceu com os gênios da engenharia, os irmãos Rebouças, engenheiros, ou a cor de sua pele não é revelada, como é o caso de Machado de Assis, Chiquinha Gonzaga, Aleijadinho e tantos outros. Mas dei destaque aos engenheiros, irmãos Rebouças.
É o caso também dos lanceiros negros, considerados por Giuseppe Garibaldi os maiores guerreiros de todos os tempos. Giuseppe Garibaldi, herói da unificação italiana e grande internacionalista, que lutou ao lado dos Farrapos, disse que nunca viu um corpo militar lutar com tanta bravura como os destemidos guerreiros, chamados lanceiros negros, que lutavam sem armas de fogo, mas de posse de uma lança um pouco maior do que aquelas chamadas comuns. Lembro aqui que nós, brasileiros, não sabemos sequer o nome dos lanceiros negros. Quando Garibaldi voltou para a Itália, levou um quadro no qual estavam os lanceiros negros e contou sobre sua bravura, que lutavam com lanças e não com armas de fogo. Digam-me se alguém sabe o que aconteceu, quando terminou a Revolução dos Farrapos, com os bravos guerreiros chamados lanceiros negros. A Revolta Farroupilha começa em 1835 e os farroupilhas prometiam dar liberdade aos escravos que batalhassem a seu favor.
No final de 1844, já há 9 anos em guerra, a província desgastada, a guerra parecia perdida. Com o intuito de dar um fim ao conflito, na madrugada de 14 de novembro, foi dada a ordem pelo poder imperial para que tirassem as armas dos escravos, mas dos escravos negros. O argumento era o medo de que esses se rebelassem, exigindo o fim da escravidão. Assim, por volta das duas horas da madrugada, as tropas imperiais, conforme diz a História, comandada por Caxias – comandada a longo prazo, porque ele mandou uma carta, que está publicada em inúmeros museus no Rio Grande –, entraram no campo de Porongos e o corpo dos lanceiros negros, desprotegido, foi então dizimado.
Os lanceiros foram assassinados covardemente pelo poder imperial, porque o poder imperial entendia que, se cumprisse o acordo firmado entre os farrapos e os negros, nós estaríamos, segundo eles diziam, acendendo a chama da liberdade e todos os negros teriam que ser libertados. Para não dar liberdade aos negros – isso ocorreu antes de 13 de maio de 1888 –, eles resolveram matar os negros para que a liberdade não iluminasse os céus do nosso Brasil.
Srª Presidente, em meu livro “Cumplicidade”, escrevi uma poesia em homenagem aos lanceiros negros. Já li da tribuna, mas vou ler de novo hoje a poesia que eu escrevi:
Negros Lanceiros
Noite de Porongos
Noite da traição.
Lanceiros, sei a noite em que morreram
– 14 de novembro de 1844.
Não sei o dia em que nasceram.
Não sei os seus nomes.
Só sei que em tempo de guerra
Vocês foram covardemente
Assassinados,
Em nome da paz.
Somos todos lanceiros.
Queremos justiça.
Somos amantes da paz e da vida.
Lanceiros, guerreiros,
Baluartes da liberdade.
Lutaram e morreram sonhando com ela.
Negro lanceiro,
Mesmo quando tombava [ao som das armas de fogo
– e ele nem da lança estava de posse],
Dizia
Sou um lanceiro,
Sou negro,
[Quero] Liberdade, liberdade, liberdade.,.
Srª Presidente, trazendo à memória esses 124 anos, eu não estou aqui dizendo que a Lei Áurea não foi importante. A Lei Áurea pode, sim, ser lembrada como processo de luta contra a escravidão, mesmo considerando que, na prática, muitos dos escravos já haviam conseguido a liberdade por seus próprios esforços ou comprando a liberdade ou pela decisão do próprio sistema econômico na época, já que não era mais interesse sustentar a escravidão.
Antes disso, o negro, com a violência do chicote, sofreu e, depois, foi marginalizado. Os resultados disso, obviamente, só poderiam ser a miséria, a tristeza e o preconceito. Ao negro não foi dado direito no momento da abolição. Mesmo que tivesse dinheiro, ele não poderia comprar terra, ele não poderia estudar e também não tinha o direito de exercer a mesma atividade daqueles que estavam chegando de outros países e que não eram negros.