Instituição fundamental à democracia, o Parlamento enfrenta há tempos uma crise de credibilidade no Brasil. Em 2018, o Congresso Nacional registrou apenas 18 pontos (em um total possível de 100) no Índice de Confiança Social (ICS), medido anualmente pelo Ibope. Além disso, 79% dos eleitores não se lembram em quem votaram para o Legislativo Federal em 2014, segundo levantamento do instituto Ideia Big Data.
Na disputa de 2014, o pleito mais recente, 19,34% dos eleitores votaram nulo ou em branco para senador. Esse percentual que é mais que o dobro dos votos nulos e brancos para a Presidência da República na mesma eleição, de 8,69%.
Poder plural?
Dado o descontentamento do eleitorado em geral, o cientista político Jorge Almeida, professor da Universidade Federal da Bahia, considera até surpreendente que o número de votos nulos e brancos para o Congresso não seja ainda mais alto do que tem sido registrado nas últimas eleições.
“O Legislativo, como parte do Estado, representa principalmente os interesses da classe e elites políticas dominantes. Mas é um espaço estatal menos fechado e monopolizado. É mais permeável a que correntes de pensamento majoritárias ou minoritárias possam estar representadas, permitindo alguma diversidade das demandas e necessidades presentes na sociedade”.
O desinteresse ou mesmo a rejeição do povo ao Parlamento se explica por sua prática real, que é predominantemente anti-popular, avalia Almeida. “Mas a rejeição ao voto hoje não faz bem à luta democrática”.
Descompasso
O cientista político aponta três fatores que explicam essa desconexão entre os cidadãos — em tese, os representados no Parlamento — e seus representantes. O descompasso começa na composição do Legislativo, que não expressa a cara real da sociedade em sua diversidade de gênero, raça ou classe. Só para lembrar um aspecto dessa distorção, as mulheres são 52% da população, mas apenas 9,8% entre os integrantes da Câmara dos Deputados e 13% entre 81 senadores.
O desencontro entre sociedade real e a parcela efetivamente representada no Parlamento resulta na falta de sintonia do Congresso com os verdadeiros interesses da sociedade. “O parlamento basicamente vota contra os interesses da maioria, tem uma composição majoritariamente corrupta e fisiológica”.
Mordomias
O terceiro aspecto — e que não é menos importante —, ressalta Almeida, é a própria estrutura do Legislativo. O excesso de cargos comissionados, vantagens e privilégios costuma provocar estranhamento e mal-estar nos que pagam a conta. “É uma estrutura que privilegia a reprodução dos mandatos. São muitos cargos, muitas verbas, uma máquina voltada principalmente para garantir a reeleição de quem já está lá”.
Especialmente em momentos de crise, essas vantagens não ajudam em nada à imagem do Parlamento aos olhos da maioria. Quando a economia vai bem e a vida é menos penosa, a má vontade da população tende a diminuir, aponta Almeida. Ele lembra que o inchaço das vantagens e da estrutura à disposição dos parlamentares tem origem no regime militar e seria uma espécie de “compensação” à retirada de poder e de prerrogativas do Legislativo durante a ditadura.
Virar o jogo
Se o Parlamento é essencial à democracia, é preciso alterar esse estranhamento e reaproximar a instituição dos eleitores. Essa, porém, não é uma tarefa fácil. “Para as candidaturas populares, é uma tarefa árdua vencer essa descrença e se diferenciar do geral. Mostrar que vale a pena votar em um parlamentar e em um projeto diferente”, reconhece Jorge Almeida. Essa reaproximação depende exige uma mudança na prática dos eleitos ao longo dos mandatos.
Estrutura mínima
Almeida lembra que o assalariamento de parlamentares E a garantia de uma estrutura mínima bancada pelo Estado para assegurar o exercício de mandatos não foram invenção das elites. São propostas defendidas pela primeira vez pelo Cartismo, movimento de operários ingleses surgido na Inglaterra na década de 1830.
Além de exigências relativas às condições de trabalho — redução da jornada diária para 10 horas, por exemplo — os cartistas reivindicavam que os trabalhadores tivessem o direito de votar e de também serem votados.
E para que esses mandatos populares pudessem ser exercidos, lembravam eles, seria necessário assegurar que os parlamentares operários tivessem garantido o sustento, já que não conseguiriam conciliar o ofício com a atividade política. Na época da Revolução Industrial, o tempo livre, dissociado da busca do sustento, era um luxo acessível apenas aos aristocratas e à alta burguesia.
Jorge Almeida ressalta que pagar salário a quem exerce um mandato, assim como assegurar uma estrutura para o exercício da representação dos eleitores, é fundamental para garantir que não apenas os muito ricos possam se dedicar à política. Mas lembra que há uma grande distância entre essa estrutura básica, essencial ao funcionamento da democracia representativa, aos privilégios hoje em vigor. “A quantidade de recursos à disposição de quem exerce um mandato eletivo no Brasil é enorme e rara no mundo”.
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