Parto humanizado depende do Legislativo para ganhar força

 

Ana Rita anunciou empenho para agilizar tramitação de projeto, que está parado na Câmara dos Deputados à espera de relator

Parto humanizado depende do Legislativo para ganhar força

Elisa, com Yara no colo, contou a Ana Rita e aos
participantes de audiência pública sua experiência

Cesarianas desnecessárias, queixas de parturientes quanto à assistência que recebem em hospitais, situações de risco em procedimentos cirúrgicos que ameaçam a vida de mães e recém-nascidos. O Poder Legislativo tem papel a cumprir a fim de transformar uma realidade que, hoje, causa de constrangimentos a mortes no Brasil e impede que mulheres exerçam o direto de escolher como seus filhos virão ao mundo.

As comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Assuntos Sociais (CAS) realizaram, na manhã esta terça-feira (27), audiência pública a fim de debater o parto humanizado. Estiveram presentes, além de parlamentares, representantes da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República, do Ministério da Saúde e a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti.

O evento evidenciou a necessidade de o direito ao parto normal e humanizado receber apoio para que passe de diretriz de governo a política de Estado. Isso fará com que orientações presentes do Ministério da Saúde ganhem força e fiquem protegidas de eventuais retrocessos. “As mulheres precisam saber quais os seus direitos e também precisam escolher como terão seus filhos”, disse, ao final do evento, a senadora Ana Rita (PT-ES), que preside a CDH e assinou o requerimento para realização de audiência pública.

Ana Rita anunciou que se empenhará para agilizar a tramitação de proposta que garante condições para a ocorrência do parto humanizado em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto de lei 6567/2013, que teve origem no projeto de lei do Senado 8/2013, apresentado pelo senador Gim Argelo, está, desde outubro do ano passado, na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados, à espera da designação de um relator.

Violência
A Fundação Perseu Abramo publicou dado que, por si só, justifica a escolha do parto humanizado para tema da audiência pública. O levantamento mostra que, no Brasil, 31% das mulheres declararam ter sofrido violência no parto. Entre os relatos, há casos de xingamentos, de toques indevidos e a proibição do acompanhante no parto, impedimento que contraria a lei 11.108, sancionada em 2005 para garantir a presença de acompanhante em unidades do Sistema Único de Saúde – essa norma nasceu de proposição da então senadora Ideli Salvatti (PT-SC).

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, em todo o mundo, perto de 800 mulheres morrem diariamente em razão de complicações associadas à gravidez. Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) indica que 9 mil mulheres latino-americanas e caribenhas morreram em 2013 de causas relacionadas à gravidez. Das vítimas que estão na América Latina, um quarto padece no Brasil. Também de acordo com a OMS, a atenção pré-natal poderia evitar 90% desses óbitos.

O Ministério da Saúde coloca em prática, por meio a Rede Cegonha, estratégia para fazer funcionar uma rede de cuidados que assegure às mulheres, nos municípios, o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério. Essa iniciativa busca também dar às crianças o direito ao nascimento seguro e ao crescimento saudável. Isso por meio de atendimento pré-natal, no parto e no pós-parto.

O Rede Cegonha, objeto de portaria de 2011 do ministério, integra as ações do governo federal para estruturar e organizar a atenção à saúde materno-infantil, com foco nas taxas de mortalidades infantil e materna. Essa iniciativa contribuiu para o Brasil, entre 1990 e 2011, baixar o número de óbitos por nascidos vivos de 53,7/1 mil nascimentos para 17,7/1 mil nascimentos. Com isso, o País atingiu com antecedência meta da ONU para redução, em dois terços, das mortes de crianças até 5 anos.

Em relação à mortalidade materna, dificilmente o Brasil cumprirá o compromisso proposto pela ONU para alcance até 2015. Seria necessário chegar aos 35 óbitos a cada 100 mil nascimentos. Esse patamar implica a redução em pouco mais da metade do indicador registrado em 2011, ano em que o índice chegou aos 63,9 por 100 mil nascimentos. “Um desafio enorme que temos é a qualificar a atenção intra-hospitalar”, avalia o diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, Dario Frederico Pasche.

Durante a audiência pública, a presença de uma mãe, com uma criança de colo, chamou a atenção dos participantes da mesa. Elisa Lorena, de 26 anos, tinha colada ao corpo, durante todo o tempo, Yara Lorena, de 5 meses, e foi chamada para compartilhar com os presentes a experiência que viveu no começo deste ano, quando deu à luz em casa, na companhia de uma enfermeira. “Eu queria que outras mulheres vivenciassem a experiência prazerosa do parto com respeito”, relatou. “Sou a favor que tenham mais doulas, mulheres experientes em amparar mulheres.”

O representante do Ministério da Saúde reconheceu que o parto humanizado é assunto que depende de ações dos poderes Executivo e Legislativo para mudar o atendimento que as mulheres gestantes recebem nos hospitais e postos de saúde. “É um desafio que as instituições de saúde recuperem esses conceitos (citados no discurso de Elisa), que são mais intrínsecos à vida”, disse Pasche. “Essa é uma agenda que, sim, tem que ser da sociedade brasileira.”

A SPM e o Ministério da Saúde preparam cartilha com os direitos das mulheres. Na publicação, é certo que o parto normal terá espaço. “Será assim para orientar cobranças”, justificou a secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da SPM, Vera Soares. “Experiência inglesa sinaliza que 85% das gravidezes se resolvem em partos fisiológicos”, comentou o diretor Pasche. Ana Rita informou que pretende debater novamente o parto humanizado, desta vez com a presença de representantes da sociedade civil.

Luís Cláudio Cicci
 

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