A legitimidade do sistema de cotas está finalmente reconhecida no Brasil, especialmente após o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a constitucionalidade da medida e o Congresso Nacional aprovar a legislação (Lei 12.711/2012) que regulamenta a execução, com o aval da presidente Dilma Rousseff. Mas nem toda essa arrumação pode garantir que a nova política vai funcionar na prática. Por isso, o senador Paulo Paim (PT-RS) decidiu acompanhar o cumprimento da nova lei e, nesta terça-feira (10/09), como primeiro passo, chamou a sociedade organizada para um debate na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), onde constatou que é preciso intensificar a divulgação das mudanças que começaram a valer desde o último dia 29 de agosto, a partir da sanção presidencial.
“O importante não é só aprovar a Lei. É também trabalhar para o funcionamento. Grande parte das escolas públicas e as próprias universidades públicas não tem domínio ainda do que foi aprovado. Um dos encaminhamentos que julgo necessário é mandar uma cópia da nova legislação, com a devida explicação do MEC [Ministério da Educação], para todas as instituições de ensino”, afirmou Paim, que, logo em seguida, afastando a necessidade de regulamentação complementar, sugeriu: “essa Lei tem que ser aplicada. O MEC só precisa dar orientações de como é que vai se aplicar a Lei”.
Pela redação da Lei de Cotas, as universidades e escolas técnicas federais deverão reservar, no mínimo, 50% das vagas para estudantes que tenham cursado todo o ensino médio em escolas da rede pública. Dentro dessa cota mínima, deverá haver a distribuição entre negros, pardos e indígenas, proporcional à composição da população em cada estado, tendo como base as estatísticas mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Essa sistemática, na avaliação de Paim, é justa porque beneficia a parcela da população que mais precisa e não apenas segmentos da sociedade. Segundo ele, apenas 10% dos cotistas (negros, índios e pardos) conseguem pagar ensino superior privado; enquanto aos 90% restantes cabe apenas concorrer às vagas das universidades federais. E mesmo assim, com a definição de 50% das vagas para cotas, 25% é de cunho social. Ou seja, nas regiões onde a porcentagem de cotistas for inferior a 25%, as vagas remanescentes também serão dedicadas à população de baixa renda. “Então, quem ganha é o Brasil. Brancos, negros e índios que vão chegar a universidade com a política de cotas. Isso tem que ser dito, se não fica dando a impressão que a Lei só atende um setor da população, o que não é verdade”, afiançou o senador.
Na mesma linha, os representantes de movimentos sociais apostam que as cotas serão um instrumento de justiça social e de combate ao racismo. Eles garantem que a reserva de vagas não vai prejudicar a qualidade do ensino nem ferir a meritocracia, uma vez que os candidatos terão que obter a nota mínima do concurso seletivo para conseguir acesso às instituições. “A Lei de Cotas deverá ampliar de 8,7 mil para 52 mil o número de estudantes negros que ingressam anualmente nas universidades públicas federais. É a chance de o Brasil acabar com as sequelas de um passado racista”, afirmou o ministro interino da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Mario Lisboa Theodoro.
Outros desafios
Para o coordenador da Educafro de Brasília, Fernando Benício dos Santos, a aprovação da nova política de cotas foi um avanço importante, mas é preciso ir além: “Temos que nos preocupar agora com os que entram e não conseguem concluir o ensino superior. Das 100 mil bolsas do Programa Ciência Sem Fronteiras, apenas 1% é destinado a negros”, informou.
Diante da baixa participação de bolsistas negros no programa, Theodoro informou que a Seppir está conversando com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), responsável pelo projeto, buscando estabelecer um percentual mínimo de 30%.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que já foi reitor da Universidade de Brasília (UnB), ponderou que o passo seguinte à nova política deve ser a ampliação dos níveis de alfabetização dos negros. “Temos que dar um salto adiante e lutar por educação igual para todos para que, futuramente, não sejam necessárias mais cotas. Negro é tão inteligente quanto branco, desde que tenha oportunidade de estudar”, justificou Cristovam, após observar que é impossível melhorar a proporção de negros no ensino superior sem a melhora da educação de base no País. “Temos apenas 3,8% de negros nas universidades e não vamos conseguir aumentar muito porque são poucos que terminam o ensino médio”, destacou.
Com informações da Agência Senado
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