O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT – RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente Senador Valdir Raupp, aguardei esses vinte minutos porque queria falar sobre um feriado que acontece amanhã no meu Estado, o Rio Grande do Sul. Amanhã é vinte de setembro, uma das datas mais importantes de toda a história do povo gaúcho.
Vinte de Setembro, Sr. Presidente, é o aniversário da Revolução Farroupilha, que durante dez anos, de 1835 a 1845, fez com que homens e mulheres desejosos de república e federação fossem ao campo de batalha enfrentar o poderoso império brasileiro.
O Vinte de Setembro, Sr. Presidente, foi o início e o fim de uma das mais duras guerras contra o poder centralizador e escravista. Lutávamos, sim, pela independência, mas lutávamos também a favor da liberdade dos escravos, estando na linha de frente daquela revolução os Lanceiros Negros.
Um panorama, Sr. Presidente, daquele período da história do Brasil pode ser resumido da seguinte maneira.
A base da economia gaúcha era a pecuária extensiva, voltada à produção do charque. Sobre esse produto era cobrado imposto de 25%, enquanto o imposto cobrado sobre o charque que vinha da Argentina ou do Uruguai era de aproximadamente 4% – algo semelhante ao que acontece hoje nessa triangulação que a China faz, atingindo os mercados brasileiros, principalmente o mercado gaúcho.
Sr. Presidente, o Presidente da Província era nomeado pelo Governo Imperial e administrava o Estado de acordo com os interesses da Corte – isso a gauchada não aceitava. Além do mais, o desejo expansionista do Império colocava o Rio Grande em permanentes peleias com os países chamados platinos, o que causava enormes prejuízos à produção local, ou seja, à produção gaúcha. Não havia, portanto, uma continuidade na economia devido às interrupções causadas pelas guerras. A política fiscal do Império cobrava altas taxas sobre o sal, principal insumo do charque. Em 1835, no ano em que se iniciou a revolta, o Império criou diversos tributos, como os impostos sobre légua quadrada de pastagem, sobre esporas, sobre estribo. Juntando-se a tudo isso, havia o derramamento de moedas de cobre falso e o crescente desvio de recursos financeiros para outras províncias.
Na obra clássica dos anos 1970, Raízes Socioeconômicas da Guerra dos Farrapos, o professor norte-americano, Spencer Litmam, diz que a corrupção continuava, mas as fontes de renda da província aumentavam com a nova organização estrutural e processual. O governo central arrecadava mais dinheiro, porém não distribuía mais verbas para construir uma infraestrutura adequada – coisa contra a qual até hoje a gente está peleando.
Assim, Sr. Presidente, aos poucos, o sentimento de que os rio-grandenses estavam sendo saqueados começa a tomar corpo em toda a nossa querência. Gritos de liberdade ecoaram no pampa, e os toques de clarins, como vulcões adormecidos, explodiram em direção ao céu, como cigarras cantadeiras nas copas dos tarumãs.
É setembro, é primavera. As adagas e as garruchas faziam floreios em canhadas e coxilhas e as cantilenas prenunciavam novas tormentas. “Alto lá” – gritou um campeador do alto de seu pingo tordilho. Quem quiser acompanhar o vento saiba que o horizonte é a república, é liberdade, é igualdade, é solidariedade, é humanidade.
O decênio farroupilha teve como principal motivo, no meu entendimento, a busca de ideais progressistas não só para o Rio Grande, mas também para outras províncias que poderiam se tornar independentes e, assim, seriam unidas em uma grande federação.
A terra foi semeada com essas idéias, e foi assim, senhores e senhoras, que ocorreu a adesão de pobres do campo, mestiços, índios, escravos, mulatos e negros guiados pela chama, pelo farol da liberdade. O sonho de liberdade estava vivo para essa gente guerreira, pois havia a perspectiva de melhores condições de vida e uma terra sem escravidão.
Certa feita, Olavo Bilac escreveu que os farroupilhas foram os primeiros criadores da nossa liberdade política. Eles não olhavam para si: olhavam para a estepe, olhavam para o horizonte infinito que os cercava, para o infinito céu que os cobria, e nesses dois infinitos viam dilatar-se, Sr. Presidente, irradiar e vencer no ar livre o seu grande ideal de justiça e de fraternidade.
O Rio Grande do Sul não lutou contra o Brasil. Lutou, sim, contra o Império. E isso está muito bem representado e simbolizado pela manutenção do verde-amarelo, acrescido do vermelho republicano na bandeira tricolor de Piratini.
Diz ali, Sr. Presidente:
“Velho lábaro sagrado
da república andarilha
que andejou serra e coxilha
na vanguarda dos heróis!
Colorido de arrebóis
das manhãs continentinas
tens o verde das campinas
tens o ouro dos trigais
e o rubro dos ideais
da farrapa-montonera
velha e gloriosa bandeira
mortalha dos imortais.”
Senhores, eu, que sou amante desta causa e que me considero um farrapo que nunca esqueceu os ideais da liberdade, não podia deixar de, no dia de hoje, véspera do Vinte de Setembro, vir à tribuna do Congresso Nacional para falar em nome de todos os gaúchos e gaúchas.
Amanhã, Sr. Presidente, na Comissão de Direitos Humanos desta Casa, vamos realizar um encontro sobre o tema que aqui desenvolvi. Estarão lá historiadores, professores, especialistas e tradicionalistas que vão nos dar a oportunidade de conhecer um pouco mais o Rio Grande, com um belo debate sobre a nossa história, sobre as nossas raízes.
Vamos abordar temas como a Proclamação da República Rio-Grandense; a Proclamação da República Juliana (Santa Catarina); o legado de Bento Gonçalves, de Antônio de Souza Neto, de Giuseppe Garibaldi; o significado da maçonaria na revolução; a participação dos negros, dos Lanceiros Negros – que, no fim da guerra, foram desarmados, e a maioria foi covardemente assassinada pelo poder imperial –; e do que foi o massacre e a traição dos Porongos, onde centenas, como eu dizia, foram covardemente assassinados. Vamos falar das mulheres, das mães, das filhas, das guerreiras, das Anas Terras e Bibianas, que teciam lenços e preparavam a terra, sonhavam em proteger seus amados e seus frutos, com esperança aguardavam a volta de seus homens e seus filhos que peleavam na guerra.
Os lenços tecidos e tingidos serviam para proteger seus corpos do vento e também para enfeitar as janelas de suas casas e ranchos. Os ventos e o tempo vinham com boas e más notícias. Às vezes com cores brancas e, outras, vermelhas, encharcadas de sangue. E essas mulheres seguiam acreditando que, um dia, voltariam a tecer lenços de todos os tamanhos e matizes, selando a paz e a liberdade.
Sr. Presidente, a Epopeia Farroupilha deixou inúmeras marcas estampadas no cotidiano popular e na psicologia do povo sulista: a rebeldia e a luta são marcas da nossa gente. Não tem como olhar para o Rio Grande e não lembrar destas duas pequenas expressões: rebeldia e luta.
Passados 176 anos, muitos problemas ainda afetam o Rio Grande do Sul, mas, como disse aquele guerreiro na frente de luta, alto lá. Como bem disse o campeador, os problemas do meu Estado não são diferentes dos de outros Estados da Republica Federativa do Brasil.
Defendemos, sim, um novo pacto federativo para equilibrar o caminho da distribuição de recursos orçamentários e de serviços a serem prestados à população. Descentralização de recursos e de responsabilidades: os Estados e os Municípios, ao serem beneficiados por um novo pacto, devem construir e criar agendas sociais focadas na melhoria de vida das pessoas com o devido corte das diferenças.
Sr. Presidente, a tarefa é árdua para o povo do Rio Grande, obras de infraestrutura são necessárias. Claro que queremos sucesso na Copa do Mundo, claro que queremos sucesso nas Olimpíadas, mas, para tudo isso, temos que avançar na construção de um novo aeroporto, na ampliação do Salgado Filho, no avanço do metrô, numa nova ponte sobre o Guaíba, numa alternativa à BR 116, na conclusão da obra Multipalco do Teatro São Pedro, na rodovia do Parque.
O gargalo logístico é outra preocupação, e no governo Lula avançamos nesse sentido. Com o Polo Naval, uma das prioridades a terminar a duplicação do trecho da BR 392 de Pelotas a Rio Grande. Assim, melhoraremos o acesso também ao porto.
O Estado tem um índice de coleta e tratamento de esgoto de 19%, enquanto a média brasileira é de 50%. Na agricultura familiar, Sr. Presidente, a busca é por uma política de preços mínimos que superem os custos. No setor agropecuário, por exemplo, o Estado deixou de receber, de 2003 a 2010, repasses de R$14 milhões por ano para iniciativas de combate à febre aftosa – tão falada aqui por diversos parlamentares –, brucelose, controle de fronteiras e programas de suinocultura e avicultura.
Há neste momento uma grande mobilização para pedir a alteração da portaria do Ministério de Minas e Energia que excluiu o carvão mineral da matriz energética. Recentemente realizamos uma audiência, lá na Comissão, onde solicitamos que o Ministério de Minas e Energia olhasse essa questão com o maior carinho. Temos dezenas de cidades que vivem do carvão, e esse boicote poderá trazer um prejuízo enorme para o Rio Grande, ultrapassando a casa dos R$7 bilhões, e desemprego para uns dez mil brasileiros.
Sr. Presidente, feita a minha homenagem ao Rio Grande do Sul e a todo o povo gaúcho pela passagem de mais um aniversário da inesquecível Revolução Farroupilha, externo também que os nossos olhos estão voltados para o futuro em busca de uma pátria que dê direitos e oportunidades iguais a todas e a todos os brasileiros.
Sr. Presidente, com o passar dos anos, aprendemos outras formas de pelear, aprendemos outras formas de fazer o chamado bom combate. Agora usamos a arma do conhecimento, do diálogo e do voto, pois é assim que vamos construir nossa Pátria e nosso País.
Por isso, Sr. Presidente, nós queremos avançar muito, muito, muito para que os gaúchos e gaúchas vejam o Rio Grande grande, do tamanho que nós entendemos que o povo gaúcho merece.
Nós nunca imaginamos, Sr. Presidente, que iríamos estar atravessando neste momento uma situação tão difícil como a atual em relação à dívida do Governo do Estado com a União. Queremos discutir, queremos renegociar essa dívida. Por isso, apontamos para o caminho de um novo pacto.
Mas, com certeza, eu aqui, em nome do povo do Rio Grande, posso dizer: viva o povo gaúcho, viva o povo brasileiro!
Eu queria convidar a todos – vou encerrar já a minha fala – para que amanhã, na Comissão de Direitos Humanos, façam-se presentes. Estarão lá diversas figuras da história do Rio Grande, pessoas que, dentro do seu tempo, marcaram sua época. E continuam marcando, como, por exemplo, o ex-Ministro Nelson Jobim. Ex-Ministro da Justiça, ex-Deputado Federal e ex-Constituinte, vai estar amanhã lá falando sobre a sua visão da Revolução Farroupilha.
Teremos lá historiadores, intelectuais. Teremos lá, num pedaço da agenda dessa audiência pública, o filme Neto perde a sua Alma, que fala um pouco dessa caminhada. Esse filme, que foi muito bem ilustrado, mostra os momentos mais difíceis da nossa Revolução e mostra também a situação dos Lanceiros Negros. É uma história que quase não é contada, mas o Brasil vai conhecer um pedaço dela amanhã. Os Lanceiros estavam sempre na linha de frente e, repito, no final foram massacrados, foram desarmados pelo poder imperial. Contra isso é que nós protestamos.
A rebeldia é uma marca do povo gaúcho. Somos rebeldes, mas temos sempre o olhar voltado para um Brasil melhor para todos os brasileiros.
Obrigado, Sr. Presidente.