A democracia tem uma capacidade incrível de se auto-oxigenar, de se nutrir dos erros e dos acertos, de restabelecer rotas que visem o bem-estar de todos. Ela é o melhor caminho para o desenvolvimento dos países e para o diálogo das sociedades. Daí a importância do seu aprimoramento constante. Democracia se faz no dia a dia, na vigia atenta, na prática soberana da escolha, no aperfeiçoamento das instituições públicas.
Muitos a utilizam em benefício próprio e de grupos que, de tempos em tempos, se apresentam como faróis da moralidade e da virtude, bastiões da verdade e do civismo. No fundo, escondem ideologias impregnadas de ódio e de violência, fobias, rancores e instintos nada humanos. Isso fica claro quando aqueles que têm pensamento diferente e possuem outra visão de mundo são subjugados.
Aceitando a provocação de Slavoj Zizek, de que os males primeiro acontecem como tragédia e depois como farsa, é que devemos agir com análises e questionamentos profundos, aguçando as nossas percepções da realidade, os prós e os contra, pois, como ele mesmo afirma, “as consequências de não agir podem ser catastróficas”. Esse é o grande desafio que temos pela frente.
O agir em si significa fazer a defesa de causas e da boa luta contra aqueles que não entendem que a felicidade está profundamente ligada ao combate à pobreza e à miséria, ao respeito aos direitos humanos e às diversidades, no dizer não ao racismo e atuar contra ele, na garantia de direitos sociais e na igualdade de ter direitos, na sustentável e legítima defesa do meio ambiente.
A vitória de Joe Biden e Kamala Harris nos Estados Unidos, de Luis Arce e David Choquehuanca na Bolívia e a decisão do povo chileno de uma nova constituição para substituir a atual, ainda da época da ditadura, são significativas para a resistência plural de ideias, do direito das pessoas viverem em paz, agraciadas com a beleza da vida e para o entendimento de que outro mundo é possível, baseado na solidariedade, na justiça e na liberdade.
Na minha conta do Twitter (@paulopaim), afirmei, nessa semana que passou, que os ventos da democracia avançam pelo continente americano, varrendo as insensibilidades dos homens, trazendo novos ares, respeito às diversidades e aos direitos humanos. Com a democracia, se corrigem rumos, caminhos são reconstruídos, os olhos da esperança se alegram. Com a democracia, tudo! Sem a democracia, nada!
Eu tenho dito que o Brasil está no meio de uma tempestade avassaladora. A atual crise econômica, social e política talvez seja a mais aguda de toda a nossa história. E para completar, o governo federal cometeu uma série de erros e equívocos no combate à Covid-19, sendo, muitas vezes, arrogante e omisso com uma realidade que, até o fechamento deste artigo, tinha ceifado a vida de 162.842 mil pessoas e registrado 5.7 milhões de casos.
Politizar a vida das pessoas é de uma insensatez monstruosa. O recente caso do teste da vacina contra a covid-19 mostra que parte do poder no Brasil se encharca em estupidez. E quando isso ocorre é a própria indignidade se sobrepondo a existência humana, é a opção pela ira e pela discórdia. Não é isso que nós queremos; não é isso que o povo brasileiro merece. Mais do que uma obrigação, é um dever buscar sempre a dignidade como triunfo do bem-estar da população.
As eleições municipais, que vão eleger prefeitos e vereadores no Brasil, se aproximam. É o momento de nós exercermos a democracia, o direito de votar e de ser votado. Uma eleição não é somente o ato do voto, é um momento de reflexão para o eleitor, de comparar o que os candidatos estão propondo, se há, efetivamente, seriedade em tais discursos e propostas. O voto consciente é o recurso que o eleitor tem para radiografar o cenário e, assim, fazer suas escolhas.
O pleito municipal é tão importante quanto o estadual e o federal, pois é nos municípios que a vida acontece; nas residências com seus jardins floridos, na padaria da esquina, no mercado da praça, nas paradas de ônibus, nos bairros e vilas, no alimento que é colhido no interior pelos agricultores. Os mandatários locais tomam decisões que afetam diretamente as pessoas, por serem responsáveis pelas políticas mais específicas que interferem no dia a dia.
Mas não podemos esquecer que há uma ligação de governança em todas as esferas. Uma decisão mal tomada pelo governo federal, por meio de um plano econômico ou uma reforma, como, por exemplo, a da previdência e a trabalhista, atinge também esses cidadãos, que podem melhorar de vida ou serem atingidos pelo desemprego e por um sistema de saúde precário. Da mesma forma, essa conexão passa também pelos governos estaduais.
O nosso país tem passado por altos e baixos. Fomos colônia, império, somos república. Tivemos golpes de Estado, revoluções, períodos de exceção, de tristeza, em que o nosso povo foi vilipendiado em seus direitos. A atual Constituição é a nossa sétima. É com ela que o país vive o seu mais longo período democrático. Seguimos em frente, olhos postos ao horizonte, com a clareza suficiente de que é possível governar para todos… Isso também é agir.
O Brasil, com toda a potencialidade que tem, ainda continua sendo um país desigual e com a maior concentração de renda do mundo, o que é inaceitável. Algo está muito errado. Só mudaremos esse quadro com políticas humanitárias: mais educação, mais saúde, mais emprego e renda, mais segurança. Temos que avançar no combate ao ódio e à violência. É preciso mais amor, mais amorosidades, solidariedade e fraternidade. Caso contrário, será a barbárie. A quem interessa a barbárie? Ao povo que não.
Parafraseando Nelson Mandela, eu creio que o nosso espírito e a nossa alma continuam vibrantes e extremamente animados para novas formas de caminhar. As ondas de indignação estão ao nosso favor, nos fazendo compreender o papel que todos nós temos para melhorar o nosso país. Muito mais importante do que dizer o que o povo realmente quer, é abrir os espaços necessários para que todos os brasileiros possam sempre e, permanentemente, dizer exatamente o que querem. Governar para todos é descobrir a magia, incalculável, que a democracia nos oferece.