A PEC 186/19, aprovada em dois turnos no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, com o voto contrário da oposição, não foi concebida nem aprovada para viabilizar o pagamento do auxílio emergencial. Foi concebida como parte do chamado Plano Mais Brasil, composto por três propostas de emendas constitucionais (186/19, 187/19 e 188/19), que tem como norte o aprofundamento do regime de austeridade fiscal inaugurado pela EC 95/16 (teto de gastos), com redução das despesas obrigatórias, extinção de fundos públicos e drenagem dos seus recursos para o sistema da dívida, redução da jornada e da remuneração dos servidores públicos, extinção das aplicações mínimas em educação e saúde, estímulo à privatização, dentre outras medidas da cartilha ultraneoliberal.
A inserção do tema “auxílio emergencial” no âmbito da PEC 186/19 foi uma forma de o governo Bolsonaro, com o apoio da grande mídia empresarial, chantagear o parlamento e a sociedade, condicionando o pagamento do auxílio à aprovação do conjunto da obra. Tanto é verdade que a referida PEC serviu de instrumento para limitar o auxílio emergencial ao montante de R$ 44 bilhões de reais, o que provocará a redução do valor do auxílio de R$ 600 para aproximadamente R$250, reduzirá o número de pessoas beneficiadas e o tempo de duração do auxílio. De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos elaborada pelo DIEESE, o custo da Cesta Básica na capital paulista em janeiro de 2021 foi de R$ 654,15, de modo que um auxílio emergencial de R$250 reais equivale a somente 38,21% do valor da cesta básica.
E qual foi o conjunto da obra aprovado juntamente com a autorização para que o governo Bolsonaro aplique apenas R$ 44 bilhões no pagamento do auxílio emergencial?
No âmbito da União, emerge mais uma regra fiscal, aprofundando a política de austeridade inaugurada pela EC 95/16 (teto de gastos). Se a despesa obrigatória da União ultrapassar 95% da despesa primária total, ambas sujeitas ao teto, ativa-se automaticamente uma série de medidas de contenção de despesas, que penalizam os servidores e a prestação dos serviços públicos. É uma espécie de subteto dentro do teto de gastos, que busca viabilizar o cumprimento do teto nos próximos anos, o que resultará na redução, em termos reais, das despesas obrigatórias. É uma tentativa absurda de garantir a sobrevivência de um regime fiscal que não encontra paralelo no mundo e que atravanca o desenvolvimento nacional, com a conta sendo paga pelos servidores públicos e pela população que depende dos serviços públicos.
No âmbito dos Estados, Distrito Federal e Municípios, emerge um arcabouço constitucional indutor de medidas de austeridade, sempre que a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente, ou ainda quando ultrapassar 85% da receita corrente desde que haja autorização do respectivo Poder Legislativo. Ultrapassado o patamar de 95%, o ente subnacional será induzido a conter despesas, do contrário não terá aval do Tesouro para eventuais operações de crédito. As medidas para contenção de despesas penalizam justamente os servidores e a prestação dos serviços públicos, uma vez que englobam a vedação de: reajuste remuneratório, criação de cargo ou função que implique aumento de despesa, alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, admissão ou contratação de pessoal (ressalvadas as reposições de cargos de chefia e direção e as decorrentes de vacância de cargos efetivos ou vitalícios), realização de concurso público (exceto para reposições das vacâncias previstas), criação de despesa obrigatória, medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da inflação, concessão ou ampliação de inventivo tributário, dentre outras.
O primeiro parecer do Senador Márcio Bittar (MDB/AC), relator da PEC 186/19 no Senado, promovia diversos outros retrocessos, que foram derrotados pela mobilização social e pela luta das bancadas da oposição no Senado e na Câmara.
A extinção das aplicações mínimas em educação e saúde, por exemplo, foi derrotada durante a tramitação da matéria no Senado, assim como a desvinculação de recursos do Fundo Nacional de Cultura. Na Câmara, a oposição conseguiu suprimir o dispositivo da PEC que desvinculava recursos de fundos públicos estratégicos, como o Fundo Social do Pré-Sal (FS) e o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), mas uma manobra na elaboração da redação final da matéria tornou possível a drenagem do superávit financeiro de diversos fundos públicos para o sistema da dívida, e essa manobra provocará a judicialização da matéria. A luta da oposição da Câmara também tornou possível que as progressões e promoções não fossem vedadas quando acionados os gatilhos fiscais.
Faz-se importante destacar, portanto, que a PEC emergencial era emergencial apenas para o mercado e para o governo Bolsonaro, seu fiel escudeiro. O auxílio de R$ 600, que de fato é uma demanda emergencial de milhões de brasileiros e continuará sendo enquanto durar a pandemia e enquanto durar a desastrosa política econômica do governo Bolsonaro, não foi aprovado.
Trata-se de um governo genocida em função da má gestão da pandemia, mas também em função da má gestão da economia e da assistência social. A saída não passa apenas pela substituição de ministros, mas sim pela substituição do governo. O “Fora Bolsonaro” virou questão humanitária de interesse internacional.
Paulo Rocha – líder do PT no Senado e senador pelo Pará
Bruno Costa – Assessoria da Liderança do PT no Senado Federal