Alessandro Dantas

Neste 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, feriado nacional, convido você a olhar o Brasil como um grande quebra-cabeça a ser montado, uma metáfora para representar o nosso país e seus problemas sociais.
As peças estão diante de nós: o racismo estrutural, a meritocracia seletiva, a tributação injusta. Cada uma delas, sozinha, faz sangrar, aos poucos, a nossa gente. Juntas, mantêm viva a exclusão de milhões de pessoas em um grau altíssimo de indignidade.
O Brasil ainda é um país profundamente desigual. Um estudo recente da FGV mostra que, embora a renda dos mais pobres tenha crescido 10,7% em 2024, e a dos mais ricos, 6,7%, o abismo entre os extremos segue imenso.
Outro levantamento do IBGE, intitulado “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, escancara uma ferida antiga: séculos de escravidão e exclusão ainda são sentidos no presente.
Mais da metade da população brasileira, conforme o IBGE, é preta ou parda (55,5%), e continua sendo a mais afetada pela informalidade, pelo desemprego, pela baixa renda, pela falta de oportunidades, pela criminalidade e falta de segurança. Onde está a esperança? Como diz uma canção latino-americana: “Me perguntaram como eu vivia, me perguntaram, sobrevivendo eu disse, sobrevivendo”.
Pessoas negras ganham, em média, 40% menos que pessoas não negras. Ocupam menos cargos de chefia. Enfrentam mais desemprego. É o resultado de um sistema que alimenta e reproduz privilégios.
O racismo é presença viva, diária, cotidiana, está nas entranhas da sociedade. Em pesquisa recente, 81% dos brasileiros reconheceram: o país é racista. E 44% afirmaram que a cor da pele é o principal fator de desigualdade. O racismo estrutural impede, silenciosamente, milhões de brasileiros de avançar.
É nesse contexto que surge a falácia da meritocracia. Fala-se muito que “quem quer, consegue”. Como já me disseram: “como competir de igual para igual quando uns nascem com todas as portas abertas e outros precisam escalar muros?” Quando não há direitos e oportunidades iguais para todos, quando o Estado Brasileiro abraça apenas alguns, “o mérito vira privilégio disfarçado”.
Ao longo da minha vida, compreendi que as políticas públicas e humanitárias são pontes que transformam desigualdades em oportunidades. Elas abrem caminhos para uma sociedade mais justa. E os alicerces dessas pontes só se sustentam com recursos, que vêm de um sistema tributário justo.
Historicamente, a tributação no Brasil é uma vergonha. Quem tem muito paga, proporcionalmente, menos. E quem tem pouco continua pagando a conta da desigualdade. Tributar os super-ricos é justiça social. É permitir que o Estado invista onde mais precisa: na escola pública, em hospitais e postos de saúde, na moradia, na vida digna da população.
Recentemente, o Congresso Nacional aprovou projeto do governo do presidente Lula dando um passo importante para o início da virada do jogo. O Imposto de Renda passa a ser zero para quem ganha até R$ 5 mil por mês, e as alíquotas foram reduzidas para rendas entre R$ 5 mil e R$ 7.350. O projeto também aumenta a taxação sobre as altas rendas — para quem recebe mais de R$ 50 mil mensais ou R$ 600 mil por ano — incluindo dividendos. É um passo importante, mas ainda há muito a ser feito.
Sempre enxerguei o Brasil como um quebra-cabeça de muitas peças. Nada está isolado. Tudo se conecta. Como dizem os especialistas: a desigualdade nasce da exclusão. O racismo alimenta essa exclusão. A meritocracia, sem igualdade de condições, apenas a justifica. E a falta de uma tributação justa impede o Estado de corrigir o desequilíbrio.
Há centenas de anos o país funciona assim, sustentado por estruturas que se repetem. E por que não a solucionamos? Talvez porque, ao enfrentar as injustiças, muitos acabem se moldando às mesmas lógicas que pretendiam combater. E aqui lembro do “velho” Nietzsche: “Aquele que luta com monstros deve cuidar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
Dói-me dizer, mas a desigualdade é escolha política. E é por isso que o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é tão simbólico. É o dia de lembrar que igualdade não se pede, não se implora — igualdade se constrói.



