Para Donizeti e Pimentel, modelo atual de julgamentos beneficia os grandes sonegadoresAtualmente, julgamentos de sonegação fiscal – que muitas vezes envolvem cifras milionárias – passam por diversas etapas até serem concluídos. Isso, no entanto, só ocorre quando é para beneficiar o acusado de sonegação. Para os senadores petistas José Pimentel (CE) e Donizeti Nogueira (TO), é preciso rever as legislações sobre o tema. A defesa de mudanças foi feita nesta terça-feira (2) durante a primeira audiência pública promovida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Senado, que investiga irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) do Ministério da Fazenda.
O Carf, assim como em muitos países, atua como um tribunal especializado onde os contribuintes, sejam empresas ou pessoas físicas, podem questionar cobranças da Receita Federal antes de recorrer à Justiça comum. Um processo nesse conselho tramita por até oito anos e, caso o colegiado decida por não punir o contribuinte, a União não pode recorrer. No entanto, se o julgado for derrotado, este ainda pode apelar ao Poder Judiciário – onde os processos duram até 15 anos.
Ou seja, após ser autuado por sonegação fiscal, o processo de um contribuinte pode levar ter até 23 anos. “O melhor meio é uma nova legislação que possa pensar em arbitragem e não num jeitinho para melhorar [para o sonegador]. […] Precisamos rever o que está para trás e o que podemos mudar daqui pra frente. O que podemos fazer para fechar as portas dos sonegadores”, explicou o senador Pimentel.
Um dos participantes da reunião da CPI, o procurador da República Frederico Paiva concordou com o parlamentar. Paiva acredita que a manutenção do modelo atual só é interessante aos beneficiados. “A quem interessa que o Carf não mude? Justamente as forças que reforçam esse Estado patrimonialista que vigora há 500 anos”, afirmou.
Para o senador Donizeti, vice-presidente da comissão, a burocracia no julgamento de processos tributários brasileiros “foi feita só para atrapalhar”. O parlamentar indagou Paiva sobre qual seria o modelo ideal a ser adotado no País. Em resposta, o procurador citou o sistema em vigor no Japão, onde atuam servidores de carreira, da área tributária, e os processos são julgados em um ano, em média. “Não vejo porque não ser replicado aqui no Brasil”, disse Paiva.
A CPI tem como base as investigações da Operação Zelotes, da Polícia Federal, que analisa a denúncia de que empresas, escritórios de advocacia e de contabilidade, servidores públicos e conselheiros do Carf criaram um esquema de manipulação de julgamentos de recursos contra cobranças fiscais, propiciando a redução de multas de sonegadores de impostos.
As investigações já comprovaram prejuízos de R$ 6 bilhões aos cofres públicos, mas auditores que participaram da apuração do escândalo avaliam que a fraude possa ultrapassar os R$ 19 bilhões. O esquema da organização criminosa funcionava com a contratação de empresas de consultoria que, tendo acesso e trânsito facilitado no Carf, conseguiam controlar o resultado do julgamento para favorecer a empresa ou pessoa física autuada pela Receita Federal, mediante pagamento de propina. A investigação constatou que em muitas dessas consultorias tinham como sócios membros ou ex-integrantes do Carf.
Modelo ineficiente e sem transparência
O atual modelo de julgamentos no conselho conta com instâncias diferentes – como ocorre na Justiça comum, o que contribui para a demora da análise dos casos. Além disso, metade do conselho é formada por advogados indicados pelos contribuintes, como as confederações das indústrias, que não recebiam qualquer remuneração. Os demais integrantes são servidores do Ministério da Fazenda, que continuam recebendo os salários do Executivo.
Para o procurador Frederico Paiva, que atua na Zelotes, o sistema do Carf copia o que há de pior no judiciário: diversas instâncias e uma infinidade de recursos protelatórios. “Ocorre que, desde abril do ano passado [quando as investigações da Zelotes foram aprofundadas], encontramos uma instituição anacrônica, ineficiente, burocrática e nem um pouco transparente”, afirmou Paiva.
Sobre a paridade de conselheiros – com servidores e representantes dos contribuintes, o procurador acredita que este formato beneficiou manipulações. “Fato é que, por um bom período de tempo, pessoas, a pretexto de prestar consultoria tributária, conseguiram manipular alguns julgamentos e produzir prejuízos bilionários na tributação brasileira”, afirmou.
Em abril deste ano, foi publicado o Decreto 8.441, da presidenta Dilma, que institui remuneração de R$ 11,2 mil para os integrantes do conselho a cada sessão de julgamento. Além disso, o texto impõe que os conselheiros estão sujeitos às restrições ao exercício de atividades profissionais, sendo vedado o exercício da advocacia contra a Fazenda Pública Federal.
Mudanças
Durante a reunião da CPI, o presidente do conselho, Carlos Barreto, reconheceu a necessidade de mudanças. “O Ministério da Fazenda tem orientado uma reestruturação do Carf no sentido de que essas atividades tenham maior segurança jurídica”, explicou.
Segundo Barreto, está sendo implementado, no conselho, um serviço de auditoria e análise de risco no colegiado. Outras iniciativas incluem os sorteios eletrônicos dos casos para os conselheiros analisarem e a digitalização completa dos processos, que vem ocorrendo desde 2010. A tramitação “em papel”, de acordo com o presidente do Carf, era uma das principais fragilidades que permitia a manipulação dos julgamentos. “Temos a possibilidade de, até junho deste ano, ter 100% dos processos digitalizados”, afirmou.
Carlos Mota
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