Pinheiro: cota não é o |
A televisão e o rádio devem ser formas de representação da população, segundo as leis brasileiras. Mas, na prática, não é isso o que acontece. Um levantamento realizado pela Mark Sistemas de Pesquisas, a pedido da Fundação Perseu Abramo, revela que a maioria da população não se identifica com os produtos desses meios de comunicação: 54% dos entrevistados disseram que a TV não mostra a variedade do povo e outros 22% reclamaram que se sentem invisíveis. A correção, na avaliação dos senadores Walter Pinheiro (PT-BA) e Aníbal Diniz (PT-AC), pode estar na aprovação de cotas para a produção regional e independente nas emissoras de rádio e TV aberta.
No Senado Federal, aguarda votação na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) o projeto (PLC 59/2003) que regulamenta a regionalização da programação radiofônica e televisiva, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Há 23 anos tramitando no Congresso Nacional, a proposta estabelece, de forma escalonada, as cotas para a produção regional. Na expectativa de construir um consenso para aprovar a matéria, Pinheiro e Aníbal promoveram um amplo debate com representantes de emissoras e TV e produtoras independentes, nesta terça-feira (28) na CCT.
Especialista em telecomunicações, Walter Pinheiro destacou que estabelecer percentuais de programação regional é uma determinação da Lei Maior do País. “A cota não é o engessamento; é a garantia mínima. É dizer pode produzir que você vai ter como veicular. Essa era a ideia do legislador da Constituição”, afirmou.
Pinheiro observou ainda que as cotas podem ser uma excelente oportunidade de negócio. Ele lembrou, que quando foi relator da Lei 12.485/2011, popularizada como Lei da TV por assinatura, que regulamentou cotas para produção regional e independente, as emissoras exibiam comunicados que acusavam os parlamentares de estar querendo “tirar o direito de escolha” do telespectador. Hoje, com a legislação em vigor, as diretorias estão comemorando o aumento do faturamento, com a exibição de séries nacionais premiadas. “Apanhei muito. Agora deviam fazer uma autocrítica e divulgar na TV: ‘nós erramos, crescemos horrores’”, criticou.
O senador Aníbal Diniz ressaltou que a forma engessada com que as emissoras de rádio e TV concebem programas que pouco variam um dos outros, sempre com as mesmas vozes e opiniões, limitam o cidadão e estimulam a perda da identidade cultural. Diniz contou que, quando foi secretário de Comunicação do Acre, precisou constituir uma TV local e empreender uma campanha para despertar na população o orgulho de ser um povo da floresta e para por fim ao desejo de desmatar a Amazônia para se tornar uma sociedade desenvolvida.
Diniz: regionalização promove |
“É importante as pessoas se verem, para serem felizes. E isso só acontece com a regionalização, porque a autoestima da pessoa se eleva. As pessoas do Acre tinham vergonha de ser da floresta porque significava ser atrasado, não ter os produtos de consumo dos grandes centros”, disse Aníbal Diniz. “Fizemos um trabalho para mostrar que o Acre se tornou Brasil por opção. A gente criou um movimento tão forte, que ganhamos da Globo a série ‘Amazônia: de Galvez a Chico Mendes’”, completou.
Apesar de reconhecer que a “diversidade precisa ser respeitada”, o diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Luis Roberto Antonik, disse que é preciso observar a saúde econômica das empresas e as diferenças de condições de uma emissora localizada em São Paulo e outra localizada no Acre. Para Antonik, as cotas ainda não foram aprovadas porque não são razoáveis. “Se não for razoável, não há a menor chance de progresso. Não se alcança progresso impondo uma cota que as emissoras não têm como cumprir”, avaliou.
A fala de Antonik provocou a reação de Jandira Feghali, para quem a Abert adota “os mesmos argumentos eternamente”, mesmo diante das diversas mudanças ocorridas na área de telecomunicações em todo o mundo. Ela se mostrou favorável a promover alterações no projeto em função de um acordo, mas não concorda em reduzir os percentuais de cotas aprovados na Câmara dos Deputados.
“Toda política de cota firma posição. Passamos por política de cota em várias áreas. O projeto não parou pela cota errada, porque a essa altura vocês (Abert) poderiam ter feito uma proposta”, rebateu a Feghali. “A cota não pode inexistir. Tem que haver um mínimo. Porque a inexistência é estímulo nenhum e descumprimento da Constituição”, enfatizou.
O projeto
O PLC 59/2003 regulamenta o artigo 221 da Constituição Federal. Após tramitar por 12 anos, o texto aprovado na Câmara dos Deputados estabelecia que as emissoras de televisão deveriam veicular programas totalmente produzidos e transmitidos nos estados onde estão localizadas as suas sedes ou afiliadas, entre 5h e 24h, obedecendo a seguinte escala:
– 22 horas semanais de programação em áreas com mais de 1,5 milhão de domicílios com televisores;
– 17 horas semanais de programação em áreas com menos de 1,5 milhão de domicílios;
– 10 horas semanais de programação em áreas com menos de 500 mil domicílios com televisores.
O projeto também previa um aumento de horas no prazo de 5 anos para os dois primeiros casos, que deveriam alcançar, respectivamente 32 horas e 22 horas. Além disso, a Câmara aprovou que 40% das horas semanais destinadas à produção regional na televisão deveriam ser fornecidas por produtores independentes.
Desde 2003 no Senado, o projeto chegou a ser arquivado, após ter sido aprovado nas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Educação, Cultura e Esporte (CE). Voltou a tramitar em 2011, a pedido do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), já na CCT. Relator da matéria, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) elaborou um parecer favorável ao projeto, mas com diversos modificações.
O texto de Raupp estabelece, para a programação regional da televisão, cotas em minutos, escalonadas de acordo com o número de habitantes dos municípios. O relator tira ainda a cota para a produção independente e faculta às emissoras usarem ou não essa produção. Como estímulo, ele estabeleceu que o tempo de transmissão de programação regional de produtoras independentes seja contabilizado em dobro para atender aos limites mínimos estabelecidos nas cotas.
A nova versão ainda não tem consenso. Além dos senadores petistas e da autora do projeto, a diretora executiva da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais, Sônia Regina Piassa, e o assessor jurídico da Associação Brasileira de Radiodifusores José Leal Neto, defenderam a continuidade do diálogo para promover ajustes no texto, especialmente em relação ás proporções das cotas.
Catharine Rocha
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