Estudiosos do setor educacional ouvidos nesta quarta-feira (26) pela Comissão de Educação (CE) do Senado foram unânimes em condenar a ideia de colocar policiais armados dentro do ambiente escolar para enfrentar o aumento da violência escolar.
A audiência foi solicitada pela senadora Teresa Leitão (PT-PE) e fez parte de um ciclo realizado pela CE para tratar do tema. As contribuições vão subsidiar a análise do PL 2.256/2019, que estabelece diretrizes para garantir a segurança física e mental dos membros da comunidade escolar.
Teresa destacou a rápida ação do governo Lula que, logo após o ataque ocorrido em escola de Blumenau (SC), anunciou uma série de medidas. Dentre elas, a liberação de mais de R$ 3,4 bilhões para que estados e municípios implementem ações de prevenção, segurança e apoio psicossocial nos colégios, uma cartilha com orientações para gestores escolares e a abertura de canais de denúncias, que já estão ajudando no combate a atentados.
“Ficou bem clara a tônica da intersetorialidade, da articulação, da ação interministerial. Isso é um desafio grande. E o governo Lula foi bastante ágil em tomar essa posição. É necessário agir com medidas imediatas. Mas sabemos que essa é uma política, também, com medidas de médio e longo prazo”, disse a senadora.
Militarizar escolas não é solução
O presidente Lula havia dito, no último dia 18, que a simples tentativa de transformar as escolas do Brasil em prisões significaria o fracasso do país.
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Zara Figueiredo Tripodi, apresentou dois estudos científicos contundentes que mostram como a inclusão de seguranças armados ou policiais em ambiente escolar não resolverá o problema.
O estudo “Uma análise descritiva das características dos atiradores escolares e da gravidade dos tiroteios em escolas nos Estados Unidos” (tradução livre), publicado pelo Journal of Adolescent Health em 2019, revisou 179 episódios de tiroteios em escolas norte-americanas entre 1999 e 2018. E o resultado é que a manutenção de guardas armados nas escolas não reduziu o número de vítimas em massacres.
Outro levantamento, chamado “Presença de funcionários armados da escola e ferimentos fatais e não fatais por arma de fogo durante tiroteios em massa em escolas” (tradução livre), sobre casos ocorridos entre 1980 e 2019 nas escolas estadunidenses, traz resultados ainda mais alarmantes.
O número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que em casos que não havia esse tipo de dispositivo. Além disso, a presença de agentes de segurança armados no ambiente escolar provocaram o afastamento, no ambiente escolar, de grupos mais vulneráveis, como alunos negros.
“Se policiamento nas escolas funcionasse, os norte-americanos já teriam encontrado uma solução. Precisamos construir uma política de cultura de paz nas escolas. Trabalhar com processos de natureza restaurativa”, apontou Josevanda Franco, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação Sergipe (Undime-SE).
As Práticas Restaurativas constituem-se em procedimentos e atividades proativas que podem colaborar para a prevenção e na resolução positiva de conflitos em geral, contribuindo para evitar a violência e garantir o desenvolvimento de boas relações no espaço escolar.
Discurso de ódio
O diretor de programas e projetos da Secretaria Nacional de Juventude, Guilherme Barbosa, destacou que o processo de aumento da violência no ambiente escolar resulta do discurso de ódio proferido por lideranças políticas de extrema-direita nos últimos anos.
“Esse fenômeno não pode ser reduzido aos últimos acontecimentos ocorridos nas escolas. Esse fenômeno vem de um processo de enraizamento de uma cultura de ódio aos indivíduos, de ódio ao ser humano, que tem se instaurado na sociedade brasileira”, disse, apontando que processo parecido ocorreu em diversos países.
Zara Tripodi também pontuou que o problema diz respeito a discurso de ódio, intolerância e surgimento de células neonazistas, além do comportamento das redes sociais.
“Precisamos pensar em formas mais assertivas de enfrentar esse processo e tomar cuidado para não transformar a escola em outra coisa”, alertou. Ela ainda pediu atenção ao PL das Fake News, que tramita na Câmara dos Deputados e pode ampliar as punições para quem dissemina discursos de ódio por meio de plataformas digitais.
Já Anna Karla da Silva Pereira, chefe da assessoria de participação social e diversidade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, enfatizou que a sociedade, como um todo, deve participar do processo de resolução do problema.
“Esse é um problema da sociedade como um todo. Das escolas, de pais e mães, de todo o conjunto da sociedade brasileira. E, só assim, vamos conseguir fazer esse enfrentamento, de fato”, destacou.