Como num jogo de tabuleiro, o Senado avança e retrocede casas na disputa entre projetos de lei relacionados à produção de alimentos. Nesta última semana de junho, novos movimentos adiaram a decisão sobre duas propostas. O último lance foi nesta quarta (29), na Comissão de Meio Ambiente (CMA), que aceitou vistas coletivas sobre o projeto (PL 3.668/2021) que cria a política de produção de bioinsumos, que são produtos obtidos por substâncias naturais e que servem ao manejo biológico da produção agroflorestal.
Dias antes, um recurso apresentado pela bancada do PT, com dez assinaturas, evitou que fosse direto à sanção presidencial projeto (PL 1.293/2021) que deixa nas mãos dos produtores rurais o controle sobre a ocorrência de pragas e doenças nas lavouras e na criação de animais. Em volta da mesa, “jogadores” com diferentes interesses lançam os dados que podem decidir, por exemplo, sobre a saúde da população, da fauna e da flora.
Na rodada dessa quarta, a CMA decidiu que o projeto de Jaques Wagner (PT-BA) sobre bioinsumos vai passar por audiências públicas. A bancada ruralista pediu que o agronegócio seja ouvido. O líder do PT, Paulo Rocha (PA), concordou com o debate, mas acrescentou à lista de convidados representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O senador reconhece que matérias como essa têm provocado “posições mais apaixonadas”, e defendeu a racionalidade.
“Somos daqueles que se alinham com o desenvolvimento sustentável. Significa que podemos fazer a exploração de nossas riquezas, mas com respeito à saúde pública e à questão ambiental”, ponderou.
O setor de bioinsumos está em alta: já movimenta cerca de R$ 1 bilhão no país e ajuda na produção de 50 milhões de hectares. Além de amigáveis com o meio ambiente, esses produtos não requerem os mesmos cuidados e equipamentos de segurança utilizados para os agrotóxicos. E, para Jaques Wagner, o Brasil pode se tornar líder deste mercado em que hoje os países do Hemisfério Norte é que dão as cartas.
“A regulamentação do uso de bioinsumos, especialmente na proteção de cultivos, promoverá ampliação da utilização desses produtos na agricultura de 2,6% para 20% até 2025, podendo o faturamento chegar a R$ 2 bilhões por ano”, justifica o senador e presidente da CMA, que em seu texto atribui ao Poder Executivo a tarefa de ajustar a legislação fiscal e tributária para estimular a pesquisa, o desenvolvimento, a produção e a comercialização de bioinsumos na agricultura.
Do outro lado da mesa estão governo e ruralistas que, enquanto jogam para atrasar a votação da proposta de bioinsumos, apostam fichas no chamado Pacote do Veneno. A carta da vez é o projeto que transfere aos produtores rurais a tarefa de se autofiscalizarem quanto ao combate de pragas nas lavouras e doenças no rebanho. O poder público, que hoje exerce esse papel, passaria apenas a auditar a execução dos planos fomentados nas fazendas e frigoríficos. O PT apresentou recurso para que o PL da Perda de Controle, de autoria do governo e aprovado na Comissão de Agricultura (CRA), seja votado também no Plenário, em vez de seguir diretamente para a sanção presidencial.
Cerca de 20 organizações ligadas à defesa dos consumidores, ao meio ambiente e à alimentação saudável, assim como entidades representativas de servidores de órgãos públicos de controle agropecuário, articulam essa resistência junto aos partidos de oposição. Uma campanha foi criada para alertar a sociedade sobre os riscos do consumo de alimentos produzidos sem o acompanhamento desses fiscais. O objetivo é convidar a população a reforçar o time e participar desse jogo, pressionando os demais senadores.
Mercado de carbono
A CMA também decidiu realizar audiência pública sobre os desafios do mercado de carbono no país. A iniciativa é do líder Paulo Rocha, que chamou representantes dos ministérios do Meio Ambiente e da Economia, da área acadêmica e de consultorias voltadas ao setor. Paulo Rocha lembra que viabilizar o mercado de carbono é uma das ações necessárias no enfrentamento das alterações no clima global. Nesse mercado, quem consegue reduzir a emissão de gases de efeito estufa alcança créditos que podem ser comercializados com empresas que não atingiram suas metas.
Mas o líder do PT adverte que “mundo afora, existem diferentes interpretações sobre os caminhos para viabilizar este instrumento”, e defende que o mecanismo deve buscar não só o equilíbrio ambiental, mas também garantir salvaguardas sociais. “No Brasil, ainda estamos em fase inicial da implementação do mercado de carbono em escala, em especial quando das ações sob responsabilidade do poder público”, acrescentou Paulo Rocha ao solicitar a audiência.
Fórum Geração Ecológica
A CMA aprovou, ainda, o relatório final do grupo de trabalho voluntário criado em junho do ano passado, por iniciativa de Jaques Wagner. O documento, que traz 26 minutas de projetos de lei, 4 indicações e 2 requerimentos de informação, será apresentado nesta quinta-feira (30) em cerimônia no Salão Nobre da Câmara dos Deputados. Jaques Wagner aproveitou para agradecer aos 42 integrantes do Fórum da Geração Ecológica, que reuniu representantes de vários setores da sociedade, e afirmou que as propostas do grupo, uma tentativa de promover uma guinada verde na economia do país, serão analisadas pela CMA.
“É preciso empregar, é preciso criar ocupação remunerada, mas é preciso que tenhamos uma visão de longevidade. Portanto, não podemos produzir e destruir, produzir e depredar, porque estaríamos fazendo uma produção, eu diria, irresponsável, porque ela não seria duradoura. A forma como a gente se relaciona com a natureza não é mais suportável pela mesma natureza. Então é preciso que a gente tome consciência disso para que a gente comece a fazer uma inflexão”, sustentou o senador.