PEC do Desespero

PT impede “cheque em branco” e Senado aprova benefícios sociais

Plenário aprova proposta do governo que, após três anos e meio de inércia, passou a defender iniciativas do PT para ampliar benefícios e amenizar a crise dos combustíveis. Texto segue para a Câmara

senadores Jaques Wagner e Jean Paul Prates

PT impede “cheque em branco” e Senado aprova benefícios sociais

Foto: Agência Senado

Com alterações propostas pelo PT para tentar impedir o governo de fazer uso eleitoral de benefícios sociais, o Plenário do Senado aprovou nesta quinta-feira (30), em dois turnos de votação, a proposta de emenda à Constituição (PEC 1/2022) que amplia o Auxílio-Brasil e o Vale-gás e cria o Vale-diesel e o vale-gasolina. As propostas já haviam sido apresentadas pela bancada do PT no Senado e na Câmara há mais de um ano, mas até agora haviam sido rechaçadas pelo governo e sua bancada de apoio no Legislativo que, apenas agora, a três meses da eleição, foram adotadas por eles para amenizar a crise social criada pelo governo Bolsonaro. Não é à toa que, nas redes sociais, o projeto vem sendo chamado de PEC do Desespero ou PEC do Golpe. Texto segue para a Câmara.

Originalmente, o texto visava combater os efeitos da alta dos combustíveis e da inflação. Em nenhum momento, porém, ataca a principal origem do problema – a política da Petrobras que dolariza o preço dos derivados de petróleo.

A proposta, que prevê R$ 41,2 bilhões para bancar as medidas sociais, estabelece estado de emergência para permitir a criação e ampliação de programas sociais em período pré-eleitoral.

Graças a emendas do PT, negociadas pelos líderes da bancada, Paulo Rocha (PA), e da Minoria, Jean Paul Prates (PT-RN), e pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) com o relator Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), foi retirado do texto o dispositivo que daria um “cheque em branco” para que o estado de emergência fosse usado de forma indiscriminada pelo governo, aportando recursos em áreas de seu interesse durante as eleições, o que jogaria por terra o princípio da isonomia de condições durante a disputa.

O PT garantiu também que as instituições financeiras escolhidas para operar os novos programas, como Vale-diesel e Vale-gasolina, sejam públicas, o que não estava claro no texto da PEC.

Na discussão da proposta, os senadores do PT e da oposição fizeram questão de mostrar o real interesse do governo e seus apoiadores. “Ninguém aqui está contra nada disso. Está todo mundo trabalhando num objetivo comum, que é o de aprovar esse benefício o quanto antes, mas também evitar – vamos jogar limpo aqui – o uso eleitoreiro disso. Essa é a ideia. O tempo todo negar que as pessoas precisam de ajuda, jogar na gaveta duas vezes [as propostas do PT] e agora, de repente, descobrir que precisa? Por que será?”, questionou o senador Jean Paul Prates.

Ele alertou ainda que o governo, ao contrário do que fazia até agora, resolveu romper com as leis do teto de gastos e da regra de ouro e da responsabilidade fiscal de uma só vez. Além disso, ele criticou o texto da PEC que, logo no início, ao reconhecer o estado de emergência, afirma que o aumento dos combustíveis foi “imprevisível”.

“Imprevisível para quem?”, reagiu Jean Paul. “Eu mesmo, 18 meses atrás, estava dizendo: o preço do petróleo internacional vai subir sistematicamente durante 20, 25 ou 30 meses, porque a economia mundial vai religar suas turbinas gradualmente. Essa curva era totalmente previsível. Então, usar estado de emergência para qualquer coisa e, principalmente, para cobrir incompetência de governo, é intolerável!”, afirmou.

O senador Paulo Paim (PT-RS) também considerou importantes as medidas de cunho social aprovadas, mas lembrou que há várias outras iniciativas que, como essas, já poderiam estar em vigor há muito tempo.

Foto: Agência Senado

“Claro que voto sim, mas gostaria de votar também a renda básica de cidadania, um grande projeto de casas populares, a política de valorização do salário mínimo, o novo Estatuto do Trabalho, do qual sou relator, a taxação de grandes fortunas, lucros e dividendos, o financiamento da agricultura familiar”, afirmou Paim, citando numa mesma frase boa parte dos retrocessos impostos ao país após o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff e, principalmente, perpetrados pelo atual governo, que em três anos e meio, esperou para voltar os olhos aos mais necessitados a menos de 100 dias das eleições.

Auxílio-emergencial

A incongruência do discurso governista na votação da PEC se comprova com um pouco de memória.

Em 2020, o governo propôs inicialmente auxílio-emergencial de R$ 200 para a população vulnerável durante a pandemia. Foi o PT e partidos de oposição que conseguiram convencer parlamentares governistas a aprovar no Senado e na Câmara o valor de R$ 600. O governo só aceitou pagar o benefício até dezembro daquele ano e, mesmo com a pandemia em alta, impediu a prorrogação do pagamento.

Apenas após quatro meses sem qualquer auxílio, em abril de 2021, foi aprovado novo benefício, em valor menor, a partir de R$ 250 mensais, e para um número menor de famílias. O PT defendeu ali, novamente, o valor de R$ 600, mas foi derrotado pelo governo.

No final de 2021, o governo extinguiu o Bolsa Família e, no seu lugar, criou o Auxílio Brasil, uma cópia mal feita do programa antecessor por abandonar exigências como matrícula escolar e vacinação e reduzir o número de famílias atendidas. O valor do benefício ficou em R$ 400, mas deixou de fora cerca de 20 milhões de pessoas que estavam recebendo auxílio-emergencial, agora extinto. O PT, novamente, defendeu o valor de R$ 600 e a manutenção das famílias retiradas.

Não é coincidência, portanto, nem efeito de conjuntura internacional, como argumentam os governistas, que em um ano o número de brasileiros passando fome passou de 19 milhões para 33 milhões.

Vale-gás e Vale-diesel

Roteiro similar aconteceu no debate sobre o Vale-gás e o Vale-diese. A PEC aprovada nesta quinta dobrou o valor do Vale-gás, que será suficiente para bancar um botijão de 13kg a cada dois meses – hoje o valor é equivalente a meio botijão, além de criar o Vale-diesel para caminhoneiros no valor de R$ 1.000 mensais.

Para começar, o projeto que criou Vale-gás é de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Durante o debate, o PT defendia o valor equivalente a um botijão, como o aprovado agora, mas o governo só aceitou metade do valor e reduziu o alcance de 11 milhões de famílias para 5,5 milhões de famílias.

Em seguida, na votação do PL 1472/2021, relatado por Jean Paul Prates, no início de 2022, o Plenário do Senado aprovou o Vale-gás para as 11 milhões de famílias e com o dobro do valor, além de criar o Vale-diesel para caminhoneiros no valor de R$ 300. O governo assumiu o compromisso, na ocasião, de agilizar a tramitação na Câmara mas, como era de se esperar, engavetou a proposta.

O detalhe é que, naquele momento, a legislação eleitoral permitia a criação de novos programas sociais. Agora, com a PEC, foi necessária solução enviesada com o estado de emergência.

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