Após uma sessão marcada por discursos incisivos na defesa dos trabalhadores, com destaque para os senadores do PT, o Plenário do Senado tomou uma decisão histórica nesta quarta (1º) e rejeitou a MP 1.045/2021 e os mais de 70 jabutis inseridos pela Câmara, que transformaram o texto em uma minirreforma trabalhista, ameaçando uma série de direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores. Foram 47 votos contrários e 27 favoráveis ao PLV 17/2021. A matéria foi arquivada.
Apesar dos esforços do relator, senador Confúcio Moura (MDB-RO), para minimizar os danos e viabilizar a aprovação da MP, o texto recebeu duras críticas tanto em relação ao conteúdo quanto em relação à tramitação.
A proposta original do governo previa a prorrogação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM), aprovado há um ano para permitir às empresas reduzir jornada de trabalho e salários ou suspender contratos para manter os empregos durante a pandemia de Covid-19. No entanto, o texto aprovado pela Câmara desfigurou a MP, transformada em uma perversa reforma trabalhista.
Logo no início da sessão, o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou questão de ordem para que todos os artigos adicionados pelos deputados fossem considerados “não escritos” pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por tratarem de assuntos estranhos à Medida Provisória.
“A MP foi enviada com cerca de 20 artigos e foi para mais de 90, por meio de emendas na Câmara. Não dá para votar essa matéria desse modo, que além de tudo não tem nada a ver com a pandemia”, criticou Paim. “Devíamos ter feito sessão temática, como solicitei no início de agosto, com Ministério do Trabalho, da Economia, com Fiesp, Dieese, centrais sindicais”, afirmou.
O senador condenou a inclusão de “cerca de 70 jabutis” e lembrou que essa prática é proibida, de acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele leu trecho da decisão da ministra Rosa Weber: “O que tem sido chamado de contrabando legislativo denota procedimento marcadamente antidemocrático, na medida em que subtrai do debate público e do ambiente deliberativo próprio a discussão sobre normas da vida em sociedade, e os prazos exíguos prejudicam exame cuidadoso, tendo como consequência a aprovação de regras que não seriam jamais aprovadas em deliberação normal”.
Ameaça a décadas de direitos
O líder da bancada no Senado, Paulo Rocha (PA), reforçou a questão de ordem levantada por Paim. “Há uma indignação em face dessas mudanças serem feitas sem a possibilidade de aprofundamento dos debates. Mexer com primeiro emprego para jovens, para mais de 50 anos, mexer com tudo o que está mexendo coloca em xeque tudo aquilo que a relação capital e trabalho produziu no Brasil desde 1988”, alertou.
A questão de ordem foi, no entanto, rejeitada pelo presidente Rodrigo Pacheco, que considerou o teor das emendas da Câmara pertinente com o tema original da MP. Pacheco indeferiu esta e outros pedidos semelhantes feitos por outros partidos.
O senador lembrou que, desde o governo Michel Temer até agora, “o Brasil tem visto um processo de precarização do trabalho que não resolveu o problema do emprego, que era a grande promessa posta no debate”.
Para Paulo Rocha, as mudanças impostas pelos deputados equivalem a “uma enxurrada que derrubou um monte de árvore no rio e foi levando jabuti, sucuri e não sei mais o que nessa MP”. Ele disse ainda que a classe trabalhadora e o setor patronal estão de acordo em discutir os pontos inseridos pela Câmara. “Há boa vontade dos dois lados, mas num debate franco, democrático e aberto”, afirmou.
O líder da Minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN), também criticou a inclusão das dezenas de emendas à MP original. “São jabutis com o tamanho de jacarés”, disse. “E jacarés que mordem direitos trabalhistas, previdenciários e, pior, há uma falácia, porque são colocados com a expectativa de criar emprego novo, mas isso não é verdade”, afirmou.
Assim como Paim e Rocha, Jean Paul mostrou total desconfiança do acordo proposto pelo governo e pelo relator de retirar do texto apenas trechos que tratam da CLT com o compromisso de a Câmara manter a decisão do Senado. “Não confiamos nesse acordo porque há precedente de acordo não cumprido, como no caso da lei do saneamento. A solução é impugnar os jabutis, de acordo com o entendimento já pacificado pelo STF. É hora de dar um basta nos jabutis e manter o programa original de manutenção de emprego durante a pandemia”, defendeu.
Contexto dramático
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) ressaltou que, apesar do dramático contexto vivido pelo país, com a economia estagnada, quase 20 milhões de desempregados e inflação beirando os dois dígitos nos últimos 12 meses, “o governo apresenta uma política pró-cíclica, que aprofunda a crise que aumenta a retirada de recursos que circulam na economia”.
“Quanto maior a massa salarial, maior a demanda. Quanto maior a demanda, maior o crescimento econômico e a sustentabilidade desse crescimento. Mas o que o governo faz é apostar no ciclo recessivo que o país vive”, lamentou.
Por sua vez, o senador Humberto Costa (PT-PE) listou as diversas iniciativas do governo aprovadas pelo Congresso sob o argumento de gerar empregos, como a reforma trabalhista, reforma da Previdência, autonomia do Banco Central, privatização de vários órgãos, entre outros.
“O argumento sempre foi o de que milhões de empregos seriam gerados. Mas hoje o governo conseguiu desempregar os desempregados. Com a gasolina a 7 reais, 25% dos motoristas de Uber estão deixando de trabalhar. As pessoas não têm alternativa. Já são 35 milhões na informalidade”, afirmou. Para ele, “não vai ser com a retirada de direitos e com a adoção de programas que são registros disfarçados de escravidão que vamos vencer o desemprego”.
A iniciativa foi criticada também por parlamentares de quase todos os partidos da Casa, como as senadoras Zenaide Maia (Pros-RN), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Nilda Gondim (MDB-PB) e Mara Gabrilli (PSDB-SP) e os senadores Carlos Portinho (PL-RJ), Lasier Martins (Podemos-RS), Otto Alencar (PSD-BA), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Omar Aziz (PSD-AM), Eduardo Braga (MDB-AM), Fabiano Contarato (Rede-ES), José Aníbal (PSDB-SP), Espiridião Amin (PP-SC) e Dário Berger (MDB-SC).
O que o Senado evitou
Com a decisão, os senadores evitaram a destruição de uma série de direitos trabalhistas, alguns deles conquistados há décadas. Entre os retrocessos que foram evitados, estão:
* Fim da carteira assinada, especialmente jovens trabalhadores
* Contrato de trabalho pela metade do salário mínimo
* Novo emprego sem direito ao 13º salário
* Fim do FGTS ou depósito menor, dependendo do caso
* Fim da aposentadoria e do auxílio-doença
* Fim das férias remuneradas
* Redução das horas extras
* Redução de multas ao trabalhador
* Redução da fiscalização sobre ações das empresas
* Restrição do acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho gratuita